quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Touraine, ALAIN. Um novo paradigma: para compreender o mundo de hoje. 3º Edição –Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2007. P10-84



 Em seu conjunto o livro de Alain Touraine trata da “crise e decomposição do paradigma social da vida social” e da emergência do “paradigma cultural”. Trata-se, de um lado, da mudança do tipo dominante de representação de sociedade e, de outro, da redefinição  do tipo dominante de modernização, ambos baseado no modelo europeu.

Segundo Touraine, o paradigma social em decomposição, ancorado na ideia de sociedade e precedido pelo paradigma político -  é aquele que edificou a própria construção da modernidade ocidental, baseada na dominação, conquista e colonização do mundo, atributos qualitativamente masculinos. Seu ator principal seria o Estado-Nação, interventor e gestor de um capitalismo e uma industrialização nacional, regulador de conflitos internos e da  relação capital-trabalho em um território soberano. Como atores centrais destacam-se os sindicatos, partidos políticos e empresa nacionais. Suas principais categorias seriam as “classes sociais e riqueza, burguesia e proletariado, sindicatos e greves, estratificação e mobilidade social, desigualdades e redistribuição”. Seu principal trunfo foi a modelagem de um tipo de modernização que permitiu a construção de modelo social denominado Welfare-State, mecanismo de proteção e integração social construído no pós-guerra.

O paradigma emergente, por sua vez – que não é nem uma etapa do progresso, nem uma ideologia - torna-se mais nítido e se consolida em um cenário de transição histórica que teria como marco simbólico de uma ruptura o setembro de 2001. Este momento marcaria não apenas o fim de uma época, “mas sobretudo de certa concepção , de certo funcionamento da sociedade norte-americana e do mundo como um todo”. 

Características desse momento de transição seriam as novas modalidades de “guerra santa”, os comunitarismos, nacionalismos, o medo ampliado juntamente com as desigualdades, exclusões e precariedade em um contexto de livre mercado mundial. Uma das implicações centrais desse cenário seria a “inquietude, e mesmo a angústia, que nascem da perda de referência habituais”. De forma que teríamos a “sensação de perder toda distância, toda independência em relação a construções, na realidade ideológica, que determinam tanto nosso olhar quanto os objetos que olhamos”. Em suma, para o autor, estaríamos em uma situação de crise dos quadros mentais e dos conceitos que tornam inteligíveis o mundo que habitamos. Daí derivaria a decomposição do social, marcado especialmente pelos processos de dessocialização, em  outras palavras, a dissolução dos mecanismos de pertença a grupos e a instituições capazes de perenizar sua integração e de gerir suas transformações”, A transição seria marcada, portanto, pela desagregação do tecido social que estaria inapto par realizar processos de integração e geração de sentido ao mesmo tempo em que a sociedade estaria incapacidade ou limitada para gerir suas transformações.

A matriz ou vetor principal desse cenário seria, segundo Touraine, a Mundialização.  Os processos de desagregação e de limitações para gestão da sociedade estariam vinculados à globalização.

 A globalização representaria a passagem definitiva de um capitalismo nacional para um “capitalismo extremo” eminentemente global. A Globalização seria, para Touraine, um modo capitalista extremo de modernização, um modo de gestão da mudança histórica contemporânea. Gestão capitaneado e dominada por grandes empresas transnacionais e redes financeiras, além de organismos como o Banco mundial, Fundo monetário internacional e organização mundial do comércio.

É diante desse novo modelo de gestão histórica, potencializado nas últimas três décadas, que se realiza processos de globalização sem contrapesos, dominados pela imposição da lógica econômica que perpassa facilmente fronteiras, soberanias e hegemonias, o que sugere a decadência do intervencionismo estatal no âmbito de seu território e uma mudança drástica em sua gestão, afinal, agora importa mais atrais investimento, alocar recursos e potencializar as exportações do que garantir proteções sociais. 

Segundo Touraine (p.30) estaria ocorrendo a imposição de uma visão econômica da história, conferindo uma importância cada vez maior aos fatores econômicos e tecnológicos da mudança social”. Esse é o ambiente no qual as grandes empresas aparecem “menos como vanguarda da modernização  e mais como agentes de uma especulação desenfreada, ou como fontes de enriquecimento direito para seus dirigentes”.  A Europa, estado sem nação, sob os efeitos desagregadores da globalização apresentaria mudanças históricas que expressariam o que autor denomina de “O fim da sociedades”. Este fim seria caracterizado em outras coisas pela dissociação entre mecanismos econômicos – que operam em nível mundial – e as organizações sócias, políticas e culturais que operam em nível nacional. Deriva daí a separação entre economia e sociedade. A economia globalizou-se mas os movimentos sociais, sindicatos e partidos ainda sofrem sérias restrições para atuarem em nível mundial, em outras termos, o sistema político e seus atores nacionais lidam com problemas e conflitos que extrapolam suas possibilidades de gestão. 

É nesse sentido que ocorre o declínio das formas de vida social e política e a separação entre ator e sistema ou entre economia e trabalhadores. Ocorreria igualmente o declínio das categorias que a explicavam e organizavam seus atores.  A luta de classes e relação capital e trabalho sob este prisma perderiam valor explicativo, assim como as condutas individuais se orientariam por outro paradigma, mais individualista e libertário no qual a resistência dos atores se faz não através das instituições/mediações/representações tradicionais mas sim através de “uma afirmação de si, não apenas como ator social mas como sujeito pessoal”.

Esse sujeito individualista ao criar a si mesmo, engendraria uma subjetividade que não se definiria por “situações, funções ou identidades” definidas pela sociedade ou por algo exterior como Deus, ao contrário esse sujeito se definiria pela sua capacidade criadora fundamenta na liberdade e na responsabilidade face as autoridades e aos autoritarismos  que bloqueiam sua capacidade de se produzir como sujeito e ator que produz e reivindica direitos. A noção de sujeito mobilizada pelo autor refere-se, sobretudo, a capacidade que os atores possuem de traçar e percorrer seu próprio caminho a despeito das determinações sociais e das relações travadas com outros indivíduos e culturas.

Nesse quadro de despertar de sujeitos e de afirmação do paradigma cultural as mulheres assumiriam papel central, pois esta mudança seria 

“levada a cabo sobretudo pelas mulheres, pois ela é inseparável do declínio da dominação masculina e do surgimento de uma nova cultura que se liberta da dependência masculina e ao mesmo tempo liberta homens e mulheres da obsessão com a produção e a conquista para introduzi-los juntos numa cultura da consciência e da comunicação”.( TOURAINE p.115)

                As mulheres, portanto, desempenhariam - na análise normativa do autor – um papel central no âmbito dessa transição paradigmática que se realiza no quadro da globalização. Afinal, as mulheres encarnam historicamente o sujeito mais oprimido, dominado e privado de sua liberdade em sua experiência terrena. Daí que a mulher representa uma variável importante na potencialização desse novo processo de modernização eminentemente feminino, posto que não baseado na conquista, domínio e opressão do outro, mas sim ancorado numa capacidade de lutar contra poderes, ordens e instituições que privam de sentido a existência humana e a condição de sujeito. E como sugere Touraine (p.115) “não há sujeito senão rebelde, divido entre a raiva contra o que ele sofre e a esperança da existência livre, da construção de si mesmo – que é sua preocupação constante”.

 Resta indagar, a formação de um precariado global teria relação direta com essas dissociações aventadas por Touraine? Parece-nos indiscutível tal relação, afinal uma globalização neoliberal que potencializa um mercado mundial livre e desregulado não poderia gerar outra coisa senão processos de terceirização, flexibilizações e precarizações de trabalho instituídos por grandes empresas desterritorializadas que tornam Estados, sindicatos, partidos e movimentos sociais forças locais menores diante do avassalador poder financeiro desses atores globais.