sábado, 14 de junho de 2014

Revolução passiva que nada!


Que "revolução passiva" que nada, este conceito ( quando reproduzido acriticamente para explicar mudanças ou modernizações "pelo alto") não capta uma realidade que é complexa e não-linear. Usualmente é usado para caracterizar um "movimento defensivo" das elites  para "conservar-mudando", se antecipando a "surtos libertários". Ocorre que - mobilizado como "tipo ideal" - de ferramenta heurística pode converter-se em ferramenta ideológica para deslegitimar a priori levantes e mobilizações sociais de caráter revolucionário.De antemão sugere-se logo que as manifestações atuais logo vão acabar, vão ser incorporadas, manipuladas, controladas e capturadas pelas malhas do poder constituído e para mais um capítulo de "modernização conservadora". Daí que apesar do suor, dor, lágrimas e sangues pretéritos, termina-se por registrar, legitimar e ampliar o reconhecimento de acordos, negociações, apertos de mão, figuras carismáticas e decisões de gabinete.
Usada desta maneira, suprime vozes e corpos que resistem ao poder constituído. Registra como simples  cooptação e captura conquistas e  realizações notáveis. Apaga da história milhares de lutas e resistências que se travam fora dos gabinetes. Colabora com uma narrativa oficial dos grandes fatos, eventos, contratos, negociações personalizados em figuras políticas à revelia das múltiplas correlações de força, negociações e conflitos que, enquanto processos abertos e potentes, encurralam, pressionam e obrigam os poderes constituídos a cederem espaço político, mudarem de atitude,aprovarem leis, escutarem demandas. 
A ideia de revolução passiva remete a uma representação mais menos assim: algumas figuras autoritárias, centralizadoras ou mesmo carismáticas realizando mudanças, tomando decisões "desde cima", obrigando "os de baixo" a aceitarem  unilateralmente as condições de negociação ou de conflito, aliás nesses termos nem se trata de negociação, mas simples imposição. Essa perspectiva realiza um reducionismo da noção de política e de poder,  contribui para criar ou reproduzir dicotomias e polarizações, simplificações da política e do poder que servem apenas para empobrecer o debate político.
Ora, a canetada é apenas resultado de um longo processo, é apenas o instante da foto! Por isso é preciso reafirmar e disputar o sentido do que vivemos desde ontem, pois pode ocorrer que daqui a 20 anos registrem a complexidade do evento atual como simples manifestações urbanas iniciadas por causa de "20 centavos"e potencializadas pela Copa que ocorria no Brasil.
Vivemos sim uma revolução, uma revolução ativa que mobiliza e articula a trindade ruas ,redes e corpos que hoje disputam e oferecem novos significados para a política, requalificando-a com mais democracia! Temos que desmistificar a ideia de revolução e evidenciar que existe a outra moeda da "revolução passiva", nunca há somente passividade, tanto é que de junho para cá o " medo muda de lado", inaugurando o século XXI Brasileiro do ponto de vista político. 
A revolução, enquanto processo nem sempre explícito, por vezes, sutil, molecular, subterrâneo, habita muitos lugares, corpos e vozes simultaneamente, encadeando ações e dinâmicas coletivas que se explicitam abruptamente como um raio na escuridão. Lembrem que o trovão anuncia que vem o raio, este apenas ilumina o que antes era incerto, caótico, probabilidade, escuridão; a microfísica das relações antecipa a química da multidão, é sua fonte, sua causa primeira.
Trata-se, de um lado de visualizar com menos conservadorismos os processos que possuem dimensões revolucionárias e, de outro, de olhar com mais radicalidade e complexidade daqueles processos ditos conservadores, resultantes de "revoluções passivas." Exatamente por sermos  conhecidos como o "país da revolução passiva" que a mídia nacional e internacional tem dificuldade de entender e aceitar o que está ocorrendo.

quinta-feira, 12 de junho de 2014

De Junho em Junho: O Brasil visto pelo debate em torno das "Copa" das manifestações.

E lá se vai um ano, temporalidade potente, transformadora. Junho de 2013 funcionou como uma flecha no tempo; entre utopias e nostalgias que expressaram o evento,alargou-se o presente com  diferentes e múltiplos devires insuspeitados. O presente antecipou realizações e debates  Essa constelação monstruosa de manifestações colocou o “Brasil Maior” em perspectiva, suspensão.
Certamente que as manifestações em si são prenhes de intenções, sentidos, transformações individuais e coletivas, afinal, uma alquimia dos corpos se realizou quando os mesmos se tocaram, tensionaram, dialogaram em suas diferenças para constituição de um “monstro selvagem”, rebelde, inominável, quase irracional.
É precisamente para dar conta dessa anomalia complexa e não linear que muitos se propuseram a codificá-la, dar-lhes nome, sentido, direção, lógica.
Narrativas foram construídas para decifrar a esfinge em movimento, é sobre algumas delas que me deterei nos próximos textos; colocando-as em diálogo convergente ou em fricção dialógica, trata-se de explicitar os dilemas e problemas do Brasil contemporâneo.
 2013, “o ano que não acabou”, sem sombra de dúvidas, já constitui um marco importante da história política brasileira. Não da política em seus moldes tradicionais mas, sobretudo, da política que emergiu, se explicitou, ganhou densidade em sua articulação entre redes e ruas. Essa outra política que abalou o poder constituído.
 Igualmente poderíamos afirmar que Junho de 2013 representou um forte impacto, não apenas para o poder e a política estabelecida, mas também pra as representações coletivas , quadros teóricos e cognições afins a elas relacionadas.
 Intelectuais, acadêmicos e pessoas comuns pensaram substantivamente nos desdobramentos do evento de junho; A produção teórica, analítica, opinativa em mídias tradicionais e alternativas, blogs, revistas ( com edições especiais e dossiês ) e livros foi gigantesca, evidenciando a diversidade de explicações e representações sobre o evento.
 E mais, explicitou as fragilidades,  limitações e esforços de quadros conceituais tradicionais em apreender e codificar o fenômeno. Ao mesmo tempo, criativas e inovadoras perspectivas de análise ganharam densidade e ocuparam um lugar que estava órfão de imaginação teórica e analítica.
Poderíamos afirmar que em um pequeno espaço de tempo se realizou uma espécie de mega reflexão sobre a nação vinda de todas as áreas, pessoas e direções; foi uma efervescência que tirou parte da intelligentsia da letargia e do “silêncio” e, além disso,  concedeu oportunidade para outsiders disputarem os sentidos e narrativas apropriadas para o evento em questão. Talvez estejamos vivendo um momento de deslegitimação de certos paradigmas explicativos e legitimação de novos modelos de apreensão da realidade. O momento de crise serviu apenas para acelerar mudanças em curso.
            Para adiantar, o capítulo central do diálogo dessas narrativas refere-se a  uma fricção entre, de um lado, as redes colonizadas dos poderes constituídos do  Estado e do capital e, de outro, a afirmação constituinte  de uma composição social criativa, potente, rebelde, múltipla, horizontal e auto-organizada. Uma multidão em extâse, pulsando emergentes subjetividades, desafiando  e resistindo as técnicas de poder, controle  e captura da ordem esta(do)belecida.