quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Indignação na Amazônia: O fogo da multidão em Tapauá




Recentemente fui a Canutama, Municipio do sul do Amazonas, colaborar com uma equipe do NUSEC/UFAM e CEUC em uma OPP ( Oficina de Planejamento Participativo ), momento especialmente democrático para definição do plano de gestão de uma unidade de conservação.
A cultura política da resignação e subordinação associadas ao clientelismo e mandonismo local com seus "patrões" persiste, contudo, há indícios de que vem sendo aos poucos e  cada vez mais desafiada pela multidão amazônica. Uma má notícia para os pessimistas ( autoproclamados realistas) que acreditam que nada muda nessas plagas. Por aqui também existe resistência, certamente imprecisa, “sem” objetivos bem definidos, difusa e aparentemente sem sentido, não deixa, porém, de ser um sintoma de mudanças subterrâneas que estão ocorrendo.
Minha afirmação é contextualizada, não expressa uma movimento inexorável para toda Amazônia, aliás, é sempre bom lembrar que para alem da biodiversidade, nós temos muitas amazônias em termos sociológicos, a exemplo da sociodiversidade indígena, cabocla, quilombola etc. Vou afirmar apenas o que minha experiência permite sugerir e uma sociologia das emergências na amazônia pode confirmar: lutas e resistências rurais, mas igualmente urbanas estão crescendo em vários lugares, em várias amazônias, o caso de Tapauá no sul do Amazonas é apenas um indicativo de lutas e resistências que geram novas práticas, sensibilidades e institucionalidades que, se imediatamente não geram grandes mudanças, permitem-nos vislumbrar mudanças sensíveis em um horizonte não distante.
Em Tapauá, apesar da precariedade da organização social e da tão falada “consciência política” criou um ação destituinte singular: uma revolta popular no mês passado realizou uma sistemática destruição de estruturas físicas de representação da política, prefeitura, câmara e a própria cada do prefeito foram depredados pelos moradores locais que também deram um”basta” face os desmandos políticos reinantes no Município.
Para muitos, verdadeiros vândalos, black blocs amazônicos, contudo, o fogo da multidão representou a força da política silenciado, a válvula de escape das repressões perpetradas pelas elites locais, a potencia política negada ou capturada pelas forças políticas conservadoras que fazem de tudo para manter o povo na ignorância, na dependência e subordinação. O fogo não atingiu apenas as estruturas físicas, atingiu também símbolos do mandonismo, da hierarquia família, da coerção e medo reproduzidos tradicionalmente.  A oficina de planejamento participativo, da qual participei, ocorrera algumas semanas depois do evento que reuniu na  praça principal da cidade cerca de 2 mil moradores indignados com os desmandos da política local e a corrupção sistêmica que perpassava o legislativo e o judiciário local.
            A experiência da OPP certamente significou um momento fundamental e singular de democratização, afinal, momento de politização são raros em muitos municípios do Amazonas. Alí se experiência  igualmente um fogo, este democrático, cujas chamas vinham de muitas singularidades expressas em indivíduos vindos de suas localidades e comunidade situadas no interior da Unidade de Conservação, em um tempo radicalmente outro, onde a experiência da pobreza é potencia de vida , a relação com a natureza de respeito e não de domínio/exploração, mais sustentável que qualquer “desenvolvimento sustentável”. Nessas plagas as estatísticas oficiais ( que vê apenas desvalidos e  miseráveis) e as representações intelectuais conservadores ( que vê uma massa amorfa que deve ser salva pela solidariedade dos “conscientes” ) se requalificam desde baixo e por dentro, evidenciando a riqueza de “viver bem”, para alem da renda medida pelo IBGE. Um diagnóstico recente do “territórios da cidadania” indicou que apesar de tudo o que as medidas oficiais  mostram, grande parte desses “caboclos-ribeirinhos” estão felizes e satisfeitos com aquilo que possuem.
Por fim, vale sugerir que  o fogo na casa do prefeito ( sim!, queimaram sua casa ) e a depredação de seu  novo gabinete indicam certamente um momento de efervescência política em que novos atores, práticas e experiências  ganham espaço para se consolidarem, se constituírem enquanto alternativa política. Onde antes se via apenas autodesvalia, hoje mesmo que precariamente pode-se visualizar um devir revolucionário  amazônico, um devir de construção instituinte, de alargamento da cidadania não tutelada, forjada continuamente em um processo de construção coletiva negociada, no máximo mediada por agentes que acreditam na mudança autopoiética ( que se forja autonomamente ). Como diria Paulo Freire "crer no povo é a condição prévia, indispensável, à mudança revolucionária. Um revolucionário se reconhece mais por esta crença no povo, que o engaja, do que por mil ações sem ela.
            Nessa perspetiva, creio que o futuro das unidades de conservação, assim como da reinvenção política das sociedades amazônicas está na organização social, no emponderamento de suas comunidades, na qualificação política de seu conselhos, na consolidação da politicidade humana, isto é, daquela riqueza política que coloca em suspensão as limitações da pobreza material e rompe com os limites do possível, inovando possibilidades de realização histórica.
É assim que essa minúscula parte do Amazonas  se apresenta não como lugar do exótico, do inferno verde, do lugar isolado “fonte de fantasia”. Surge também, para além da natureza, como cultura e fonte de resistência. As “metamorforses” do povo em multidão que resiste também ocorre entre os “bárbaros”, aliás, sobretudo neles.


domingo, 1 de dezembro de 2013

RESENHA : IANNI, Octávio. A sociologia e o mundo moderno. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.2011. 406p.


       Em um cenário de convergências de crises em âmbito mundial, compreendendo crise fiscal, política, econômica, social e financeira, todas de alguma maneira vinculadas aos movimentos do capital no quadro da globalizacao do capitalismo, a sociologia é desafiada a renovar-se teórica, metodológica e epistemologicamente para apreender as mudanças em curso; suas raízes históricas, implicações presentes e tendências que tendem a configurar o devir do mundo. Sociologia e o mundo moderno de Octávio Ianni, um síntese de seu estilo de pensamento publicada postumamente, certamente representa um esforço sistemático empreendido durante sua trajetória para compreender os processos históricos sociais que conformaram o mundo moderno. Tal esforço se traduziu como bem indica as temáticas do livro em pauta, num empenho sempre renovado de repensar teorias, metodologias e epistemologias. Daí as diversas problematizações teórico-metodológicas em torno do funcionalismo, teoria sistêmica, dialética, etnometodologia, fenomenologia, individualismo metodológico entre outros que nos seus últimos livros, especialmente em sua trilogia sobre globalização ( A sociedade global,de 1992. Teorias da Globalização,, 1995 A era do globalismo, de 1996 ) aparecem em um síntese sofisticada ( sociologia da globalização ) para apanhar as relações, processos e estruturas que delineam os movimentos e contradições de uma totalidade emergente: a modernidade-mundo e sua sociedade global que “constituem, movem, tensionam, integram e rompem as nações e as nacionalidades, os povos e as raças, as regiões e as línguas, as fronteiras e as cartografias, as culturas e as civilizações” (p.276).
       Autor de dezenas de livros, o discípulo de Florestan Fernandos escreveu livros que se tornaram-se clássicos nas Ciências sociais brasileiras, entre os quais destacam-se "Metamorfoses do escravo", de 1962, e "O colapso do populismo no Brasil", de 1968. Em seu esforço de renovar criticamente as ciências sociais, Sociologia e o mundo moderno, vem coroar postumamente seu empreendimento teórico-metodológico com contribuições significaticas para se compreender e interpretar não só os temas e problemas da modernidade, mas simetricamente aqueles relacionados a modernidade-mundo ou globalismo com suas crises e contradições. Sim! Se a sociologia nasceu com o mundo moderno, como bem enfatiza Ianni, poderiamos igualmente afirmar que ela renasce e atualiza-se com a modernidade-mundo; com a renovaçao dos processos e estruturas que caracterizam o capitalismo contemporâneo.
       Mais especificamente sobre o livro, trata-se de um conjunto de ensaios, estudos e artigos muitos dos quais já publicados em revistas e apresentado em congressos, mas que foram revisados e sequenciados lógica e historicamente para fornecer um contributo não apenas sobre a história da sociologia e as construções teórica-metodológicas que surgiram como resposta as transformações do mundo moderno. O livro oferece igualmente um aguda problematização das condições históricas que vivenciamos atualmente; mobiliza a geografia, a filosofia, a antropologia, a ciência política e outras disciplinas das ciências sociais - tal como o artista escolhe as tonalidades para sua obra de arte - para mapear, refletir e decodificar criticamente os temas e problemas caracterizam o “ mundo da vida” e que fomentam as condições e possibilidades da “ explicação, compreensão e revelação” que se colocam em termos epistemológicos.
       Seria no mínimo empobrecedor tentar realizar uma síntese dos 16 capítulos que compõem a coletânia “ I A formação da sociologia”, “ II A tentação metodológica”, “ III Problemas de explicação”, “ IV A unidade das ciências”, “ V Positivismo e dialética”. “VI Razão e história”, “ VII Dialética e ciências sociais”, “VIII Ciência e arte”, “ IX Sociologia e história”, “ X A vocação política das ciências sociais”, “ XI O novo mapa do mundo”, “ XII A política mudou de lugar”, “ XIII As ciências sociais e a sociedade mundial”, “XIV A internacionalização da sociologia”, “ XV Formas sociais do tempo”, “ XVI Estilo de pensamento” e “ XVII Perspectiva da história”.
       No entanto, vale aqui pontuar sucintamente algumas problematizações e esclarecimentos que Ianni nos oferece sobre a conjuntura contemporânea, mesmo depois de quase 10 anos do fim de suas atividades intelectuais. Atividades traduzidas em um esforço sistemático de conceber e integrar teoria, metodologia e epistemologia como processos de uma mesma dinâmica,como partes integradas do fazer científico que
se cria e recria continuamente através da atividade e pensamento crítico da sociologia diante das “ relações, processos e estruturas” que conformam a realidade e colocam o sociólogo em estado de vigilância na realização de seu ofício.
      Em um contexto marcado por crises dos Eua à Europa, passando pelo Oriente Médio e Brasil e traduzidos em ebulições e revoltas políticas como Primavera Árabe, Occupy, Indignados, Jornadas de junho e Black Blocs, os dois últimos fenômenos manifestos no Brasil, demandam um posicionamento crítico por parte do cientista social, daí que sua pesquisa ( X A vocação política das ciências sociais ) sobre o presente não pode prescindir de um posicionamento político, afinal, como sugere Ianni a ciência social é um técnica de poder e suas pesquisas podem estar inspiradas “ seja pela convêniência de preservar o status quo político-econômico, seja pelo interesse em modificá-lo” . Sendo a pesquisa parte “ importante do processo de produção cultural”, cujo produto passa a ser parte “ da realidade social como pensamento e prática” o autor deixa claro que o ato da pesquisa em tempos de crise vai invarialmente tender para manuteção das estruturas de dominação ou para “ mudar, romper ou refazer relações e estruturas de dominação”.
       As respostas sociais expressas em termos de levantes e resistências face as crises políticas vigentes, especialmente a crise da democracia representativa, indicam uma efervescência global que ultrapassa o território, o Estado-Nação ou nacionalismo, coloca-se no âmbito do globalismo, tal como sugerido por Ianni ( XI O novo mapa do mundo). É nesse espaço global constituido pelo capitalismo mundial, enquanto modo de produção e processo civilizatório, que se realizam num pano de fundo comum as lutas e resistências contra-hegemônicas face a globalização pelo alto operada por poderosas estruturas mundiais de poder, a exemplo das grandes corporações transnacionais e organizações multilaterais, principais dinamizadores do neoliberalismo.
     Estando restritas as condições de hegemonia e soberania do Estado-Nação as condições e possibilidades de lutas sociais se alteram radicalmente e, por consequência, a política redefini-se no âmbito do globalismo ( XII A política mudou de lugar ). Nessa nova ordem global com seus novos atores e suas contradições, as classes sociais, os partidos políticos, o sindicato e os movimentos sociais entram em crise e são obrigados a mudar radicalmente seus quadros de referência política, precisamente o que ocorre em várias parte do mundo atualmente. A respeito da “ reterritorialização” da política Ianni assinala que as categorias da ciência política perdem a vigência e a realidade global torna-se carente de categorias interpretativas. 
       As ciências sociais defrontam-se com causas e crises seríssimas para serem equacionadas em termos de compreensão e interpretação, dando como exemplo a crise do principio da soberania nacional ( a atuação da Troika na Europa explicita essa crise ) e hiato crescente entre sociedade civil e Estado onde este “parece estar crescentemente determinado pelo jogo das forças sociais que operam em escala transnacional”, ao passo que, a sociedade civil não encontra ressonância representativa no Estado e não vê em suas escolhas políticas o atendimento de suas necessidades sociais . Em ambos os casos o autor assinala “ evidente a presença de injunções ‘externas’, isto é, das corporações transnacionais e das organizações multilaterais, cuja diretrizes em geral conjugam-se”. 
       Se vivo estivesse Octávio Ianni certamente oferecia sugestões e análises extramamente importantes para a conjuntura atual, assim como vislumbrou com precisão o deslocamento radical da política. “Ainda que se continue a pensar e agir em termos de soberania e hegemonia, ou democracia e cidadania, tanto que nacionalismo e Estado-nação, modificam-se radicalmente as condições “clássicas” dessas categorias, no que se refere às suas significações práticas e teóricas (p.228)
       É assim que a novidade dos eventos contemporâneos, com suas crises e rupturas, deve igualmente lançar as ciências sociais em sua renovação para apanhar teoricamente as mudanças da sociedade global em constituição, esta é a mensagem oferecida no capítulo ( XIII As ciências sociais e a sociedade mundial ) . É no curso das mudanças históricas e epistemológicas que “todas as formas de pensamento estão sendo desafiadas pela ruptura histórica em curso”. Talvez os levantes e lutas realizadas em várias partes do mundo nos últimos anos sejam não apenas um indicativo da renovação da política e da democracia, mas igualmente apontam para os desenvolvimentos e os impasses da modernidade. Um momento de ruptura histórica onde conceitos tais como “mercantilismo”, “colonialismo” e “imperialismo”, além de “nacionalismo” e “tribalismo”, são redefinidos face a à emergência do “globalismo”, como nova e abrangente categoria histórica e lógica.
Aí está o valor do presente livro. 
       Em um cenário em que proliferam micronarrativas e análises de desconstrução pós-moderna que so vê fragmentos de uma história presentificada, um livro que se dispõem a apanhar o movimento da história em suas tendências que lhe conferem sentido, se distingue imediatamente. Contra uma
visão fragmentada e empobrecida do real, Ianni sempre adotou o ponto de vista da totalidade. Ganha, portanto, um lugar privilegiado em um mundo com déficit explicativo onde predomina a monotônia do economicismo como elemento explicativo das crises e não como causa e expressão das mesmas. Sociologia e Mundo Moderno talvez sirva como um sopro crítico que reencante jovens pesquisadores para o desafio de pensar a complexidade da modernidade-mundo ou globalismo em sua historicidade, conformada certamente por crises derivadas das relações de dominação política e expropriação econômica, mas com horizonte sempre aberto para a realização de lutas e resistências que se orientam pela pela utopia de um mundo mais justo e democrático.
       Certamente se tornará leitura obrigatória para o curso de ciências sociais e demais áreas interessadas na compreensão dos impasses e crises que caracterizam o mundo contemporâneo.

terça-feira, 29 de outubro de 2013

Nasce uma vida, renova-se os dilemas do mundo


O sentimento profundo de amor e alegria que irradia dos pais no nascimento de uma criança é um momento de inflexão, de ruptura na vida dos pais e simultaneamente de renovação dos dilemas do mundo. Em relação a ruptura podemos afirmar que o nascimento de uma criança marca um novo momento na vida dos pais, temporalidade outra onde nossas vidas se inscrevem, se perdem em uma preocupação continuada de manter-se vigilante; nesse novo tempo estamos sempre atentos aos movimentos, choros, gemidos desse novo ser, se não estamos por perto a intuição logo te leva a uma busca desenfreada para encontrá-lo se algo estiver errado.
Sua experiência do tempo social e suas 24h se alteram profundamente assim como sua vivência nos espaços sofre limitações. Sua liberdade de manejar seu tempo-espaço sofre restrições para você criar as condições e as possibilidades de ampliar e diversificar a experiência do tempo-espaço de um novo ser que se inicia seu desenvolvimento social, moral e intelectual.
De repente seu tempo torna-se mais curto, contudo, mais produtivo. Aos poucos saberá extrair as atividades ou inatividades supérfluas que faziam parte da sua experiência do tempo. Desta maneira
É assim que a civilização avança; talvez menos pelo avanço técnico e científico e mais pela capacidade de subtrairmos nossa liberdade em prol da liberdade dos pequenos que precisam de cuidado e amor para desenvolverem-se e tornarem-se autônomos e capazes de reproduzir essa atitude moral.
                Sua experiência financeira não escapa à mudanças profundas,  onde a preocupação em manter saudável sua nova razão de existir torna-se imediatamente central em sua existência. Desta maneira, a administração financeira requalifica-se ou se inicia em sua vida de cuidados. O planejamento emerge como ferramenta essencial do seu cotidiano; planeja-se o tempo, o reordenamento do espaço de sua casa, seus rendimentos através do orçamento e até seus objetivos de vida em seu sentido mais amplo. Aos poucos você se metamorfoseia, é completamente outro; um outro mais cuidadoso,amoroso e vigilante.

Renovação dos dilemas do mundo

                Certa vez em uma aula do Professor Antonio Carlos Witkoski mobilizou Hanna arendt  para afirmar que toda vez que uma criança nasce no mundo os dilemas e problemas deste mundo são igualmente renovados. É assim que ao me deparar com o nascimento da minha filha me defrontei irremediavelmente com alguns desses problemas ao frequentar uma maternidade pública durante alguns dias.
                Não me alongarei demais nas descrições da experiência, registrarei  apenas alguns fatos que compõem o cenário de renovação cotidiana de problemas públicos.
                Ao chegar na recepção da maternidade Ana Braga ás 11 da noite a  impressão é que não havia nenhuma futura mãe esperando o nascimento de sua criança, imperava um silêncio sepulcral, contudo, após a internação da minha esposa tudo mudou; o ambiente era absolutamente outro, os gritos e gemidos eram constantes, o atendimento rarefeito com médicos dormindo em bancos e corredores com mães em macas desconfortáveis esperando a manhã do dia seguinte para subirem para os leitos.
                Nesse tempo da chegada ao parto da Viviana ( minha filha ) prefiro não comentar mais detalhadamente, basta dizer que quando foram vê-la a criança já estava praticamente nascendo e que houve uma demora de 10 a 15 no meio do parto apenas para esperar alguém para limpar o chão para o médico retirar a criança. Nascida às 4:45 da manhã subiu com a mãe para o leito apenas 11 horas da manhã. Como  o parto foi normal em no máximo 2 dias ela sairia da maternidade, não fosse a demora de um simples tipagem sanguínea da criança que nunca chegava, chegando a ser solicitada duas vezes para turnos de trabalho distintos que se acusavam reciprocamente de não terem realizado o serviço. Saímos em 4 dias, sim saímos pois acompanhei de perto todos os dias. Poisé, apesar da demora ainda não tenho a tipagem sanguínea da Viviana. Imaginem que essa situação não foi única, ao lado da 109, a 110 alegou que estava esperando igualmente o mesmo exame a mais de um dia e que tiraram sangue de sua criança duas vezes, deixando a mão do nascituro inchada.
                Tudo na maternidade é numerado, o leito tem um tipo de numeração existencialista, o nome da mãe e do bebê não importam, fundamental é saber se o 120 está bem, se o 115 já tomou remédio e assim por diante, número que a cada 12 horas é consultado pela mudança da equipe de trabalho. O número de consultas religiosas também é notório, todos os dias e , por vezes, mais de uma vez perguntavam as mães se eram “crentes” e entregavam uns santinhos para reorientar algumas que porventura tenham se “desviado do caminho”. Os efeitos dos santinhos é assunto de fé, assim como passar por “crente” para ficar em “paz” igualmente o é.
                Por fim, vale registrar que limpeza e alimentação eram totalmente instáveis quanto aos sabores e a qualidade; havia almoços dignos de restaurante “caro” assim como frango pitiú sem um limãozinho. Os corredores dos 3 andares com seus 6 leitos em cada quarto expressavam bem essa inconstância do sabor alimentar, geralmente servido em torno de uma hora da tarde, muito tarde segundo mães famintas. Para não me alongar basta mencionar que ao chegar na maternidade vi um estacionamento enorme para os médicos onde era expressamente proibida estacionar carros de não-médicos, sob o risco de enfurecimento do médico que ver seu lugar ocupado segundo o guarda de plantão. A enormidade do espaço e o  vazio  do estacionamento na chegada estavam imediatamente ligados ao déficit de atendimento no interior da maternidade; vi o médico que fez o parto da minha esposa e o pediatra no último dia, o restante dos funcionários eram estagiários e algumas enfermeiras que cuidavam de 2 a 3 leitos por quarto.  Termino esse breve registro muito tranquilo, minha mulher teve atendimento razoável e minha filha está com saúde, diferente de uma mãe que veio saber através da vó que sua criança fora trocada. O barraco foi terrível, assim como o corporativismo para cobrir a merda.
É assim que a profunda felicidade que me comovia durante os primeiros dias de nascimento da minha filha se confundia com um profundo mal-estar diante de problemas públicos diariamente vivenciadas por nossa população.  

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Sim, Lutam contra o capitalismo!


       Embora não o saibam o “estamos contra tudo o que está aí” significa “lutamos contra o capitalismo”, “queremos um mundo pós-capitalista”, e nessa perspectiva lutam contra o modelo de Estado e desenvolvimento estabelecidos, que priorizam basicamente o crescimento econômico visto em termos de superávit, sem converter de maneira mais qualificada ganhos econômicos (  canalizados para pagamento da dívida, rentistas, corporações etc) em ganhos propriamente sociais, isto é, em qualidade de vida , que teria sua expressão em serviços públicos de qualidade, enfim um desenvolvimento e uma orientação Estatal voltada para ampliação das liberdades individuais e coletivas. 
        Não há , em última análises, como fugir dessa constatação, trata-se de anseios, desejos  e necessidades que reformas pontuais e mudança de políticos  nas instâncias representativas não vão conseguir atender de modo satisfatório, vão no máximo, deslocar outras irrupções de manifestações para um horizonte próximo.  Sim, quer saibam ou não lutam contra o capital, lutam contra a “natureza” de um modo de produzir e existir  que de tão incorporados  termina por conduzir uma luta contra a própria consciência.
      Me parece que essas manifestações, movimentos, insurgências se realizam enquanto globalização contra-hegemônica “desde baixo” contra as ingerências e interesses do capital financeiro mundial na figura de bancos, corporações, especuladores etc..
      É como se ao mesmo tempo que travássemos  uma luta nacional estivéssemos em um confronto transnacional contra o capital, o mercado financeiro, a logica da lucratividade.
      Nesse sentido não existe lutas que não sejam globais!
      Movimentos insurgentes de todo o mundo uni-vos!      


sábado, 29 de junho de 2013

A POLÍTICA INSURGENTE E A POLÍTICA CASTRADORA.


        Sim. O que vemos nas ruas em termos de manifestações e insurgências é basicamente política em Estado bruto; dinâmica, processual, criativa, disruptiva. A política não se reduz ao vazio demagógico, por vezes, apresentado no congresso, não se resume ao ativismo puro cuja  ação irreflexiva recaí em mero vandalismo.

        A política é poder constituinte; poder em movimento, aberto, inacabado, infinitamente poderoso e expansivo, que não se deixa capturar pelo constitucionalismo, que se esquiva das cooptações institucionalizantes, que foge das medidas castradoras, despreza os comandos da hierarquia e, por fim, aniquila mediante a cooperação os bloqueios e constrangimentos  que ousam anular a liberdade e fazer dessa anulação privilégio de poucos.

          Na perspectiva de Negri podemos pensar o Estado, suas instituições e o atual sistema político com seus partidos e política tradicional como partes do atual poder constituído na sociedade, poder que se nutre da  criatividade e ânsia de mudança da multidão ao mesmo tempo que isola e neutraliza suas forças inventivas. Trata-se de um poder, contudo, que se encontra amplamente contestado e desqualificado em muitos níveis e escalas, carente de legitimidade, com déficit de democracia e superávit de burocracia e tecnocracia. Mostra-se incontornavelmente como obstáculo para o desejo desmedido de coletividades que ousam ampliar os limites do possível, especialmente os limites da democracia. 

         Ultrapassar esse obstáculo  deve ser imperativo  existencial da política bruta que derramam plural e difusamente pelas ruas do Brasil, deve ser objetivo inelutável para reconduzir  a soberania as suas origens, deve ser enfim,  horizonte de radicalização da democracia, cujo  resultado se expressará em uma nova relação entre Estado e Sociedade certamente menos unilateral e domesticadora e mais cooperativa e dialógica.

     Mas sem ingenuidades, a superação das medidas, comandos e privilégios passa imediata e necessariamente pela intensificação das resistências, lutas e disputa autodeterminada dos sentidos e interpretações do próprio movimento que  se realiza enquanto poder que desestabiliza e reinventa o pensamento e a prática da política. 



Poisé, to lendo Negri! O poder constituinte.

terça-feira, 25 de junho de 2013

Uma rápida e breve resposta ao manifesto da OAB

         

         Não defendo letra morta da constituição, defendo os direito da multidão em injetar vida nas letras dos "direitos fundamentais".


"Como resposta — equivocada — às reivindicações das ruas, a Presidenta da República propõe, entre outras medidas, a convocação de uma Assembleia Constituinte Exclusiva para elaboração de uma constituinte”

         Como poderia ser resposta equivocada as ruas? é a mais acertada que poderia existir, atendendo como raras vezes se viu na história desse país uma demanda legítima da população por mais democracia.

        Não se trata de evidenciar o que a constituição permite ou não, a letra morta não pode suprimir a multidão de vozes que acenam com a mudança do status quo, mesmo não sabendo exatamente o “como” da mudança ocorrer deixa claro que não aceita mais o que está posto como realidade, como "regras do jogo". As regras do jogo não passam de mecanismo privilegiado de reprodução de poder, hierarquias e desigualdades, cabe reinventar as regras do jogo “desde baixo”.

"É impossível convocar uma Assembleia Constituinte — portanto, inovar o Poder Constituinte e tudo o que ele representa — e, nele, estabelecer a sua prévia agenda, pela simples razão de que já não seria Poder Constituinte. O Poder Constituinte possui soberania."

            De que poder constituinte  e soberania estão falando ? Ora, é o verdadeiro poder constituinte - a multidão - que demandou a redefinição do poder constituído. Impossível é acreditar que as coisas possam continuar como estão.  

"A tese fragiliza o Estado de Direito e as Instituições democráticas. Além disso, desmoraliza o Parlamento da república como poder constitucionalmente previsto”

            Este parlamento não poderia estar mais desmoralizado, para atenuar o desgaste de sua imagem deveria é  incorporar o clamor popular para uma   reforma política  como objetivo incontornável para assegurarem alguma legitimidade.

"Crises na democracia se resolvem com mais democracia. E dentro das regras do jogo. Em um Estado Democrático de Direito, é o Parlamento quem deve resolver esse impasse da Reforma Política"

             De que democracia estão a falar? falam de um oligarquia ou democradura onde uma reduzida camada de pessoas conhecedoras das “regras do jogo” definem e protegem com suas vidas o tal do “estado de democrático de direito”, um Estado com democracia de baixa intensidade e com direitos que longe de garantirem os “direitos fundamentais” servem como instrumento de dominação e violência simbólica contra a maioria da sociedade.. Acertaram que crise se resolve com mais democracia, é isso que as ruas estão oferecendo, uma democracia em movimento que para alem das tentativas de captura segue tateando os caminhos para democracia participativa..

"Que tipo de democracia é essa em que uma série de passeatas serve para iniciar um processo constituinte? Passeata e manifestação popular deveriam ser algo normal em uma democracia, não um catalisador de momentos constituintes. Será que o medo que nossas elites têm do povo é tamanho que basta uma manifestação para justificar uma ruptura institucional? Imaginemos se fosse assim na França, nos Estados Unidos, na Inglaterra, na Itália e tantos outros países democráticos, quantas constituintes eles teriam que convocar?"

          Nada mais absurdo! Manifestações são sim catalisadores de momentos constituintes, aliás, expressão mais legítima não existe. Acreditam que momento constituinte é aquele onde um apanhado de peritos em jurisdição se reúnem para escrever uma constituição, ora esse momento é onde o poder constituinte é castrado, o direito é resultado do poder constituinte não seu fundamento. O verdadeiro poder constituinte é aquele dos movimentos sociais que derramam pelas ruas e que tem como objetivo irrigar o atual sistema político que está longe e em descompasso com as aspirações populares.

Deixo uma mensagem de Negri para aqueles que acreditam estar prestando um serviço a democracia..

        “existe uma grande tradição do poder capitalista que garante eficácia na recuperação e na neutralização do antipoder: é a tradição do constitucionalismo.(...) resistência, insurreição e poder constituinte são aqui reduzidos a simples pretensão jurídica, e assim configurados como elementos dialéticos,  partícipes da síntese...democrática do sistema. ( IMPÉRIO,p.202 )

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Breves notas sobre a manifestação em Manaus: Carnaval ou Mobilização democrática


      Vi um movimento em celebração estranha, vi um movimento em disputa, vi um movimento que é vencedor na afirmação da liberdade de expressão, mas vi igualmente um movimento com futuro incerto. 

      No calor do movimento em alguns momentos me sentia bem, outras vezes me sentia estranho, como que participando de um “oba, oba”, como se estivesse no carnaval, com muita celebração, fotos, risos e tudo mais.. Fato é que as emoções mudaram durante a “marcha” significando sempre novas percepções. Me vi em uma cena histórica, orgulhoso e entusiasmado com as possibilidades de mudança, com a reinvenção da democracia, ao mesmo tempo que não me sentia as vezes muito confortável com certos discursos, críticas e desejos ao meu redor; algo que para alem do celebração da marcha em si indicava futilidades e pouca consciência do aquilo significava, mas é claro todos afirmam que as fotos serviriam “para mostrar para os filhos no futuro”, uma espécie de projeção no tempo onde a nostalgia emergia com muita força. 

     Fato é que me sentia pertencido ao movimento alguns momentos e outros não, talvez o deslocamento no meio da multidão me fizesse perceber uma multiplicidade de interesses, vozes e discursos que ora me inspiram sentimentos positivos aos quais eu me identificava e em outros momentos me deixava preocupado; discursos vazios, coros sem sentido, posicionamentos niilistas ( sim, em meio ao movimento! ) que simplesmente eram contra tudo, a tudo negavam e queriam simplesmente evidenciar isso.

     Vi pouquíssimos partidários e menos inda bandeiras. Vi algumas lideranças, na verdade diversas, mas eram lideranças que capitaneavam apenas pequenos grupos dentro do movimentos maior disputando coros, direcionamentos e o lugar de seus cartazes. Não que isso seja negativo, na verdade essa fragmentação possui uma riqueza ambivalente em seus desdobramentos, não dá para emitir palpites, o movimento prossegue inacabado e espero que assim continue, se acabar é porque se venceu a luta e se conquistou o que se pretendia ou simplesmente o movimento capitulou diante das concessões do constitucionalismo e das “regras” do regime democrático.

      Uma observação para finalizar esse comentário de uma noite de insônia. A Mídia e as forças tradicionais estão fechando o cerco no sentido de capturar a mais-valia simbólica do movimento, instrumentalizando e mercantilizando sua produção coletiva difusa. A celebração plural da democracia no movimento em Manaus foi espetacular, histórica, mas há que avaliar sua expressão contestatória face a celebração como um fim em si mesmo. Espero que os diversos grupos, coletivos, movimentos e lideranças afins reflitam após essa "marcha" e definam novas horizontes de luta, afirmem uma agenda concreta de ações e reivindicações.
      O movimento maior está em disputa e é preciso conjugar idéias e ações nesse momento, sob o risco de todos capitularem diante da malícia e do oportunismo de "operações de circulação sistêmica" por parte de forças vis e conservadoras. Não podemos atuar no vazio, urge a necessidade de diálogos e comunicação propositiva no interior do movimento!

quinta-feira, 20 de junho de 2013

OS FILHOS DO “LULISMO”: A reinvenção “desde baixo” no contexto da Globalização.


    É se os dois primeiros governos do PT foram marcados pelos bons ventos externos, por uma dinâmica favorável do processo de globalização da economia aliado as manobras política de Lula  que conseguiu realizar reformas não desprezíveis, ao final do segundo e no interior do terceiro mandato, instala-se desestabilizações negativas relativas as injunções da economia global somadas a um “despertar” de trabalhadores e uma geração conectada, em um contexto de insatisfação generalizada com medidas que acentuam a sensação de deterioração da qualidade de vida expressa na experiência de uso dos serviços públicos oferecidos pelo Estado.
Os ventos históricos do Estado Nacional parece encontrar ventanias globais não muito favoráveis. Ventanias, diga-se de passagem, amplamente traduzida pela mídia de plantão como plena incompetência das políticas nacionais, como se a inflação nacional fosse um fator independente, autônomo em sua realização.
       O fato é que PT engendrou os atores que vão empunhar as armas para sua dissolução. A  opção  social-democrata perdurou na Europa por “30 anos gloriosos” em parceria com o capital, mas nos últimos 30 anos tem se desmantelado no mesmo ritmo de destruição do Estado de bem-estar social. No Brasil com um governo semelhante a perspectiva socialdemocrata ( cunhado de neodesenvolvimentismo por analistas ) me parece que não chegaremos a 15 gloriosos ( com otimismo ) seja pelas injunções externas ou por efervescências internas. Ambos os casos não estão desvinculados a dinâmica mundial do capitalismo, especialmente a partir de mudanças geradas após a crise na década de 70, início da ofensiva neoliberal para transferir os custos de reprodução social ao Estado, induzindo um tipo reforma estatal bem ajustada aos interesses mercado global.
        O PT Surfou positivamente na dinâmica mundial, potencializou a economia interna, ampliou e facilitou obtenção de crédito, criou políticas sociais com efeitos positivos reduzindo a pobreza, e por consequência gerou uma “nova” classe média sou nova classe trabalhadora ( a luta para definir a mudança na estrutura social brasileira segue polêmica ). Agora, contudo, a crise do capitalismo que é mundial - inicialmente tida como apenas uma “marolinha” quando deflagrada nos EUA e impactara a Europa -  cria as condições para que novos sujeitos contestarem seus “criadores”.
       O PT certamente na sua militância com os movimento sociais realizaram muitas lutas, negociações e conquistas ( como a redemocratização e indiretamente a constituinte ), mas agora enquanto poder instituído esbaram nos limites da legalidade, nos marcos de ação e negociação previamente estabelecidos. Institucionalizou-se o PT e muitos outros movimentos sociais - como os estudantis - ocorrendo incorporação massiva deles em um multiplicidade de conselhos criados nos últimos anos. A burocracia tornou-se um peso significativo, a relação com os novos movimentos sociais se mostrou rarefeita.  Suas dificuldades em lidas com as manifestações atuais revelam um pouco dessas dimensões, obrigando o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad a admitir as limitações para  entendimento desse momento e propor uma nova pedagogia entre Estado e sociedade, baseada em uma aprendizagem construída no calor do movimento.
       Reitero que  houve avanços certamente, mas as novas gerações não conseguem ver o diferencial do PT em relação aos outros partidos da direita, alias esse diferencial no atual cenário está mesmo deixando de existir, depois de anos o processo de institucionalização é forte, a burocratização do partido é significativa, as gerações mais jovens alem disso já tomaram “consciência política” ou se incluíram no debate político sem muita memória de conquista recentes e  sob a égide do “príncipe eletrônico” que na última década direcionou seus esforços contra o governo estabelecido, o que é natural, quem não está no poder realizar críticas, mas também é verdade que informa “verdades” tendenciosas, faz sensacionalismo, desqualifica sem análises mais contundentes para desestabilizar o governo.

       Acontece que povo expresso sobretudo pelas novas gerações,  não quer ser apenas “objeto” de políticas públicos, não quer só aumento de renda e educação. O povo quer converte-se em multidão, quer se sentir partícipe da mudança, quer reconstruir por baixo outra democracia possível !  É Essa participação ativa na mudança que atualiza as instituições retirando-as do engessamento e modificando as formas de pensar e fazer política. Como diria Bruno Cava, a composição social surgida no âmbito do lulismo não fica Assistindo tudo parada, apenas consumindo ( tese catastrófica) . É mais do que isso, é reinvenção de subjetividades, é resistência classista, é poder instituinte, que antropofagiza as políticas verticais e as converte criativamente, potencializando novas formas de resistir e existir.
        É, esta em causa o próprio modelo de desenvolvimento ( mundialmente desigual e combinado ) responsável pela emergência da “Nova” classe média e da “geração facebook”, são os ventos nacionais “desde baixo” reinventando as lutas democráticas em um contexto de falência da política tradicional e da própria democracia em Âmbito mundial.


terça-feira, 18 de junho de 2013

BREVES NOTAS SOBRE A INDIGNAÇÃO.




Acontece que momentos de crise são momentos de alargamento da percepção do mundo que nos rodeia, são esclarecedores das razões e causas de problemas estruturais, são por excelência desnaturalizantes do que Ianni denomina de “”relações, processos e estruturas de de dominação política e expropriação econômica”.


 NOTA 3


        Esse é o novo “palco da história” de que falava Ianni (1996), momento de afirmação da sociedade da mundial ou “modernidade-mundo”. Evento surpreendente de ruptura teórica-epistemológica que abala os quadros mentais estabelecidos: subverte as categorias referidas no tempo-espaço do Estado-Nação; desloca o “o lugar da política” reinventando-a; redefine as soberanias e hegemonias tanto quanto a democracia.

        O espaço nacional revela-se apenas um elo do encadeamento global de redes de movimentos sociais que conectam suas aspirações e indignações contra a captura da democracia representativa pelo mercado; contra a falência teórica e prática da política tradicional ( seus partidos, eleições e lideranças ); contra a mercantilização da vida; contra a privatização dos bens públicos; contra o aumento e manutenção das contradições sociais expressos em desigualdades, pobrezas, fome, injustiças de toda ordem; contra a destruição em massa do meio ambiente caracterizado pela poluição do ar, rios, oceanos, terras; contra as monoculturas de pensamento e produção que aniquilam pluralidades, diversidades e diferenças; contra todas formas de dominação, exploração e controle do trabalho e da vida que aniquilam os direitos humanos e reduzem a liberdade humana a uma condição miserável; contra as formas de produzir e consumir que atentam contra a saúde humana; contra um modelo de “desenvolvimento” urbano insustentável que prioriza a circulação e acumulação do capital em detrimento da saúde e liberdade humana.

         Esses são os pontos que motivam e inspiram através de experiências coletivas de ação, a globalização contra-hegemônica, a globalização "desde baixo" em contraposição à a globalização “pelo alto”, perversa, neoliberal. 

     É a globalização do comum face a globalização privada. É a globalização do poder biopolítico constituinte contestando a globalização instituída do biopoder.


NOTA 2

        20 centavos foi o elemento catalizador, o pretexto para deflagração de sentimentos bloqueados, vontades negadas, desejos suprimidos, demandas não atendidas. Foi um impulso de negação das estruturas políticas e formas tradicionais de operá-la com simultânea afirmação afirmação da vontade de potência do multidão, insinuando outros valores, outra política. A resistência cotidiana individualizada converte-se e é potencializada em resistência plural de uma coletividade indignada, libertária, autodeterminada. É poder constituinte em movimento abalando o poder constituído!


NOTA 1

Nunca vi mobilização tão massiva no brasil!


Nunca vi os usuários do facebook tematizando e debatendo sem interrupções sobre um evento de caráter político.

A repercussão é teórica e prática simultaneamente.

Mobilizam-se calorosamente nostalgias e utopias. Os mais velhos rememoram o maio de 68 e o processo de redemocratização seja para inspirar os mais jovens ou para caracterizar o evento como uma "velha novidade". Os mais jovens de maneira um pouco confusa e sem muita precisão tateiam na ação e na reflexão um outro estado de coisas, uma sociedade mais libertária, democrática e justa, não possuem uma imagem perfeita desse "não lugar", mas já sabem o que não querem e tecem em rede as linhas gerais do porvir. Estaria havendo apenas um blefe em relação a significativas mudanças, ou ao contrário, estaríamos em um parto histórico, geracional, eminentemente revolucionário ? Ou nada disso, o evento ainda estaria envolta de nuvens nebulosas, com desdobramentos ainda não previstos, sendo impossível prever os próximos movimentos? Não se sabe, mas a disputa política sobre os significados desse evento estão em efervescência  na rede.


sábado, 15 de junho de 2013

O sistema do transporte “público” e o sentido do Movimento Passe Livre.


               Comecemos por caracterizar o que é o nosso atual sistema de transporte privado caracterizado como "público”. É:

 - Um dos principais instrumento da relação promíscua entre Estado e Mercado.
- Um dos principais componentes da apropriação da renda dos trabalhadores.
- Um brutal mecanismo de degradação da vida cotidiana animalizada
- Um das bases de uma urbanidade insustentável, economicamente ineficiente e ecologicamente desprezível.
- Um dos principais bloqueios para o direito de ir e vir.
- Um atentado contra a liberdade humana!

Um dos principais componentes da apropriação da renda dos trabalhadores e da degradação da vida.
 Alem das despesas com  habitação, saúde e alimentação que são imensas para o trabalhador brasileiro, o transporte tem se consolidado nos últimos anos  como o terceiro maior gasto da renda mensal familiar dos brasileiros. Segundo o IBGE ( dados de 2009 ) a gasto com o transporte já corresponde há 16% do gasto mensal  das famílias, o equivalente aos gastos com alimentação. Não preciso mais prolongar-me a esse respeito, uma grande parte da população sente esse fato no bolso e, de modo “especial” na pele, quando diariamente seu tempo e vida ( as vezes literalmente, em assaltos e brigas afins ) se esvaem em uma experiência nada agradável, por vezes, degradante.

Um das bases de uma urbanidade insustentável, economicamente ineficiente e ecologicamente desprezível.

                Em um cenário onde o governo  reduz a tributação sobre o transporte  e estimula a compra de carro, soma-se ao  ponto anterior - gastos com transporte e a experiência de seu uso – a (ir)racionalidade de se investir pesadamente na opção rodoviária no Brasil no contexto urbano, interurbano e inter-regional. Trata-se não apenas da opção mais cara a longo prazo, mas a que traz mais problemas relativos ao meio ambiente e a qualidade de vida nas cidades, gerando problemas que serão igualmente pagos com os impostos da população. A poluição do ar e as doenças respiratórias daí oriundas conjugadas com o estresse dos congestionamentos são apenas um exemplo dessa dimensão.
 Nosso sistema de transporte “público”  e o meio urbano caótico que temos hoje se faz coerente com um modelo de “desenvolvimento” que prioriza, de um lado, o “crescimento econômico” de forma geral,  onde a produção e venda de veículos conta como estatística imprescindível para o PIB e, e de outro, beneficia montadoras, concessionárias e construtoras que reiteradamente “tapam buracos” dos problemas de mobilidade urbana no brasil e, alem disso, participam ativamente no processo eleitoral. Sim, estamos falando de um modelo desenvolvimento coerente com a lógica do mercado e interesses políticos e incoerente com os pressupostos para realização do desenvolvimento humano e da sustentabilidade ambiental.

Um atentado contra a liberdade humana e um dos principais bloqueios para o direito de ir e vir.

O dinheiro é um dos principais componentes de liberdade e privação da liberdade no capitalismo. Considerando que temos um salário mínimo muito aquém para uma vida digna gasta-se, como já vimos, um dinheiro significativo com o transporte diário. Nesse sentido,  nos limitamos de comprar ( livros e comida mais saudável por exemplo ) para conseguirmos nossa locação diária. Imaginem os desempregados, especialmente aqueles que moram longe centro urbanos onde se ofertam a grande maioria do empregos,estes  tem limitações não apenas de deslocamento, mas  limitações de oportunidade, reconhecimento e dignidade. Limitações de liberdade que se convertem em determinações para “bandidagem”; se o Estado não oferece as oportunidades para este comer, se deslocar e ser reconhecido como cidadão, existem outros meios para este indivíduo se sentir oportunizado, pertencido, grato. Limitar o direito de ir e vir com um transporte privado caracterizado como “público” é um atentado não apenas a letra morta da constituição mas a vivacidade da liberdade humana.

 Essas observações sugerem diretamente e indiretamente o fracasso de um modelo politico capturado pelo Mercado. Mercado e Estado aparecem como faces de uma mesma moeda. Não é um fenômeno local, insere-se na própria dinâmica do capitalismo globalizado onde ampliam-se a distância entre sociedade e Estado a partir da subordinação deste aos imperativos do economia globalizada que obriga o Estado a uma dependência de fluxos de investimento que lhes rendem alguns empregos e impostos.  As agências de classificação hoje, substituindo o FMI na vigilância da America latina, representam em parte as determinações de ajustamento nacional as ambições do Mercado. Em outras palavras, a política e planejamento nacional ( como a política econômica, fiscal, tributária etc ) não são independentes. Não há nacionalismo que resista se amparado somente no Estado nacional.

                Mas a relação entre Estado e Mercado no capitalismo globalizado não é recente, estes nunca foram separados, instâncias independentes. Em O enigma do capital  Harvey evidencia a articulação promiscua entre Estado e Mercado financeiro durante a história do capitalismo. Harvey caracteriza a relação de nexo Estado-Finanças como o coração do sistema de crédito moderno, base de uma estrutura de governança na qual a  a “gestão do Estado para a criação do capital e dos fluxos monetários torna-se parte integrante, e não separável da circulação do capital”.
Vale registrar que em momentos de crise essa relação se explícita, geralmente em benefício do Mercado e detrimento do trabalho. O exemplo  dos EUA  - para não nos alongarmos na situação européia - é emblemático a esse respeito, despejando bilhões em salvamento de bancos em 2008 de maneira rápida e sem consulta popular
.
Nesse cenário o Estado como o entendemos  se encontra incapacitado, para alem da boa vontade política, de realizar uma democracia nos limites do estado nacional, seja por determinações e limites externos ou por injunções internas relativas a organização política tradicional com sistema eleitoral, partidos e sindicatos. É nessa dialética entre sociedade e Estado em âmbito nacional e Estado e Mercado globalizado que se encontram os grandes desafios nacionais atualmente. Como se tem observado não apenas no Brasil, mas em boa parte do mundo, a exemplo dos Eua e Europa, a resposta estatal em termos políticos tem sido orientada direta ou indiretamente  para o desmantelamento do welfare-state, para socialização dos prejuízos a partir do endividamento do Estado para e privatização de lucros.

        A irrupção de movimentos e levantes sociais tem sido a resposta possível da sociedade nacional ( com fontes de inspiração, aprendizagem e colaboração mundial ) organizada ou não, para fazer a face a degeneração da democracia. O movimento “surgido”por causa de 20 centavos foram apenas o ponto de inflexão de uma reflexão e experiência que já estava em maturação: corresponde a canalização de forças e lutas antes difusas e direcionados para  lugares e fins improdutivos ( concessões de curto prazo ) ; expressa um momento de conversão da “massa” e do “povo” em multidão, em força ativa e criativa de singularidades que lutam pela mudança do status quo, pela reinvenção de suas vidas degradas por um sistema de transporte privado . Eis a força da democracia em movimento, restituindo valor da luta política , reinventando-a na prática. Democracia e liberdade andam juntas, quando a primeira se degenera as condições de possibilidades da segunda são comprometidas. A luta pelo passé livre é, portanto, uma luta legítima e democrática pela ampliação das liberdades!

sexta-feira, 14 de junho de 2013

As expressões do Movimento Passe Livre: Vandalismo ou exercício democrático?


A polêmica é sempre oportunidade para dialéticas de esclarecimento, para alargamento de percepções e consciências, para realização do debate democrático.


Vejo pulular na rede tanto textos e vídeos contrários ao MPL ( Movimento Passe Livre ) quanto aqueles  que o apoiam, voltados a evidenciar a violência estatal através de seus aparelhos repressivos. O movimento aparece ora representando todos, ora representando ninguém. A massa ou o povo, segundo os textos e vídeos disponíveis, adquire contornos, dedos e corpo da classe média, da mídia dominante, dos jovens delinquentes, burguesia fascista, partidos da esquerda à direita . Essa pluralidade de referências ao movimento e suas interpretações refletem a posição social, política e existencial daqueles que “informam” suas versões, opiniões, críticas e verdades. O fato é que o movimento não pode ser reduzido a nenhumas dessas interpretações, na verdade, a maioria são, de um lado, desqualificações do movimento e, de outro, petistas, esquerdistas e tucanos se acusando reciprocamente na busca dos responsáveis pela situação.
            Alguns afirmam que não teriam trabalhadores no movimento, só  jovens da classe média,”playbois”, “rebeldes sem causa” que nem sentiriam “o peso das passagens”, mas isso seria motivo para desqualificar a luta e suas atitudes?  As pessoas só se engajariam em causas que dizem respeito a sua classe?
Há aqueles que insinuam que o movimento foi muito espontâneo, sem bandeiras, lideranças, a partidário etc.Mas há igualmente aqueles que afirmam que o movimento seria programático e não teria nada de espontaneidade; partidos políticos esquerdistas e tucano estariam alí  infiltrados, direcionando ações,  manipulando as “massas” para atacar o governo petista. Seria uma oportunidade ímpar para tal intento. Seriam simplesmente uma massa de manobra usada pela direita e pela mídia hegemônica? Estariam apenas depredando patrimônio público e deslocando policiais para atividades improdutivas? São perguntas que expressam no mínimo uma pobreza analítica sobre o movimento, não visualizando nele capacidade inventive, reconstrutiva, possibilidades de realização democrática, controle e pressão social sobre as instituições que governam este país.
Não podemos negar os diferentes discursos, críticas e desqualificações revelam facetas do tema em questão, qual seja; o transporte público enquanto “direito a cidade” e a legitimidade ou não dos movimentos que almejam esse direito.
É importante reconhecer que  existe tudo isso junto e muito mais, são muitas intenções, interesses, desejos, singularidades em jogo, mistura de ações programáticas com espontaneísmos, oportunidades para se sentir útil etc... não podemos realizar diagnósticos simplistas e unilaterais do tipo “isso é uma ação programática da direita que manipula a massa”, “trata-se de ação da extrema esquerda com a direita para desestabilizar o pt”, “ isso é um ato irracional de vândalos”, isso é…..x, y,z. Pelo que li a coisa é muito mais complexa do que muitos imaginam, o movimento envolveu para o bem ou para mau classe média, classe trabalhadora ou “nova” classe média,  movimentos ecológicos, movimentos de habitação, movimentos de “direito a cidade” e outros.
O movimento é necessário,  componente indispensável de mudança social, econômica e política. Mas nunca esqueçamos que ele nunca é homogêneo, mas sempre plural, contraditório, sujeito a muitas determinações e, igualmente, a desdobramentos insuspeitados.
Tais situações, penso, permitem insurreição de consciências, momento de politização sobre os problemas nacionais. Não, sem essa de que eles são apenas  “massa”, objeto de manobra, é também multidão de singularidades que se reinventam no calor das lutas, que reorientam energias e ideias para construção do comum! ( Passe livre!) O movimento é também movimento de subjetividades; não se resume a contestar alguns centavos de aumento mas representa um sintoma da insatisfação geracional com o modelo de política e de desenvolvimento realizado pelo Brasil ( e pelo Mundo ) nas últimas décadas neoliberais. Sim, está em causa os sentidos e ambivalências do Lulismo, depois de alimentada a multidão quer mais! Em boa parte surgida no âmbito do governo do PT, a “nova classe média” que ao contrário do que alguns analistas pensam (  classe despolitizada e consumista ) é também classe subjetivamente crítica e criativa; que uma hora cessa de aguentar porretes e exploração e afirma-se, como diria Bruno Cava, como força viva e produtiva de outro mundo.
Por fim, ao realizar diversas leituras pela rede percebi como nostalgias e utopias também se apresentam igualmente no horizonte de lutas, práticas ou ideológicas. A nostalgia se apresenta com  a referências aos movimentos pretéritos, suas conquistas e uma pretensa autenticidade quando comparado aos atuais. A utopia aparece seja como fonte de inspiração para mudança ( Pró-MPL ) ou ainda como fonte de resignação para manutenção do “status quo” ( Contra-MPL ) supostamente desqualificando a idéia de Passe Livre como uma realização impossível, utópica.  Ora, ser utópico atualmente é a maneira mais realista de existir em um mundo com crises múltiplas que atentam contra a justiça e dignidade humana.


sábado, 16 de março de 2013

A novela da Telexfree continua: Quem salvará os consumidores de seus “salvadores””



Antes de qualquer posicionamento devo aqui novamente reiterar que  não me interesso em saber se a telexfree é  “golpe”, “fraude”, se é pirâmide", "vai quebrar",  ou se é "dinheiro fácil". Não isso não me interessa. Me interessa o que surge nas entrelinhas dessa polêmica, o que mostra das contradições de nosso Brasil e daqueles que informam sobre ele.

“ A novela da Telexfree está mais interessante que salve jorge” disse um internauta no interior da “polêmica Telexfree” que fervilha em blogs e sites de informação. De fato esta “novela” tem dado a  mim oportunidade de pensar questões antes restritas aos limites da academia e, por isso, retorno ao assunto que a principio só escreveria uma única vez.

Vamos ao assunto. Continuam a proliferar-se em sites e blogs denúncias contra - o ainda não comprovado -  “golpe” ou “fraude” da Telexfree. Parece que parte da dita “grande mídia” se despertou em relação ao assunto, a exemplo do portal G1.globo, Globo.com, só para ficarmos nesses. O que me impressionou a esse respeito é que o “pipocar” da “polêmica Telexfree” tenha sido gerada sobretudo por sites “alternativos” e depois migrou para “grande mídia” antes “silenciada”. É algo preocupante quando ocorre uma unanimidade, especialmente quando ela se realiza entre mídias que deveriam se contrapor no que se refere as informações publicadas, mas antes estão em coro uníssono.

Mais estarrecedor ainda é constatar que a mídia “alternativa” tem reproduzido mimeticamente pré-julgamentos e acusações sem qualquer comprovação ( vide Nassif ), incorporando inclusive, uma explicação sobre a questão que a reduz a um “esquema” ( de pirâmide ) realizado por “quadrilhas” que estariam a “iludir” o “pobre” e “desinformado”  povo brasileiro. Alem disso, fazem coro na reprodução de um argumento, segundo o qual, a “farsa” já estaria sendo descoberta e que em “breve” a “justiça” seria feita. Por fim, vale dizer, que todos acreditam piamente estar alertando o povo sobre os “falsários”, sobre a possibilidade de imediatamente eles fugirem do país com o dinheiro de um povo “sofrido” e “enganado”. Nada mais falso,como já insinuei em texto anterior.

Foi com tristeza que vi  o blog do Miro e o blog outraspalavras ( depois de Cartacapital ) capitularem diante da acriticidade de suas informações, decepcionando leitores que cotidianamente estão nesses blogs procurando ideias que apontam um horizonte pós-capitalista de existir. Espero que esses posicionamentos não se reiterem,de forma que tais blogs salvaguardem sua reputação e não ousem novamente a se igualar a “ grande mídia” que tanto criticam. É o que acontece quando todos reproduzem acriticamente um texto de  uma figura do mainstream do jornalismo brasileiro.

             Para não me alongar demais nesse texto vou me deter em “contra-informar” apenas a “informação” fornecida pelo portal G1. Globo do Mato Grosso, que no título de sua reportagem afirma que “Em 3 meses, Telex Free gera cerca de 2 mil denúncias ao Procon de MT”, simplesmente transformaram ligações para o PROCON em DENÚNCIA, em outras palavras, converteram o ato do cidadão se informar a respeito da legalidade de uma empresa em pura e simples acusação contra a mesma.
           É, está em curso uma “cruzada” dos representantes da legalidade, a mídia e o Estado, contra a suposta ilegalidade de uma empresa que tem “lesado” muitos consumidores. O que mais me intriga são duas coisas.
Primeiro, é o fato dos próprios consumidores estarem realizando uma defesa massiva da empresa nas redes sociais, para alem das críticas daqueles que, a priori, já sabem no que isso vai dar, ou seja, que a “pirâmide” vai "cair”. A defesa de uma empresa, de um lado, e o “esclarecimento” antecipado do que vai acontecer “com os mais pobres”, de outro, constituem um cenário efervescente nas redes sociais nos últimos dias.

Em segundo lugar é pouco comum vermos Mídia e Estado de mãos dadas contra o domínio do mercado. Até então o mercado era visto ( pelas elites e classes médias tradicionais ) como reino das “virtudes” onde ocorrem trocas “justas” entre iguais, pessoas igualmente informadas sobre os negócios que fazem, mas, de repente é mal visto ( através de uma empresa ) como reino de “injustiças” para com o povo brasileiro, devendo imediatamente apresentar documentos que comprovem sua legalidade, afinal de contas, estaria realizando trocas injustas, desiguais com os consumidores. Estes estariam sendo “lesados” na medida em que possuíam poucas informações sobre o produto adquirido e o funcionamento da empresa. "Coitadinhos!"

Ao que me parece o mercado só é mal quando começa a beneficiar demais os consumidores, nesse caso em particular, quando socializa parte dos lucros auferidos com o negócio ( No próximo texto me aterei a este ponto). A empresa parece estar profanando as leis “auto-reguláveis" de um mercado supostamente racional quando comete a “irracionalidade” de inverter ou pelo menos atenuar a lógica dominante, qual seja, a lógica segundo o qual as empresas devem lucrar infinitamente mais na sua negociação com os consumidores. “Um abuso” dizem eles, “como pode o consumidor ter tantos privilégios em um negócio”. O privilégio é, na verdade, a tendência de horizontalizar a pirâmide social brasileira, esta sim a verdadeira pirâmide a que todos deveriam criticar amplamente!

Obs: O título do portal G1 “Em 3 meses, Telex Free gera cerca de 2 mil denúncias ao Procon de MT” horas depois foi editado para “Em 3 meses, Telex Free gera cerca de 2 mil telefonemas  ao Procon de MT”

quinta-feira, 14 de março de 2013

O que a polêmica em torno do Telexfree evidencia: Captação de poupança popular ou democratização da lógica capitalista?


            Enquanto cientista social raramente emito opiniões imediatas  acerca de questões polêmicas que “fervem” nas redes sociais. Desta vez, porem, não me contive e vou arriscar algumas linhas de interpretação sobre a questão.
            Nos últimos dias prolifera-se nas redes sociais, blogs, youtube e jornais a polêmica em torno da atuação da empresa Telexfree, que está sendo investigada e já amplamente denúnciada pelos “arautos da boa e honesta informação”.
            Quanto às investigações existem suspeita de que uma espécie de  pirâmide financeira, travestida de Marketing Multi Nível, estaria lesando a “poupança popular” dos brasileiros, especialmente dos mais pobres que estariam vendendo tudo e se endividando apenas para entrar no “esquema”. Bem, o fato é que  mobilizaram imediatamente dois ministérios, promotores de várias regiões, cade, delegacias, ministérios públicos e policia federal para averiguar a questão. Alem disso Ministério da fazendo e  Secretaria de Acompanhamento Econômico (Sae), já estão envolvidos na situação e já foram notificados o  Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), a Comissão de Valores Mobiliário (CVM) e o Banco Central (BC). Haja mobilização!
            Quanto aos representantes da “boa informação” e formadores de opinião, sobretudo, da classe média tradicional brasileira, destaca-se o Noblat, que tem escrito bastante sobre a questão nos últimos dias.
            Antes de prosseguir gostaria de sugerir que para quem não conhece a empresa favor procure informações no google. Meu objetivo aqui  não é discutir a legalidade da empresa,  seu serviço ( serviço de telefonia )o modo lícito ou ilícita que opera ( método de divulgação ) para proporcionar lucros ou realizar uma problematização moralista sobre a questão. Meu interesso é apontar para o que essa polêmica revela da sociedade brasileira. Aqui não importa  se é fraude ou golpe, embora devo concluir que não se trata nem de fraude, pois não estão falsificando nada e tampouco de golpe, visto que até onde eu sei a empresa não enganou seus ‘divulgadores’ recusando-se a realizar os devidos pagamentos.
            Retornemos ao formador de opinião, Noblat, apenas para iniciar meu posicionamento e sugerir o que essa polêmica traz à tona em tempos de suposta “despolarização política” e “despolitização das massas”.
            Para resumir a opinião de Noblat basta dizer que ele afirma que "Durante um ano, o esquema TelexFree envolveu um milhão de pessoas e movimentou mais de R$ 300 milhões através de uma versão online do velho golpe da pirâmide", e há expectativa de chegue em “1 bilhão” este ano. Informa que nos próximos dias, o esquema será desbaratado e seus mentores detidos e indaga “Mas terá sido em vão para mais de um milhão de pessoas que caíram no mais abrangente golpe financeiro da história do país”.
            Aqui reside minha principal indagação, será que essas pessoas são vítimas; caíram ingenuamente num ‘golpe financeiro’ e foram enganadas a colocar dinheiro no negócio? Creio que não e , tampouco acredito que seja “o mais atrevido golpe já perpetrado contra o consumidor brasileiro”. Outros golpes mais profundos atentam contra a dignidade do consumidor e do cidadão brasileiro cotidianamente, realizadas por “empresas golpistas” nos próprios termos de Noblat que afirma “O que diferencia uma empresa séria da golpista é a receita auferida com a venda final do produto.” Quer dizer com essa diferença podemos enquadrar muitos bancos de investimento como golpistas já que seus executivos ganham milhões mensalmente apenas vendendo seus produtos financeiros. Aliás não apenas bancos de investimento mas bancos estatais que “guardam” o dinheiro do brasileiro oferecendo ridículas taxas de retorno, ao mesmo tempo que lucram milhões com os empréstimos oferecidos ao governo, que nós sustentamos afinal. Somos ‘golpeados’ duplamente, afinal somos nós que sustentamos o Estado.
            Esse viés normativo, moralista da questão apenas identifica “golpistas” e “quadrilhas” que estariam se fazendo com a alienação popular  contudo, deixam de perceber que esses brasileiros estão longe desses adjetivos e não iriam aderir massivamente algo sem um mínimo de segurança, digo mínimo pois a maioria dos brasileiros não possuem segurança em relação a nada e quando percebem algo real, concreto e que pode mudar suas vidas encaram sem medo de perder, afinal , não há muito o que perder, apenas o anseio de melhoria de vida.
          O que essa polêmica sobre a telexfree revela? Pode revelar certamente o maior “golpe do século”   realizado por um “trabalho da quadrilha”, por uma “rede de golpistas”,como faz questão de enunciar Nassif,  incluindo-o  no rol de golpes já realizadas como o esquema ponzi, esquema boi gordo e esquema Madoff. Mas alem disso, o que essa controvérsia gera do ponto de vista sociológico, o que ela explicita sobre o Brasil e suas contradições, suas classes e o capitalismo.
            Nessa polêmica está em questão as “virtudes” de nossos elites, ricos e classes medias tradicionais, a possibilidade de indiferenciação financeira em relação a “massa”, que deveria não estar investindo e ganhando dinheiro “ilicitamente”, mas acordando 5 manhã, enfrentando ônibus, suando a camisa e se “matando de trabalhar” para receber seu “gordo” salário ao fim do mês.
          Acontece que a maioria das pessoas, e aqui incluo dezenas de opiniões de  internautas, se assumem como responsáveis pelos riscos do negócio, os “transgressores” nas palavras de Nassif. Tenho certeza que nunca eles se sentiram tão bem ao fazerem parte de uma transgressão, transgressão esta que atinge o núcleo da hipocrísia e das virtudes das elites  e classes medias tradicionais brasileiras ( alguns dos quais estão no “esquema”, mas não abrem o “bico” ). Em outras palavras, retiraria suas qualidades singulares de ganhar bem e enriquecer-se através de seu trabalho honesto, trabalho que pagaria políticas sociais para pobres preguiçosos e sem iniciativa que estariam naquela condição por sua própria culpa. O fato é que essas controvérsias dizem respeito sobre a singularidade de um Brasil desigual, injusto cuja lei 
           O que temos realmente? Será a democratização de investimentos ou , teríamos como informa a  Secretaria Nacional do Consumidor “a captação de poupança popular”, que estaria sendo denunciada.
         Considerando a primeira opção me pergunto, Dinamizar o capitalismo pela via popular seria dinamitá-lo por dentro? O bem da verdade é que sua dinâmica avassaladora de lucros e exploração ao longo da história tem beneficiado sobretudo as elites, os já ricos, herdeiros, empresários, investidores e instituições bancárias.
         A polêmica nos blogs giram em torno também dessa questão, afinal de contas, enquanto o capitalismo vai bem para os ricos e entra em crise ( através de ‘inovações’ financeiras como o subprime NOS EUA ), estes solicitam o Estado para assumir a responsabilidade, “resgatar” a economia ( diga-se o grande capital, como os mais 700 bilhões velozmente mobilizados para salvar os bancos americanos ) e socializar as perdas com a população ( diga-se, desmantelar o Estado de Bem-estar social com corte de salários, de aposentadorias,demissões, diminuição de investimentos na educação, saúde etc.. )
           Agora quando este capitalismo começa a beneficiar com suas inovações as classes populares os grande representantes do capital se sentem lesados. Caso o sistema se colapse, será que o Estado saíra pelas “vítimas” tal como sempre faz quando o mercado precisa de injeção de capitais, sempre ás custas da população mais pobre?
         As consequências diretas e indiretas do capital financeiro só se tornam sérias, escandalosas e problema de Estado quando seus lucros imediatos não vão para os bolsos dos bancos e grandes investidores. Quanto beneficia os “de baixo” ou a “nova classe média” o problema se torna seríssimo, uma questão nacional!
         Será que até o momento esse esquema não estaria  potencializando o investimento e a poupança popular? Será que a confiança dos “de baixo” no mercado não importa?  Vamos ver nas próximas semanas, meses e anos os desdobramentos no amâgo do capitalismo brasileiro.
         Alguns comentários em blogs indicam também uma corrente de indignação para com o Governo,  seus órgãos competentes, a grande mídia ( para alguns golpista ) e os “virtuosos” da elite brasileira, pois estes se  mobilizam imediatamente para investigar e tentar bloquear o “golpe” e os eventuais enriquecimentos ilícitos.
       Os comentários  indicam, por exemplo, que eles  não estariam gostando dos “pobres” ganhando tanto dinheiro,estariam com medo dos “pobres” se tornarem investidores e não dependerem mais da miséria do salário mínimo ou da exploração na qual estão encerrados em certos trabalhos que exigem sua alma para sua reprodução existencial.
       Os “batalhadores” virtuais assinalam que os “virtuosos” os acusam de se iludirem com “promessa de dinheiro fácil”, contudo,  se defendem afirmando que é a mesma  “promessa conhecido por muitos candidatos nas eleições brasileiras”.
Um internauta comentou que  “ Eike Batista ganhou R$ 1,37Bilhoes em um dia, com empresas que até o momento só apresentou projetos e nenhuma produção e ninguem investiga, isso tudo pq alimenta a corrupção no mercado financeiro”, outra afirma que ““O Brasil é um pirâmide. Trabalhamos para os "políticos" ficarem ricos. Porque nos tambem não podemos ter algo melhor?”
        Tá em xeque a própria dignidade do brasileiro, no sentido de ter uma vida decente, apesar das limitações do Estado brasileiro, está em questão um  trabalho decente, onde as pessoas  não “ se matam” de trabalhar para sobreviver.
        Vejamos ainda mais dois comentários que ilustram um pouco do que afirmei
“Estou desempregada e enquanto não consigo emprego me mantenho através da telex free sei que é um risco, mas na vida temos que arriscar!” outro acrescenta “ uns gastam com drogas, outros com mulheres, outros com remédios, com loterias e alguns com internet”, por fim vale registrar que “Todos os anunciantes são maiores de idade, todos tem portanto personalidade e capacidade jurídica para tomarem suas próprias decisões.Não existe nada 100% seguro. Todos sabem que podem ganhar e que também podem quebrar a cara”. Procurem esses registros no google!
         Como se percebe essas pessoas em sua grande maioria possuem consciência dos riscos que envolvem esse negócio e deixam claro que se trata de uma escolha, que é “um risco como qualquer outra empresa”, que “fazem o que quiser com seu dinheiro” e isso não diz respeito, segundo alguns internautas,  a  procuradores e polícia federal, estes deriam é estar atrás de “políticos corruptos”, “sonegadores de impostos” etc..
        Ora, o Brasileiro das classes “baixas”, reitero, não é  simplesmente um ser “alienado e  que segue uma ilusão como manada”, como muitos comentaristas de plantão argumentam, esses brasileiros não devem ser vistos como vítimas, massa de manobra, sem opinião e joguete da grande mídia, mas sim como sujeito que “sabe a dor e o prazer de ser o que é”, que a despeito da educação que teve e do país que nasceu, não sucumbi a miséria herdade e a converte criativamente em arma de luta, resistência e afirmação de sua dignidade. Se afirma como sujeito que assume seus riscos sem medo das consequências, até porque nunca ou raramente teve o conforto daqueles que não precisam ousar, daqueles que apenas reproduzem de forma mesquinha e conservadora suas vidinhas.
          Por fim, vale registrar que a guerra virtual em torno dessa questão é tambem uma guerra ideológica, expressa em  um posicionamento contra-hegemônico de milhares de internautas contra  aqueles que tentam bloquear o sonho brasileiro de “viver sem se matar trabalhando”. É a luta de classes transposta para o mundo das redes virtuais, é a luta de classe virtual”
            O fato é que a ampla maioria das pessoas está consciente dos riscos e não precisará, tal como tem ocorrido nos Eua e europa, pagar as contas de rombos causados por instituições financeiras e suas inovações financeiras. Essas pessoas pagaram, finalmente, por suas próprias escolhas e não pelas escolhas ocultas e anti-democráticas do grande capital financeiro. Eis que  a lógica do capital quando ousa se democratizar abala os fundamentos de sua própria reprodução, em outras palavras, talvez ( o que não é novidade desde Marx ) o colapso do capitalismo seja realizada no futuro precisamente por sua própria lógica, a partir de de suas próprias armas ( produtos financeiros por ex ) colocadas nas mãos da multidão.
            Respondendo sucintamente o sub-título do texto, a  polêmica em torno da telexfree revela entre outras coisas  as vísceras ideológicas classistas de um Brasil injusto, desigual, corporativo e, é claro, com os seus iluminados jornalistas, sempre dispostos a “prestar serviço a sociedade”, só não sabemos que sociedade, ou melhor, que segmento ou classe dela, certamente não é a de “burros”, “vagabundos”,” ignorantes”, e “ mal informados” que se “iludem” com o telexfree.