sexta-feira, 27 de março de 2015

"São todos vagabundos e criminosos que escolheram ser o que são": Uma opinião reflexiva sobre um tema polêmico.

Estamos tentando eliminar um sintoma quando na verdade a raiz da doença sai ilesa. É claro que quando não nos sentimos protegidos e estamos vulneráveis – como na atual conjuntura - tendemos a apelar para medidas mais duras e conservadoras, mas tais medidas não equacionam o problema. Poderemos criticar e condenar amplamente esses menores quando nossa sociedade oferecer Oportunidades iguais para todos, educação de qualidade para todos, salário decente para todos, direitos que criam de fato igualdade de oportunidade. Se depois disso - o que no sistema capitalista não vai acontecer - o menor continuar "aprontando" aí sim podemo emitir as desqualificações de toda sorte.Enquanto tivermos desigualdades abissais de renda, poder, oportunidade e qualidade de vida, muitos sintomas terríveis vão aparecer e se reproduzir no corpo social e os discursos do Exemplo e da meritocracia serão nulos e falsos...

Me explico precariamente..

Trata-se de um falso problema; diminuir  a idade ou não simplesmente não resolve nosso problema, embora certamente alguns indivíduos e famílias fiquem “menos pior” ao saberem que os menores estão na prisão e não vão realizar outros crimes estando soltos.

É preciso dizer que diminuir a maioridade penal não reduz a criminalidade dos “menores” porque muitos realizam o crime mesmo sabendo que eles vão para prisão,  mesmo que tenham penas mais duras, mesmo que venham   a morrer no ato. Certamente não é uma justificativa, mas deveríamos nos perguntar porque alguém realiza delitos, rouba ou mata ? é acaso por simples prazer, profissão, sensação de aventura, simples maldade? Eles fazem isso porque?

SIMPLES ESCOLHA?

Não é simplesmente uma questão de liberdade, de mera escolha, de um certo x errado maniqueísta e tampouco “passar a mão na cabeça de vagabundo e marginal” como dizem por aí.
Acaso ele teve a oportunidade de escolher a família, o bairro, o país e a classe social onde nasceu?
Certamente existe alguma dimensão de escolha e de caráter, mas não é uma variável definidora da violência em geral e da violência juvenil em particular.

Ouvi um comentário de que muitos  roubam para ter seu tênis e camisa de marca etc. Mas acaso ele tem condições (dinheiro, emprego) para comprar um? Não é justificativa para o crime e bandidagem, mas tbm é uma variável que entra na explicação, até porque mesmo sendo um assalariado terá dificuldades para ter o que quer enquanto outros jovens o terão sem trabalhar, simplesmente porque nasceram em outra família, bairro, classe ou pais.

Que o menor deve pagar pelo seus atos e crimes cometidos, isso não se discute, a justiça deve ser feita independente de classe, cor e gênero (Embora saibamos que os favores da lei servem mais para uns e o rigor da lei para outros). O que se discute é a eficiência/finalidade de encarcerá-los juntamente com os demais criminosos, o que só irá ampliar as influências de uma psicologia e sociabilidade negativas.

Não é uma simples questão simplista e maniqueísta de que pobre está fatalmente condenado a realizar o crime ou ao contrário, o rico e bem instruído não comete crime..Não é esse o caso. Estamos falando de tendências, regularidades, “leis” sociológicas que condicionam as possibilidades sociais e psicológicas da criminalidade. Em outras palavras, uma pessoa ser pobre ou negra (ou pobre e negra) não significa que fatalmente ela vai realizar crimes, mas significa que por dimensões estruturais e de contexto de socialização marcados por desigualdades, pobreza, exclusão e outros fatores eles certamente vão ter “mais chances” ou menos resistência para realizar certas práticas.

 Não podemos entender o “caráter” de um indivíduo fora dos contextos sociais, fora da sociedade em que vivemos, o indivíduo não existe como abstração, ele existe como pessoa de carne e osso que sofre os condicionamentos de  um modo de produção e civilização que está longe de se fundar na meritocracia, se funda antes, na exploração do homem pelo homem e na obtenção de lucro a qualquer custo independente do sofrimento humano e contradições que possa causar.

Resposta a alguns comentários.

 Acaso “é a cor da pele que define caráter?” ..

Cor da pele não define caráter, mas o condiciona, ou vivemos em sociedade sem racismo? Um branco e um negro são vistos da mesma maneira em uma entrevista de emprego? O negro teve a mesma história social herdada que a do branco? Meritocracia do Brasil existe?
Cor da pele não define caráter, mas define preconceito, define aprisionamento, define exclusão, define estigmas e estruturas de classificação, inferiorização etc..

... "Educação vem de berço!"

 E que adorável berço tem a maioria da população brasileira né? Porque qui existe meritocracia, temos um ótimo sistema educativo, não temos pobreza e desigualdades abissais ou classes sociais; aqui todos tem oportunidades iguais e padrão de vida elevadíssimo, todos nascem com pais e mães responsáveis e temos um Estado que garante uma ótima segurança para população, um ágil sistema judiciário, sistemas prisionais ressocializadores onde os presos estudam e trabalham,  sem contar com as creches para as mães deixaram seus filhos enquanto trabalham, porque afinal de contas no Brasil todo mundo tem emprego, casa, direitos garantidos e ganha um ótimo salário, se alimenta bem, tem cultura e lazer de sobra em seus bairros; aqui no Brasil só entra na criminalidade quem quer, quem escolhe, por “diversão” e por ambição.

Este é o Brasil das fadas que não é levado em consideração por alguns que  convictamente acreditam ser a redução da maioridade penal uma solução para criminalidade juvenil, diminuição dos crimes e da impunidade. Podem baixar até para 15,12, 8 e ainda teremos os adultos de nossa justa sociedade que cometem mais de 90% dos crimes e dos quais 70% são reincidentes... O máximo que pode acontecer são os indivíduos e famílias vitimadas por crimes de menores terem alguma sentimento de justiça, alguma sensação de que nem tudo sai impune nesse pais. Mas os efeitos enquanto política que vá atua na resolução do problema da violência é praticamente nulo, considerando que menos de 1% dos crimes são cometidos por menores.

E não esquecem os interesses escusos que estão também por detrás dessa proposta, quem irá lucrar com isso? Trata-se da mercantilização do aprisionamento de menores e de pressão para privatização do sistema penitenciário para empresas privadas lucraram milhões com essa política de encarceramento, o exemplo dos EUA é emblemático nesse sentido, que tem mais de 2 milhões de pessoas encarceradas, sobretudo, negros.

E não me interpretem equivocadamente, é claro que não quero que minha minha família seja objeto da criminalidade de menores ou que esses – repito – saiam impunes de seus delitos, quero dizer apenas que diminuir a idade penal apenas aumentará os custos do Estado com aprisionamento sem repercussão alguma na causa ou raiz dos problemas, atacando desta maneira apenas um sintoma da doença social que nos afeta. Enfim, não se trata nem de defender diretamente a não diminuição da menoridade penal, mas apenas indicar sua ineficácia enquanto política que visa combater a criminalidade. Não, não existe pesquisa que mostre isso.


Até agora, de maneira acritica, tem prevalecido a  ideia de que é mais fácil e preferível punir do que educar, que é preferível punir do que tornar mais eficiente  ou modificar as políticas específicas existentes para menores como é o caso do ECA; que é preferível punir do que atacar a raiz dos problemas; que é preferível punir,  colocar no banco dos réus e pagar 3 mil reais por mês do que colocá-los no banco da escola; que é preferível – como indaga Freixo - entregá-los para o tráfico e para milícia do que enfraquecer as organizações criminosas;  que é preferível capitalizar politicamente em cima desse debate do que evidenciar o que ele traz à tona das contradições brasileiras.