Convidado para participar de um debate sobre Israel e Palestina fui desafiado (em poucos dias) a pensar sobre um assunto que nunca me posicionei e sempre evitei estudar, abaixo registro algumas linhas que escrevi, as quais se juntaram a outros argumentos e ideias que me surgiram e que não pude transcrevê-las agora.
Nem
de longe sou especialista sobre o tema, tampouco foi objeto de estudo em minhas pesquisas.
Apesar disso, escrevo essas mal traçadas linhas para responder ao convite
proposto, qual seja, aquele de problematizar as perdas humanas no conflito
entre Israel e Palestina, que tem cada vez mais assumido contornos de massacre
e não de guerra. Não costumo seguir roteiros prontos a serem lidos em um
debate, mas pela minha ignorância sobre o tema, devo ler o breve texto que fiz
sobre a questão, sob o risco de não fazendo isso, ceder espaço para os
preconceitos de plantão. Registro, desde já, que quando me referir a Israel,
estarei falando sobretudo ao governo de Israel, ao grupo político de
extrema-direita que tem orientado suas ações enquanto Estado. Condena-se,
portanto, ação de um governo e solidariza-se com aqueles que sofrem.
Nem
morte ao Judeus, nem mortes aos árabes. Nosso desafio é superar preconceitos,
racismos e tentar problematizar a razão de tantas morte de civis inocentes, de
tanto sofrimento humanos e vidas desperdiçadas em um velho conflito que já
contabiliza diversas guerras e várias tentativas de negociação fracassadas. Conflito que prossegue avante, atualizando-se no tempo e
no espaço, segundo fatos e eventos que sempre incluem ataques e mortes de ambos
os lados.
Diante desse e tantos outros horrores muitos
rezam, oram e até criticam Deus por permitir tamanha aberração Ocorre que somos dotados de
livre-arbítrio e não devemos transferir
nossa responsabilidade humana para anjos e deuses, nós somos responsáveis por
todo esse caos; nossa mediocridade, ignorância e arrogância é que legitimam
posturas extremas, fundamentalismos, ânsia por dominar o outro e atender a interesses
independente dos meios utilizados.
Sim.
O primeiro passo é reconhecermos nossa culpa e assumirmos nossa
responsabilidade terrena diante do conflito, afinal, somos nós que matamos,
odiamos e segregamos por causa de crenças, ganâncias e supostamente para
atender os orientações e causas divinas. Os ismos religiosos estão longe
criados pelos homens estão longe de contribuir para resolução de nossos
problemas , o exemplo do conflito entre
Isral e palestina é emblemático nesse sentido.
Na medida em que não existe separação entre Igreja e Estado, seja por
parte do Judaísmo ou Islamismo dominantes na região, o fator religioso será
sempre um entrave para as negociações, para a democracia e para paz. Não que as
religiões em sí sejam prejudiciais, afinal, enquanto princípios de conduta sempre
pregaram o amor, o perdão e a paz, contudo, os seres humanos que as experimentam
são demasiadamente imperfeitos, limitados, ignorantes e alguns sim, são
perversos e mesquinhos, fazendo dessas atitudes mencionadas apenas palavras
ocas. Longe do perdão como forma de superar um passado de horror o que se vê é
a reprodução indefinida da vingança como forma de perpetuação do conflito.
Nossa
posição, portanto, não pode entrar em clima apaixonado de tipo Fla-Flu, posição
que não favorece um entendimento equilibrado da questão. Contudo, buscar um
entendimento equilibrado não significa busca a ilusão da neutralidade, afinal,
não se pode jamais ser neutro diante do Espetáculo do terror, de processos de
expropriação econômica, controle social, dominação política e toda sorte de
discriminações e preconceitos.
Minha
posição nesse sentido, é aquela que nega a guerra, o massacre, as mortes, a
tortura, os toques de recolher, o cerceamento da liberdade, atitude historicamente
hegemônica de um Estado possuidor de imenso potencial militar. Potencial que, a
despeito da tecnologia avançada, não consegue deixar de atingir civis, escolas,
crianças, inocentes. Potencial precariamente desafiado por mísseis caseiros,
pedras e paus.
A
disputa ideológica pela explicação do conflito está fervilhando na rede, como
evitar simplificações e não incitar ódio, preconceito e demonizações em relação
aos povos envolvidos no conflito? Já basta a imagem criado pelos EUA de que
todo árabe é potencialmente um homem bomba, representante do “eixo do mal”.
Israel
e Palestina. Ambos possuem suas justificativas, razões e versões para o
problema. A complexidade do tema não permite divisões moralistas e
enquadramentos reducionistas como bem x mal, culpado x inocente, certo x errado
etc.Importa registrar que parte da população de Israel é contra os ataques
realizados por sua nação e que do outro lado existem partidários e
anti-partidários do Hamas em Gaza. Diga-se de passagem, o Hamas é uma
organização política formalmente eleita pela população, portanto, legítima.
Porque
se importar? Por que não se importar? O que temos haver com esse ccom esse
conflito? Onde quer que exista sofrimento humano ele dever interrompido
imediatamente, onde quer que vidas estejam sendo ceifadas deve-se intervir com
urgência e uma das formas de chamar atenção para esses fatos é informar,
debater e criar um opinião pública e uma consciência crítica em torno da
questão, sem simplificações que só agravam as possibilidades de pensar o
conflito e sua resolução.
Um
debate, portanto, mesmo de caráter crítico, deve manter um padrão de diálogo e
respeito mútuo, evitando discursos que anulem a razão e a lógica em
favorecimento do preconceito e defesa irracional de um ponto de vista.
Nesse
sentido, vou registrar alguns pontos de problematização que podem nos ajudar no
entendimento da questão:
MITOS ( me perdoem a terminologia antropólogos)
Em
primeira lugar, compreender um conflito não é identificar quem jogou a primeira
pedra , realizar simples acusões é incitar ódio e discriminação entre povos e
entre aqueles que se posicionam diferentemente em relação ao conflito. Ao
contrário, temos que mobilizar as pessoas, grupos e povos para cooperação e
reciprocidade através do diálogo democrático entre as partes envolvidas. Para
esse fim é necessário desconstruir algumas meias verdades e mentiras relativas
ao desentendimento.
Daí a necessidade de descontruir alguns mitos.
Segundo Jeremy R. Ramond, alguns deles são:
-
Sempre Judeus e árabes estiveram em conflito na região. Trata-se de uma
inverdade, qualquer pesquisa histórica honesta vai evidenciar que Judeus e
Palestinos coexistiam como sociedade de forma pacífica, salvo eventuais
conflitos existente como em qualquer organização social. Sim! Houve uma época
em que filhos de Judeus e Palestinos brincavam juntos, assim como seus pais
conviviam sem ódio, intolerância e armas prontas para disparar.
-
“Direito à existência" de Israel. Ora, “As nações não têm direitos. As
pessoas têm. O marco adequado para o debate é o direito dos povos à
autodeterminação. A partir desse ponto de vista, é evidente que não são os
árabes que têm negado esse direito aos judeus, mas os judeus que negaram esse
direito aos árabes. A terminologia israelense sobre "direito de
existir" é constantemente empregada para esconder esse fato”
-
Deus deu essa terra para os judeus, por tanto os árabes são os ocupantes. Ora, Trata-se de uma invenção a partir da
perspectiva bíblica que não deve legitimar atos genocidas.
-
Os palestinos rejeitam a solução de dois Estados, porque eles querem destruir
Israel. Ora, “Os representantes eleitos do povo palestino na OLP de Yasser
Arafat reconheceram, desde os anos 70, o Estado de Israel e aceitaram uma
solução de dois Estados. Apesar disso, a mídia ocidental continuou dizendo na
década de 90 que a OLP rejeitou essa solução e em vez disso, queria varrer
Israel do mapa”
- Estados Unidos é um mediador honesto e tem
procurado a paz no Oriente Médio. Ora, qualquer análise honesta evidencia o
quão infundada é esse argumento. “Deixando de lado a retórica, os EUA sempre
apoiaram as políticas de Israel, incluindo a ocupação ilegal e outras violações
do direito internacional humanitário. Apoia as políticas criminais de Israel
financeira, militar e diplomaticamente.”
Criação
do Estado de Israel: Sionistas, Britânicos e ONU
Em
segundo lugar: Compreender o conflito, como já registrei, não é simplesmente
identificar quem jogou a primeira pedra, contudo, é elementar e tarefa básica
para a sua explicação. Consultar o passado para explicar o presente é,
portanto, fundamental para entender qualquer conflito.
Nesse sentido, importa
registrar que a natureza do conflito vincula-se a disputa pela posse e soberania de um
território que tem como um dos marcos principais a fundação do Estado de Israel
em 1948. Diga-se de passagem, uma data explicativa que crava um antes e um
depois sobre a história do conflito. Criação inspirada pelo movimento sionista,
apoiado pelo governo Britânico e recomendada pela ONU. Desta maneira
combinou-se o desejo dos Judeus sionistas em criarem um Estado apenas para
Judeus com o desejo colonial Britânico de manter forte em uma região
geopoliticamente importante do oriente médio,
A região se encontrava na rota marítima das
possessões imperiais britânicas mais importantes: Índia, Sudeste Asiático e
África Oriental. E era muito próxima das recém-descobertas jazidas petrolíferas
persas, de enorme importância econômica. Também era adjacente ao Egito, onde se
localizava o Canal de Suez e onde os britânicos ncontravam dificuldades para
controlar os movimentos nacionais. (ZARIF & KUREDA,2012:11)
Daí que
em 2 de novembro de 1917, o ministro das Relações Exteriores britânico, Lord
Balfour, divulgou uma declaração à Federação Sionista. Declarava que:“O governo
da Sua Majestade via favoravelmente o estabelecimento na Palestina de um lar
para o povo judeu e realizará seus melhores esforços para facilitar a conquista
desse objetivo. A Declaração Balfour, portanto, foi um momento decisivo nessa
trajetória, pois apesar de não estabelecer um Estado judeu, deu sinal verde à
colonização sionista da Palestina. Afinal, deu esperanças de que o “lar
nacional” na Palestina poderia se tornar, no futuro, o Estado judaico almejado.
Foi o início da aquisição de terras em massas por parte dos Judeus e expulsão
de milhares de camponeses palestinos de suas terras. (ZARIF & KUREDA,2012:11).
A declaração de Balfor, portanto, tem um papel importante no entendimento da
questão, pois ao tentar encontrar uma solução para “questão dos Judeus”
fortaleceu o nacionalismo judaico e cedeu espaço para o sionismo em sua
expressão mais acabado, qual seja, a criação de um Estado exclusivamente Judeu.
Quer dizer, foi esse
pecado, ou melhor injustiça primordial que expulsou os palestianos suas terras, nomeadamente em
1948-1950, pelas milícias judaicas e posteriormente pelo exército israelita. E
essa injustiça merece reparação e
reconhecimento.(GRESH,2002,p.8), afinal, foi ela quem desencadeou
guerras e esteve na origem ou no fortalecimento de grupos
extremistas de ambos os lados;que instilou ódio em escala geracional; que
consolidou um controle militar e cerceamento territorial e físico da população
palestina e seu isolamento pela construção de muros como é caso da Cisjordânia;
que colocou a religião no centro de uma disputa pela apropriação de Jerusalém,
enfim que criou um sinistro problema de coexistência entre Israelenses e
palestinos em uma região em que outrora essa coexistência existia.
A invenção de
terroristas palestinos e do terrorismo
de Estado de Israel em contexto ampliado, esteve associado não apenas ao
desejo de criação um Estado para um povo historicamente perseguido mas,
sobretudo, vinculou-se a processos coloniais e disputas imperiais entre nações
para ocuparem um lugar privilegiado na geopolítica mundial. O conflito tem
origens modernas e envolve muito mais
que palestinos e israelitas, sempre envolveu as grandes potencias e seus
interesses. Os EUA em tempos mais recentes, são aqueles que sob a fachada de “
guerra contra o terror” dinamiza sua industria bélica em coerência com seus
interesses geopolíticos no oriente médio. A relação entre EUA e Israel legitima
e atualiza a injustiça primordial através de acordos imperialistas que como
grande vítima atualmente a faixa de Gaza.
Gaza tornou-se um
gueto, sua população encontra-se sob regime de confinamento e discriminação em
um “ambiente fechado e inacessível”. Em
um passado não muito longínquo tivemos a experiência judia de confinamento e
sul-afriacana expressa no apartheid, com muitas diferenças, mas ambas ancoradas
em racismo institucionalizado pelo Estado. Israel se apresenta não apenas com
feições de Estado terrorista como igualmente Estado que patrocina uma
discriminação institucionalizada: do lado de lá todos são potencialmente
terroristas, matadores, inimigos.
“Nesse
território, vive uma parte significativa da população palestina, moram,
aproximadamente, um milhão e oitocentos mil habitantes (sendo 450 mil na cidade
de Gaza, maior núcleo urbano da faixa), comportando cerca de 5 mil pessoas por
quilômetro quadrado”(..) A
fronteira com o Egito – com a ajuda do general-ditador Abdel al-Sisi – está
fechada. Do outro lado está Israel. Por fim, a imensidão mediterrânea e seu
controle extrapalestino.(QUEIROZ,2014)
Além
disso, desde a criação do Estado de Israel, conflito após conflito, o território
palestino aos poucos foi sendo apropriado por Israel. O fato é que Israel tem
controle de 80% do território da palestina. Para realizar uma comparação, era
como se tirassem toda Amazônia do Brasil. Desta maneira, a palestina (que é
composto por Cisjordânia, Faixa de Gaza e Jerusalém Oriental), que no início do
século passado reservava seu território para cerca de 80% de palestinos, após o
colapso do antigo império Otomano do qual fazia parte e com a criação do Estado
de Israel simplesmente viu minguar seu território e mais de 700 mil de seus
habitantes foram obrigados a sair de suas terras.
Morte
é morte, atentado aos direitos humanos é atentado aos direitos humanos em
qualquer lugar do mundo, é por isso que, apesar de nossos problemas, não
devemos olhar com indiferença e naturalidade a perversidade e injustiça que
ocorre no desenrolar desse conflito. Quem sabe com a pressão
da opinião pública mundial tenhamos a oportunidade de ver realizar-se a autodeterminação da palestina mediante um Estado próprio, sem que para isso
haja mais sangue derramado ou a destruição de outro Estado.
Referências
DUPAS,Gilberto &
VIGEVANI,Tullo(org).Israel-Palestina A construção da paz visra de uma
perspectiva global. São Paulo. Editora Unesp..2002
GRESH,Alain. Israel, Palestina: verdades sobre um
conflito. Tradução de Lígia Calapez Gomes. Campo das letras.2002
ZARIF, Hassan & Kureda, Rui. A causa palestina. São Paulo. Central única
dos trabalhadores,2012