Uma
empresa só é bem vista e avaliada positivamente pelo "deus mercado"
se ela é competitiva, produtiva, produz lucros fartos e continuados, sem qualquer tipo de restrição
'negativa' por parte do Estado. Mas o “problema” que o mercado vê em relação ao Estado é bem
relativo, só existe quando ele não cede latifúndios, quando não financia
grandes projetos privados, quando não cria regulamentações para ampliação de
mercados e lucros e, é claro, quando não socorre as grandes empresas e bancos
em tempos de crise. Em outras palavras, o Estado só é terrível e maligno
ocasionalmente, quando restringe um tipo de liberdade: a liberdade de lucrar
indefinidamente sem restrições de qualquer natureza.
O
Estado, nessa ótica, agindo pela liberdade
de mercado irrestrita, só estaria cumprindo sua razão de ser, sua natureza essencial,
que seria nunca intervir nas mãos “invisíveis” e “autorreguladas” do mercado. O
Estado “bom” e “ideal” para o mercado é sempre ocultado, naturalizado,
oferecido como obviedade pelo discurso neoliberal, o Estado “perverso”e
regulador (do lucro), por outro lado, é sempre visto, lembrado, publicizado,
desqualificado, criminalizado, afinal, o Estado supostamente “terrível” o é,
apenas única e exclusivamente para para um tipo de liberdade e quando a
restringe: a liberdade de mercado.
O
Estado para o discurso neoliberal e aqueles que tem suas atividades e lucros
baseados em suas ideias é “Grande” apenas e na medida em que restringe sua
“liberdade”. Havendo restrição nessa direção, imediatamente aciona-se a métrica
(lucratividade, competitividade,”confiança” ) de avaliação do “deus mercado” e
o mito do Estado gastador, improdutivo e cerceador da liberdade, adquirindo
tais qualificações apenas nessas ocasiões especiais. Aqui aparece o complemento
“remediador” do “Estado Grande” e Corrupto: O “Estado mínimo”. Mas o “mínimo”
aqui é apenas em duas direções; de um lado, em termos de menos intervenção do
Estado na liberdade econômica a qual deveria ser irrestrita e , de outro, de
menos investimentos e recursos direcionados para classe de trabalhadores,
direitos sociais, saúde e educação públicas. Fora desse horizonte, o mercado e
seus agentes nunca desejaram um Estado mínimo, o desejam mínimo apenas na
medida em que suas ações e gastos não beneficiem a valorização (centralização e
concentração) do capital.
Percebe-se
claramente que o problema não é um
Estado “grande”, o problema é um Estado “grande” para aqueles que
dependem do Estado para ter acesso a educação, segurança e saúde públicas. Não
desejam de fato um “Estado mínimo” ou só o desejam na medida em que os recursos
do Estado não estão maximizando suas rendas, lucros, especulações. Investimentos
e políticas sociais nesse enfoque seriam quase como desperdícios de dinheiro,
afinal, cadê o “retorno” , “utilidade”, “custo-benefício” em tirar uma “barriga
da miséria”,”em sustentar preguiçosos” e da “dar seguro vagabundagem”. Nessa
visão unilateral e economicista os “recursos humanos” só são importantes quando
dão retorno em termos de rentabilidade privada.
O Estado por esse viés, pode ser
“grande” ou “mínimo”, não importa”!, o importante é não desperdiçar recursos em
“lugares” que não induzam o crescimento..do capital, monopólios, oligopólios
etc.. Tal perspectiva em âmbito privado significa: “se estou lucrando é em
função do meu mérito, das minhas virtudes”. Pseudo-meritocracia e
neoliberalismo andam sutilmente de mãos dadas, articulando ações individuais
com implicações globais, independente do que isso possa causar. A meritocracia
é uma falácia em uma sociedade capitalista, dividida de fio a pavio ao longo de
séculos de produção de desigualdades e contradições.
Com
tudo isto, quero dizer que, sob o enfoque neoliberal, a liberdade de ir e vir
(locomover-se) não tão é tão importante se o capital está circulando livremente
pelo mundo, entre países, entre os 1% super ricos e os 10% mais ricos, se o
capital tem mobilidade pouco importa as limitações e precariedade do transporte
dos trabalhadores, a locomoção destes se torna “problema” apenas na medida em
que o lucro é interrompido por ocasião das manifestações populares e greves.
A liberdade de se expressar e votar democraticamente
também se torna um mero detalhe; se os lucros oligopólicos vão bem em um regime
militar para quê liberdade de expressão? A liberdade e o direto de se transportar,
de se alimentar com dignidade, a liberdade de ter atendimento médico decente e
outras atividades são “problemas” para o neoliberalismo apenas enquanto são
atendidas por instituições públicas, mas quando estas liberdades e direitos se
tornam produtos e os cidadãos consumidores tudo se inverte, “o mundo fica
melhor”, as “soluções” aparecem. Havendo essa inversão apenas os “virtuosos”
que “trabalham”,”estudam” e “querem um Brasil melhor” teriam acesso aos
serviços de qualidade oferecidos pelo mercado, por mais que o acesso seja
permitido para 10% da população, os doentes sem dinheiro para pagar que se
danem!
Essa é a lógica podre e destruidora da lógica capitalista, ou você vê os
grandes supermercados doando o que está prestes à vencer e as cadeias de
restaurante oferecendo a comida que sobrou para os famélicos ou ainda uma
empresa de qualquer natureza doar algum produto que teve algum problema na
produção? Tudo vai para o lixo, inclusive a a dignidade humana. A principal
corrupção é o próprio sistema capitalista estúpido!
A
mercantilização/privatização do mundo, da vida e dos afetos é o objetivo não
declarado do neoliberalismo, independente da desigualdade, miséria, fome,
exploração humana, destruição da natureza ou regime político. Exatamente por
isso, qualquer empresa que pública é vista “negativamente” (pois a
desqualificação é apenas para diminuir seu valor para depois se apropriar) pelo
perspectiva neoliberal. A empresa pública pode inovar, competir no mercado
mundial e ter ótimos lucros, mas se seus lucros não são privados representaria
um “problema”, sua “tendência” é falir e ser gerenciada por “quem entende do
assunto”.
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Não
importa o presidente no comando da nação, o partido na direção do governo, os
políticos que configuram o congresso nacional, Sem uma reforma profunda no
sistema produtivo/distributivo e no sistema político e, outra na sensibilidade
de cada um (pois a corrupção ronda nossos pensamentos, sentimentos e ações) nenhuma
distribuição/democratização do poder, da riqueza e da dignidade será possível.
Sem esta revolução a justiça será apenas página do direito constituído; A
dignidade e os direitos humanos, uma retórica; A liberdade, apenas a liberdade
de mercado, do lucro, da dominação política e da expropriação econômica
realizada por uma minoria.
Depois
dessa “viagem”, vale dizer que empresa boa é aquela que produz dignidade ao
invés de desemprego; que produz solidariedade ao invés de competição; que deixa
uma sociedade sadia ao invés de explorá-la ou envenená-la; que diz a verdade ao
invés de produzir uma publicidade mentirosa; que não apenas pensa mas age em
benefício das gerações futuras; que distribui e recicla ao invés de jogar no
lixo etc.. Essa empresa não existe na realidade, a não ser como Tipo-ideal, mas
pode ser um modelo para empresas que desejam outra economia e sociedade
possível, onde a igualdade e a liberdade se darão as mãos para caminhar lado a
lado.