terça-feira, 6 de janeiro de 2015

MORIN, Edgar. "Meu caminho." Rio de Janeiro: Bertrand Brasil (2010).


            Uma aventura pela experiência humana, representada pela trajetória, ou melhor, pelo caminhar de Edgar Morin, que não cansou de citar o poeta Antonio Machado com seu verso "Caminhante, não há caminho, o caminho se faz ao andar", o que traduz poeticamente seu "método" face ao desafio do conhecimento, método que longe de representar uma camisa de força metodológica significa "trajetória", um caminhar sinuoso e incerto em busca do esclarecimento. Dúvida e paixão são os combustíveis desse método.

            Caminhar este apresentado através de uma longa entrevista realizada pela jornalista Djénane Kareh Tager e dividida em 12 partes que compõe uma complexa sinfonia onde  a vida e a morte , o trágico e o cômico, fé e ciência, razão e emoção se entrecruzam, confundem-se e integram-se numa poética existência.

            Nesses vários tópicos existenciais são apresentados as angustias, incertezas, desafios, amizades, dores e amores de Edgar Morin, um "pensador", "cidadão do mundo", saboreador de "todas as diferenças", amante da vida e da aventura do conhecimento.

            Entrevista que dá conta de suas memórias e experiências da infância como a impactante morte de sua mãe cujas repercussões se prolongam por sua trajetória; passa por sua militância (debates e combates) política no partido comunista; registra sua proposta de "Sociologia do presente" e sua vanguarda no tratamento de temas tidos à época como "menores" a exemplo da morte, as estrelas de cinema, astrologia etc; tematiza suas propostas de reforma do pensamento e de uma educação do futuro; apresenta algumas linhas de seu "Método"  e do desafio do conhecimento que se traduz na ideia de complexidade caracterizada pela busca incessante de ligar e religar e saberes, objetos e contextos. Se não existe a possibilidade de um conhecimento total, Morin sugere que ao menos devemos aspirar a um conhecimento multidimensional, longe de reducionismos e simplificações sobre o que se denomina realidade.

            Convido-os à leitura desta deliciosa entrevista com um homem que diz ser simultaneamente criança, jovem, adulto e velho, além disso afirmar "ser um homem médio", pois também tem suas "carências, lacunas, inseguranças e imbecilidades". Deixo aqui como aperitivo, umas transcrições e a sua última resposta que fora desdobramento da seguinte pergunta: "qual é sua máxima de vida?

" O sentido da vida é aquele que elegemos  entre todos os sentidos possíveis e que elaboramos no curso de nosso próprio caminhar(...) Dar um sentido à vida, para mim, é viver poeticamente, cultivando a fraternidade. Esse é meu 'evangelho da perdição': estamos perdidos no Universo, sem saber a razão de estarmos aqui, nem porque o mundo existe, Somos pobres diabos marcados pela tragédia, seres sofredores, passageiros de nosso pequeno planeta. Tenhamos, então, um pouco de compaixão uns pelos outros!"

" A sabedoria para mim é a arte difícil e perigosa de navegar na dialógica permanente entre razão e paixão. Ela não consiste em renunciar ao afeto, à amizade, ao amor, às alegrias. O excesso de loucura é delírio, mas o excesso de sabedoria, bem como o excesso de razão, é loucura.(...) Minha sabedoria é de conservar a paixão na razão e a razão na paixão"

"Compreendi que a poesia da vida encontra-se no amor, na ternura, na comunidade, na alegria, no jogo, e que necessário fazer o possível para não se deixar aprisionar pela prosa daquilo que é obrigatório, forçado, necessário, sofrido para poder viver poeticamente. A vida é uma alternância da prosa repetitiva e fria que nos coage e da poesia que nos aquece, inflama e nos faz unir os espíritos. A poesia da vida comporta também momentos de encantamento no coração do cotidiano, diante de uma pequena flor que brota na neve, de uma borboleta que volteia em estado de embriaguez, de um rosto visto de relance no metrô, da escuta de uma canção e, é claro, diante de qualquer bela música, que é poesia sem palavras"

"O amor é a verdadeira religião"

" O amor é o apogeu da união entre a loucura e a sabedoria, a conjunção suprema, na qual ambas se revelam inseparáveis e entregam-se uma à outra"

"Que eu lembre, tenho catorze. Catorze mandamentos.
1- O contrário de uma verdade profunda é uma outra verdade profunda ( eu retiro de Pascal e de Niels Borh).
2- O melhor dos mundos é tambem o pior ( Deus e Satã são o mesmo)
3- Tudo o que não se regenera degenera ( o que quer dizer, também, que a certeza jamais é alcançada)
4- Rir, Amar, chorar, compreender.
5- Esperar pelo inesperado.
6 - Lutar em duas frentes.
7 - Resistir à crueldade do mundo e a barbárie humana.
8- Não sacrificar o essencial à urgência, mas obedecer à urgência do essencial.
9- Devotar-se ao que propicia paixão e compaixão.
10- Manter sempre alerta a razão na paixão e sempre presente a paixão na razão.
11- Preservar a revolta na aceitação e a aceitação na revolta ( o Muss es sein, es Muss sein, de Beethoven).
12- Amar o frágil e o passageiro. ("Amar tudo aquilo que não se verá duas vezes", de Alfred de Vigny)
13- "Pensar em aumentar a vida de seus dias muito mais do que os dias de sua vida" ( de Rita Levi-Montalcini)
14- Renascer e renascer até a morte.