quinta-feira, 19 de março de 2015

Empresa "boa" é empresa privatizada! Eis o lema neoliberal.

Uma empresa só é bem vista e avaliada positivamente pelo "deus mercado" se ela é competitiva, produtiva, produz lucros fartos e  continuados, sem qualquer tipo de restrição 'negativa' por parte do Estado. Mas o “problema” que o mercado vê em relação ao Estado é bem relativo, só existe quando ele não cede latifúndios, quando não financia grandes projetos privados, quando não cria regulamentações para ampliação de mercados e lucros e, é claro, quando não socorre as grandes empresas e bancos em tempos de crise. Em outras palavras, o Estado só é terrível e maligno ocasionalmente, quando restringe um tipo de liberdade: a liberdade de lucrar indefinidamente sem restrições de qualquer natureza.

O Estado, nessa ótica,  agindo pela liberdade de mercado irrestrita, só estaria cumprindo sua razão de ser, sua natureza essencial, que seria nunca intervir nas mãos “invisíveis” e “autorreguladas” do mercado. O Estado “bom” e “ideal” para o mercado é sempre ocultado, naturalizado, oferecido como obviedade pelo discurso neoliberal, o Estado “perverso”e regulador (do lucro), por outro lado, é sempre visto, lembrado, publicizado, desqualificado, criminalizado, afinal, o Estado supostamente “terrível” o é, apenas única e exclusivamente para para um tipo de liberdade e quando a restringe: a liberdade de mercado.

O Estado para o discurso neoliberal e aqueles que tem suas atividades e lucros baseados em suas ideias é “Grande” apenas e na medida em que restringe sua “liberdade”. Havendo restrição nessa direção, imediatamente aciona-se a métrica (lucratividade, competitividade,”confiança” ) de avaliação do “deus mercado” e o mito do Estado gastador, improdutivo e cerceador da liberdade, adquirindo tais qualificações apenas nessas ocasiões especiais. Aqui aparece o complemento “remediador” do “Estado Grande” e Corrupto: O “Estado mínimo”. Mas o “mínimo” aqui é apenas em duas direções; de um lado, em termos de menos intervenção do Estado na liberdade econômica a qual deveria ser irrestrita e , de outro, de menos investimentos e recursos direcionados para classe de trabalhadores, direitos sociais, saúde e educação públicas. Fora desse horizonte, o mercado e seus agentes nunca desejaram um Estado mínimo, o desejam mínimo apenas na medida em que suas ações e gastos não beneficiem a valorização (centralização e concentração) do capital.

Percebe-se claramente que o problema não é um  Estado “grande”, o problema é um Estado “grande” para aqueles que dependem do Estado para ter acesso a educação, segurança e saúde públicas. Não desejam de fato um “Estado mínimo” ou só o desejam na medida em que os recursos do Estado não estão maximizando suas rendas, lucros, especulações. Investimentos e políticas sociais nesse enfoque seriam quase como desperdícios de dinheiro, afinal, cadê o “retorno” , “utilidade”, “custo-benefício” em tirar uma “barriga da miséria”,”em sustentar preguiçosos” e da “dar seguro vagabundagem”. Nessa visão unilateral e economicista os “recursos humanos” só são importantes quando dão retorno em termos de rentabilidade privada.

O Estado por esse viés, pode ser “grande” ou “mínimo”, não importa”!, o importante é não desperdiçar recursos em “lugares” que não induzam o crescimento..do capital, monopólios, oligopólios etc.. Tal perspectiva em âmbito privado significa: “se estou lucrando é em função do meu mérito, das minhas virtudes”. Pseudo-meritocracia e neoliberalismo andam sutilmente de mãos dadas, articulando ações individuais com implicações globais, independente do que isso possa causar. A meritocracia é uma falácia em uma sociedade capitalista, dividida de fio a pavio ao longo de séculos de produção de desigualdades e contradições.

Com tudo isto, quero dizer que, sob o enfoque neoliberal, a liberdade de ir e vir (locomover-se) não tão é tão importante se o capital está circulando livremente pelo mundo, entre países, entre os 1% super ricos e os 10% mais ricos, se o capital tem mobilidade pouco importa as limitações e precariedade do transporte dos trabalhadores, a locomoção destes se torna “problema” apenas na medida em que o lucro é interrompido por ocasião das manifestações populares e greves.

A  liberdade de se expressar e votar democraticamente também se torna um mero detalhe; se os lucros oligopólicos vão bem em um regime militar para quê liberdade de expressão? A liberdade e o direto de se transportar, de se alimentar com dignidade, a liberdade de ter atendimento médico decente e outras atividades são “problemas” para o neoliberalismo apenas enquanto são atendidas por instituições públicas, mas quando estas liberdades e direitos se tornam produtos e os cidadãos consumidores tudo se inverte, “o mundo fica melhor”, as “soluções” aparecem. Havendo essa inversão apenas os “virtuosos” que “trabalham”,”estudam” e “querem um Brasil melhor” teriam acesso aos serviços de qualidade oferecidos pelo mercado, por mais que o acesso seja permitido para 10% da população, os doentes sem dinheiro para pagar que se danem! 

Essa é a lógica podre e destruidora da lógica capitalista, ou você vê os grandes supermercados doando o que está prestes à vencer e as cadeias de restaurante oferecendo a comida que sobrou para os famélicos ou ainda uma empresa de qualquer natureza doar algum produto que teve algum problema na produção? Tudo vai para o lixo, inclusive a a dignidade humana. A principal corrupção é o próprio sistema capitalista estúpido!

A mercantilização/privatização do mundo, da vida e dos afetos é o objetivo não declarado do neoliberalismo, independente da desigualdade, miséria, fome, exploração humana, destruição da natureza ou regime político. Exatamente por isso, qualquer empresa que pública é vista “negativamente” (pois a desqualificação é apenas para diminuir seu valor para depois se apropriar) pelo perspectiva neoliberal. A empresa pública pode inovar, competir no mercado mundial e ter ótimos lucros, mas se seus lucros não são privados representaria um “problema”, sua “tendência” é falir e ser gerenciada por “quem entende do assunto”.

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Não importa o presidente no comando da nação, o partido na direção do governo, os políticos que configuram o congresso nacional, Sem uma reforma profunda no sistema produtivo/distributivo e no sistema político e, outra na sensibilidade de cada um (pois a corrupção ronda nossos pensamentos, sentimentos e ações) nenhuma distribuição/democratização do poder, da riqueza e da dignidade será possível. Sem esta revolução a justiça será apenas página do direito constituído; A dignidade e os direitos humanos, uma retórica; A liberdade, apenas a liberdade de mercado, do lucro, da dominação política e da expropriação econômica realizada por uma  minoria.


Depois dessa “viagem”, vale dizer que empresa boa é aquela que produz dignidade ao invés de desemprego; que produz solidariedade ao invés de competição; que deixa uma sociedade sadia ao invés de explorá-la ou envenená-la; que diz a verdade ao invés de produzir uma publicidade mentirosa; que não apenas pensa mas age em benefício das gerações futuras; que distribui e recicla ao invés de jogar no lixo etc.. Essa empresa não existe na realidade, a não ser como Tipo-ideal, mas pode ser um modelo para empresas que desejam outra economia e sociedade possível, onde a igualdade e a liberdade se darão as mãos para caminhar lado a lado.