Em seu
conjunto o livro de Alain Touraine trata da “crise e decomposição do paradigma
social da vida social” e da emergência do “paradigma cultural”. Trata-se, de um
lado, da mudança do tipo dominante de representação de sociedade e, de outro,
da redefinição do tipo dominante de
modernização, ambos baseado no modelo europeu.
Segundo
Touraine, o paradigma social em decomposição, ancorado na ideia de sociedade e
precedido pelo paradigma político - é
aquele que edificou a própria construção da modernidade ocidental, baseada na
dominação, conquista e colonização do mundo, atributos qualitativamente
masculinos. Seu ator principal seria o Estado-Nação, interventor e gestor de um
capitalismo e uma industrialização nacional, regulador de conflitos internos e
da relação capital-trabalho em um
território soberano. Como atores centrais destacam-se os sindicatos, partidos
políticos e empresa nacionais. Suas principais categorias seriam as “classes
sociais e riqueza, burguesia e proletariado, sindicatos e greves,
estratificação e mobilidade social, desigualdades e redistribuição”. Seu
principal trunfo foi a modelagem de um tipo de modernização que permitiu a
construção de modelo social denominado Welfare-State, mecanismo de proteção e
integração social construído no pós-guerra.
O paradigma
emergente, por sua vez – que não é nem uma etapa do progresso, nem uma
ideologia - torna-se mais nítido e se consolida em um cenário de transição
histórica que teria como marco simbólico de uma ruptura o setembro de 2001. Este momento marcaria
não apenas o fim de uma época, “mas sobretudo de certa concepção , de certo
funcionamento da sociedade norte-americana e do mundo como um todo”.
Características
desse momento de transição seriam as novas modalidades de “guerra santa”, os
comunitarismos, nacionalismos, o medo ampliado juntamente com as desigualdades,
exclusões e precariedade em um contexto de livre mercado mundial. Uma das
implicações centrais desse cenário seria a “inquietude, e mesmo a angústia, que
nascem da perda de referência habituais”. De forma que teríamos a “sensação de
perder toda distância, toda independência em relação a construções, na realidade
ideológica, que determinam tanto nosso olhar quanto os objetos que olhamos”. Em
suma, para o autor, estaríamos em uma situação de crise dos quadros mentais e
dos conceitos que tornam inteligíveis o mundo que habitamos. Daí derivaria a
decomposição do social, marcado especialmente pelos processos de
dessocialização, em outras palavras, a
dissolução dos mecanismos de pertença a grupos e a instituições capazes de
perenizar sua integração e de gerir suas transformações”, A transição seria
marcada, portanto, pela desagregação do tecido social que estaria inapto par
realizar processos de integração e geração de sentido ao mesmo tempo em que a
sociedade estaria incapacidade ou limitada para gerir suas transformações.
A matriz ou
vetor principal desse cenário seria, segundo Touraine, a Mundialização. Os processos de desagregação e de
limitações para gestão da sociedade estariam vinculados à globalização.
A globalização representaria a passagem
definitiva de um capitalismo nacional para um “capitalismo extremo” eminentemente
global. A Globalização seria, para Touraine, um modo capitalista extremo de
modernização, um modo de gestão da mudança histórica contemporânea. Gestão
capitaneado e dominada por grandes empresas transnacionais e redes financeiras,
além de organismos como o Banco mundial, Fundo monetário internacional e
organização mundial do comércio.
É diante desse
novo modelo de gestão histórica, potencializado nas últimas três décadas, que
se realiza processos de globalização sem contrapesos, dominados pela imposição
da lógica econômica que perpassa facilmente fronteiras, soberanias e
hegemonias, o que sugere a decadência do intervencionismo estatal no âmbito de
seu território e uma mudança drástica em sua gestão, afinal, agora importa mais
atrais investimento, alocar recursos e potencializar as exportações do que
garantir proteções sociais.
Segundo
Touraine (p.30) estaria ocorrendo a imposição de uma visão econômica da
história, conferindo uma importância cada vez maior aos fatores econômicos e
tecnológicos da mudança social”. Esse é o ambiente no qual as grandes empresas
aparecem “menos como vanguarda da modernização
e mais como agentes de uma especulação desenfreada, ou como fontes de
enriquecimento direito para seus dirigentes”.
A Europa, estado sem nação,
sob os efeitos desagregadores da globalização apresentaria mudanças
históricas que expressariam o que autor denomina de “O fim da sociedades”.
Este fim seria caracterizado em outras coisas pela dissociação entre mecanismos
econômicos – que operam em nível mundial – e as organizações sócias, políticas
e culturais que operam em nível nacional. Deriva daí a separação entre economia
e sociedade. A economia globalizou-se mas os movimentos sociais, sindicatos e
partidos ainda sofrem sérias restrições para atuarem em nível mundial, em
outras termos, o sistema político e seus atores nacionais lidam com problemas e
conflitos que extrapolam suas possibilidades de gestão.
É nesse
sentido que ocorre o declínio das formas de vida social e política e a
separação entre ator e sistema ou entre economia e trabalhadores. Ocorreria
igualmente o declínio das categorias que a explicavam e organizavam seus
atores. A luta de classes e relação
capital e trabalho sob este prisma perderiam valor explicativo, assim como as
condutas individuais se orientariam por outro paradigma, mais individualista e
libertário no qual a resistência dos atores se faz não através das
instituições/mediações/representações tradicionais mas sim através de “uma
afirmação de si, não apenas como ator social mas como sujeito pessoal”.
Esse sujeito
individualista ao criar a si mesmo, engendraria uma subjetividade que não se definiria por “situações, funções ou
identidades” definidas pela sociedade ou por algo exterior como Deus, ao
contrário esse sujeito se definiria pela sua capacidade criadora fundamenta na
liberdade e na responsabilidade face as autoridades e aos autoritarismos que bloqueiam sua capacidade de se produzir
como sujeito e ator que produz e reivindica direitos. A noção de sujeito
mobilizada pelo autor refere-se, sobretudo, a capacidade que os atores possuem
de traçar e percorrer seu próprio caminho a despeito das determinações sociais
e das relações travadas com outros indivíduos e culturas.
Nesse quadro
de despertar de sujeitos e de afirmação do paradigma cultural as mulheres
assumiriam papel central, pois esta mudança seria
“levada a
cabo sobretudo pelas mulheres, pois ela é inseparável do declínio da dominação
masculina e do surgimento de uma nova cultura que se liberta da dependência
masculina e ao mesmo tempo liberta homens e mulheres da obsessão com a produção
e a conquista para introduzi-los juntos numa cultura da consciência e da
comunicação”.( TOURAINE p.115)
As
mulheres, portanto, desempenhariam - na análise normativa do autor – um papel
central no âmbito dessa transição paradigmática que se realiza no quadro da
globalização. Afinal, as mulheres encarnam historicamente o sujeito mais
oprimido, dominado e privado de sua liberdade em sua experiência terrena. Daí
que a mulher representa uma variável importante na potencialização desse novo
processo de modernização eminentemente feminino, posto que não baseado na
conquista, domínio e opressão do outro, mas sim ancorado numa capacidade de
lutar contra poderes, ordens e instituições que privam de sentido a existência
humana e a condição de sujeito. E como sugere Touraine (p.115) “não há sujeito
senão rebelde, divido entre a raiva contra o que ele sofre e a esperança da
existência livre, da construção de si mesmo – que é sua preocupação constante”.
Resta indagar, a formação de um precariado
global teria relação direta com essas dissociações aventadas por Touraine?
Parece-nos indiscutível tal relação, afinal uma globalização neoliberal que
potencializa um mercado mundial livre e desregulado não poderia gerar outra
coisa senão processos de terceirização, flexibilizações e precarizações de
trabalho instituídos por grandes empresas desterritorializadas que tornam
Estados, sindicatos, partidos e movimentos sociais forças locais menores diante
do avassalador poder financeiro desses atores globais.