quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Vamos preparar os tangapema!: Mundurukus, Amazônia e Neodesenvolvimentismo.



 
            Depois de ler algumas notícias sobre o complexo hidrelétrico Tapajós e ver um vídeo (Tapajós vivo e livre) sofre os Mundurukus escrevi essas breves e caóticas linhas reflexivas.

"Os fundamentos da desigualdade dos territórios e povos eram de início, “naturalizados” em função do “clima quente”, das “gentes frias” e de “animais frágeis” e “homens degenerados”. À luz desse pensamento qualquer forma de intervenção sobre povos e culturas não ocidentais seria aceitável. " (FREITAS,2009,p.21))

São os desdobramentos dessa perspectiva em curso, agora manejadas e legitimadas pelo Estado-Nacional que atualiza processos de intervenção na Amazônia sob a égide do discurso desenvolvimentista. A Amazônia sob esse prisma é percebida como "reserva estratégica", como "frente" de expansão econômica, “vazio” demográfico, válvula de escape para os impasses do crescimento econômico, aliás, o desenvolvimento tem sido cada vez mais reduzido a mero crescimento econômico traduzido em um economicismo empobrecedor onde o que importa é superávit primário, as exportações, as commodities, o balanço de pagamentos favorável, bem enquadrados na dinâmica de valorização do capital
Eis mais um momento de “integração” de espaços e populações – distantes da civilização e próximas à natureza - ao Estado nacional. Lucia Lippi (OLIVEIRA,2011,p.123) comenta que  mito do “gigante pela própria natureza” tem sido a mais forte matriz para interpretar o Brasil. Diria também que tem sido o mito mais forte para eliminar diversidades e diferenças ao  mesmo tempo que busca ativamente “esquecer” as contradições e genocídios que se apresentam como “natureza” a ser “trabalhado” para o desenvolvimento nacional. Eliminar a diversidade soa como derrubar uma árvore que impede a passagem do “progresso” materializado em uma estrada.
            Desta maneira o Estado Brasileiro hoje recupera um padrão, que segundo Oliveira (2011,p.127)era praticado no século XIX e XX: “ser civilizado, ser desenvolvido, significava que a civilização deveria vencer a natureza.” Vencendo ou mesmo tentando preservar a natureza, fato é que a construção da identidade nacional ancora-se para o bem ou para o mal numa relação tenso e contraditória com um patrimônio que antes de ser natural é social e cultural. Não, Amazônia nunca foi um vazio em nenhuma sentido! Como bem registra Marilene Corrêa "A Amazônia Indígena que antecede a Amazônia Lusitana não tem equivalente na cultura européia. É produto do desenvolvimento independente dos povos que ocuparam a Região Norte, num período de pelo menos três mil anos, antes da colonização. As distintas interpretações de arqueólogos, lingüistas, antropólogos, encontram, hoje, um ponto comum sobre os seus modos de existência e a efetiva adaptação ao meio ambiente pelos seus habitantes: a densidade populacional, a fartura de alimentos, a extensão de seus domínios palas várzeas e terras firmes, e as formas não predatórias de relação com a natureza." (FREITAS, 2009,p.15)

Contudo atualmente o (neo)desenvolvimentismo atualiza uma imagem construída sobre a Amazônia que vem sendo forjada há centenas de anos. O intuito é basicamente convertê-la em espaço para reprodução ampliada do capital!
Como sugere Marilene Corrêa(Freitas,p.22), colonização e desenvolvimento do capitalismo no contexto Amazônico “criaram os problemas regionais, o subdesenvolvimento econômico e sociocultural, inventou a pobreza e a dependência, além de e instituíram a desigualdade estrutural e federativa, de classes e povos.
            Os processos sociais, políticos e culturais operados pelos projetos de conquista, colonização e desenvolvimento do capitalismo  deixou uma dívida incalculável ao patrimônio físico e sociocultural de seus povos e territórios”. Muitas foram as tentativas de modernização da Amazônia cujo resultado se não se não foi desastroso foi no mínimo duvidoso quanto aos supostos resultados positivos. PDN, PDAM, SPI,Projeto Sivam, Sipam, Calha norte,  Rodovias,complexos hidrelétricos, POLAMAZÔNIA (Programa de Pólos Agropecuários e Minerais da Amazônia, PPG-7,  são alguns dos projetos ou programas que talvez os Mundurukus nunca tenham ouvido falar e que tampouco fará diferença a existência pretérita ou presentes dessas iniciativas. Nenhum corrobora com sua reprodução material e imaterial enquanto população indígena.
            O fato é que as históricas formas de adaptação humana foram substituídas, em sucessivos “ciclos econômicos”, 

por políticas públicas nacionais inadequadas, precárias e fracassadas; por modelos desprovidos de desconhecimento sobre as realidades regionais; pela negação das populações tradicionais índias e caboclas e de suas formas de ocupabilidade; pelo caráter interventivo da criação de suas fronteiras físicas e políticas; pelos equivocados planejamentos à distância, enfim, por modos brutais de destruição da biodiversidade e da sociodiversidade amazônica. Esta tragédia deixou de ser silenciosa há alguns anos, mais por contingências internas e externas do que por decisões da sociedade civil nacional. (FREITAS,2009,p.15)

Benchimol, referindo-se a dinâmicas pretéritas de aniquilamento do patrimônio cultural indígena, argumenta que  a herança indígena (cultura, visão de mundo, visão de Amazônia de mais justa) depois de desprezada pelos “conquistadores d’armas,” fora substituída por estudos e imagens (modernas) que concebem a “Amazônia mais em termos de grandeza,” visualizando-a “em sua enormidade, sem pensar, ou pensando pouco, na sua fragilidade.” E mais, essas investidas interpretativas em geral “bastante fracionadas e segmentadas”, não possuem não “no sentido continental, os graus exigíveis de conexão, correlação e interdependência necessários ao estudo sistematizado do fascinante universo”. Terminam por rejeitar “a dúvida, a incerteza; prefere-se dar grandes saltos no desconhecido, perdendo-se o senso de distinção entre o verdadeiro e o falso, entre o fato e a ficção, entre a realidade e a fantasia” (BENCHIMOL,1979,p.3-4)
Esse último registro possui vital importância e significado no atual contexto regional, nacional e mundial, pois o que se observa é que apesar de novas teorias, discursos e práticas que se fundamentam por propostas alternativas de desenvolvimento regional (Sustentável, integral, territorial e local etc.) ainda há limites notáveis para alcançarem êxito, especialmente porque  colocam em xeque propostas tradicionais de se conceber o desenvolvimento, simplesmente negando ou suprimindo-as como formas ou vestígios arcaicos e primitivos de se viver e produzir. Esquecem ou preferem não considerar que as formas de vida e trabalho das múltiplas populações e etnias da região possuem mitos, crenças e uma cosmovisão sofisticada sobre o funcionamento do mundo, da natureza e da vida, onde o existir não é visto apenas sob prisma econômico.
            Ao que tudo indica, as formas contemporâneas e predominantes de se pensar, conceber e projetar ações, mecanismos, programas e projetos para Amazônia ainda se ancoram no modelo hegemônico e ocidental de conceber o desenvolvimento: aquele orientado para o crescimento econômico e para dinamização econômica a qualquer custo tendo em vista elevar taxas e estatísticas do PIB; um desenvolvimento que historicamente se caracteriza não pelo diálogo e respeito pela temporalidade das populações, mas por práticas de  genocídio e epistemicídio. Modelo que historicamente evidenciou seu esgotamento pelo conjunto de crises que tem acarretado, pelas consequências ecológicas geradas, pelos padrões de justiça alcançados, pelas desigualdades, pela subordinação da tecnologia para fins de competitividade e acumulação. 
Poderiamos dizer que, para além das dificuldades reais que bloqueiam um desenvolvimento mais qualificado para as populações amazônicas, é importante registrar a invenção ativa de imagens, ideias e representações da região que lhes conceberam como subdesenvolvida, atrasada, inculta e polo negativo das diádes. Em outras palavras, nosso subdesenvolvimento se, de um lado, foi e continua sendo resultado histórico de políticas, programas e ações internas ou externas, por outro lado, é tributário de uma construção ideológica assente nos pressupostos da “máquina antropológica do ocidente”, que não apenas aniquilou povos, práticas e saberes, como os classificou em uma ordem hierárquica de um suposto processo civilizador no qual os países Europeus estavam na dianteira e representariam o estado mais elevado de progresso da humanidade, sugerindo que o “outro” (todos os demais povos) devesse guiar-se pela caminhada desses países em uma perspectiva evolutiva de cariz linear. Foi no afã de realizar esse trajeto esquemático e ideologicamente orientado rumo ao progresso – depois substituído pela noção de desenvolvimento – que muitos povos, culturas e civilizações se diminuíram ativa ou passivamente, subordinando-se cultural e politicamente a uma monocultura de produção e civilização, afinal, os termos de comparação (ciência é técnica por exemplo) naturalizados como representantes indubitáveis do suposto desenvolvimento de um povo sempre lhes lembravam seu lugar na inventiva escala da evolução humana.
Agora nos perguntamos: em que medida a construção dessa imagem (apresentada no início do texto) ou representação sobre Amazônia serve para explicar ou revelar sobre aqueles que erigiram ou inventaram essa arquitetura imaginária? Em que medida os contrapontos de atrasado, selvagem, pré-civilizado, vazio, inculto, primitivo, arcaico, sertão revelam sobre os nomeadores? Como não deixar de perceber que todo processo de classificação é um processo de dominação. Dos idos do ‘descobrimento’, passando pela colônia, império, república, regime militar até chegar ao período supostamente democrático, as Amazônias são destituídas de suas potencialidades criadoras via classificações, ou melhor violências simbólicas que lhes captura sua resistência através de processos de dominação política e expropriação econômica por parte de agentes internos e externos.

Mais nem tudo é derrotismo ou fatalismo: A Amazônia já foi periferia, inventada como periferia. No século XXI ela explode potentíssima como centro do mundo; o centro habita nas suas entranhas e como registra Marilene Corrêa (2011)  e Giuseppe Cocco (2009), a crise da relação entre o centro e a periferia acena para superação em potencial, das dimensões hierárquicas e deterministas que condicionam o habitar da Amazônia no Mundo, me refiro os “ismos” que capturam suas energias insurgentes, colonialismo, neocolonialismo, imperialismo, neoliberalismo. Esperamos que essa superação ganhe contornos decisivos nas atuais lutas e resistências dos povos indígenas, como os Mundurukus que atualmente desafiam representações, conceitos e práticas podres que o atual neodesenvolvimentismo busca ainda dar vida.

COCCO, Giuseppe. Mundobraz: O devir-mundo do brasil e o Devir-Brasil do mundo. Editora Record, RJ,2009
BENCHIMOL,Samuel. Uma Oikopolítica para Amazônia. Manaus, 1979.106 pg. Edição xerografada.
OLIVEIRA, Lucia Lippi.  Natureza e identidade: o caso brasileiro.  Desigualdade & Diversidade – Revista de Ciências Sociais da PUC-Rio, nº 9 ago/dez, 2011, pp. 123-134
FREITAS, Marilene Corrêa da  Silva. As metamorfoses da Amazônia, Manaus, Ed. da Ufam, 2000
________,Marilene Corrêa da Silva. Os amazônidas contam sua história: Território, povos e populações. 2009

Oikopolítica para Amazônia: bases científicas para o desenvolvimento regional




“A Amazônia tem sido vítima de suas incógnitas e de sua própria grandeza. A enormidade e diversificação de sua massa crítica continental de terras, selvas e rios, compõem os autos de um processo contraditório, no qual perguntas ficam sem respostas, acusações sem defesa, oportunidades sem realizações, destruições sem usufrutos, e até custos sem benefícios”
  

Embora publicado na década de 70, o livro de Samuel Benchimol "Uma Oikopolítica para Amazônia" lança raízes em suas reflexões das duas décadas precedentes, duodécada que o oferece os desafios, problemas  e  a maturidade necessária para pensar a formulação de um modelo teórico e político para dar conta da complexidade amazônica em sua multidimensionalidade. 

Uma oikopolítica para Amazônia, enquanto publicação, é resultado de sua participação no Simpósio nacional da Amazônia promovido pela Comissão do interior da Câmara dos Deputados em 1979. Trata-se de uma oportunidade que Benchimol teve de apresentar os pressupostos de uma nascente ciência, a oikopolítica, “nova ciência interdisciplinar na fronteira da economia, da ecologia, da sociologia e da política” para lidar com o “estudo da complexa Amazônia. No entremeio da explicação de sua proposta apresenta a Amazônia em sua megatonagem geográfica, botânica e fluvial, registrando seu potencial econômico (“painel Oikopolítico”), a grandeza de suas riquezas e seus possíveis usos, considerando os erros e dilemas envolvendo o aproveitamento desses potenciais. Não deixa, como de costume, de sugerir opções estratégicas (política florestal, agrícola, pecuária) face as ameaças e desafios que se apresentavam. Opções ancoradas em sua Oikopolítica para Amazônia.
            Além de conceber uma Amazônia de múltiplas vocações (Varzeana, Fluvia/Lacustre, Mineral, Hidrelétrica, Florestal, e Industrial) Benchimol realiza críticas, faz alertas, registra aspectos negativos da conjuntura do desenvolvimento amazônico e, por fim, acena para possibilidade de uma “política sadia” para Amazônia, pois esta “tem finitude e fragilidade”.
Do mapeamento, prospecção e registro de descobertas cujo potencial pode garantir o pagamento da dívida externa brasileira, o autor realiza algumas críticas vinculadas ao uso desses recursos, uma delas se encaminha aos planejadores da Sudam relativos aos seus erros expressos na criação do “Mega boi” e “Mega selva”.[1] O primeiro de resultados econômicos duvidosos, “mas quase certos pela destruição do ambiente”, concebido longe dos mercados consumidores e desconsiderando a necessidade de pesquisa “agronômica, pedológica e florestal para se determinar até que ponto a agressão ecológica desequilibraria o meio ambiente”. O segundo se consolida como “mercantilização do processo do aproveitamento indiscriminado da floresta”, evidenciadas através do amplo interesse de realizar a “cubagem da floresta” para geração de estimativas de seu preço. Um e outro se constituíam em “ameaça e desafio” para o autor, devendo urgentemente ocorrer suas avaliações “antes que seja tarde demais, a fim de que o bom senso e a perspectiva histórica do desenvolvimento sejam considerados em todos os seus desdobramentos atuais e futuros” (BENCHIMOL, 1979,p.76)
O autor alerta (sem catastrofismos, combatidos em outras ocasiões) para o ritmo de devastação em curso na região decorrente da abertura de estradas para a integração amazônica, mas que despertou a cobiça das “capitanias empresariais bovinas”[2] e dos latifundiários e que oportunamente foram beneficiados rastros dos projetos do Mega-boi e Giga-Selva , “aqueles convertendo ricas florestas em pastos pobres e estes derrubando árvores nobres e de lei, vendidas a preços vis na origem, extinguindo a flora e a fauna” (BENCHIMOL, 1979,p.29).
Ao registrar que a Amazônia é “uma das grandes regiões piscosas do Brasil interior” (item 26 do seu “Painel Oikopolítico”, Cap. III) alerta para possibilidade de uma rápida chegada ao “limite de desfrute de auto-sustentação oikopolítica, além do qual poderíamos mergulhar no desastre da pesca ambiciosa e predatória”, a qual pode levar “à extinção das espécies, e observar a manutenção de uma taxa ótima para uma pesca auto-sustentada”. Prossegue afirmando que,

Com a abertura dessa nova frente comercial, poderemos causar um holocausto maior do que a destruição da floresta. É que o homem amazônida vive na beira do rio e depende do peixe para comer e viver. (BENCHIMOL,1979,p.29)

Neste item como na maioria dos outros Benchimol reclama a necessidade indispensável de se intensificar os estudos científicos na região, tendo em vista respaldar as ações políticas e os projetos de desenvolvimento sem “dar um salto no desconhecido”, o que poderia trazer sérios problemas para o ecossistema e populações amazônicas.
No item 1.12 “Barragens e uso florestal” de “Vocações Amazônicas” (Cap. V) fez uma alerta premonitória sobre a construção da hidrelétrica de Balbina, sugerindo na ocasião que se realizasse o desmatamento da área a ser alagada fazendo-se uso das árvores das florestas, inclusive para financiar o custo da hidrelétrica, caso contrário, “o afogamento da floresta e o seu apodrecimento poderá causar danos irreparáveis às turbinas, havendo o risco de agentes químicos da decomposição destruírem tudo sob às águas, tornando inúteis os investimentos”. O que de fato aconteceu. E na ocasião indagava:

“Por que então, ao invés de se dar um salto no desconhecido, não se concentram esforços de exploração madeireira nessas áreas de barragens, que terão de inundadas, ficando a floresta inteiramente devastada” (BENCHIMOL, 1979,p.56-57)

Além dessas alertas, o autor realça que muitas ações e processos em curso que pretendem desenvolver a região em âmbito urbano e rural , a despeito de seus aspectos positivos, tem gerados novos problemas e estão longe de equacionar os antigos, daí faz notar os problemas de urbanização, de mortalidade infantil, subnutrição, hanseníase, as parcas vagas oferecidas nas universidades
            Após esse preâmbulo que sintetiza parte das proposições que perpassam seu texto, cabe-nos apresentar as linhas gerais de sua Oikopolítica.
                Benchimol argumenta que  a herança indígena (cultura, visão de mundo, visão de Amazônia de mais justa) depois de desprezada pelos “conquistadores d’armas,” fora substituída por estudos e imagens que concebem a “Amazônia mais em termos de grandeza,” visualizando-a “em sua enormidade, sem pensar, ou pensando pouco, na sua fragilidade.” E mais, essas investidas interpretativas em geral “bastante fracionadas e segmentadas”, não possuem não “no sentido continental, os graus exigíveis de conexão, correlação e interdependência necessários ao estudo sistematizado do fascinante universo”. Terminam por rejeitar “a dúvida, a incerteza; prefere-se dar grandes saltos no desconhecido, perdendo-se o senso de distinção entre o verdadeiro e o falso, entre o fato e a ficção, entre a realidade e a fantasia” (BENCHIMOL,1979,p.3-4)
Oferecendo exemplos das implicações desses enfoques o autor argumenta que “a economia pode nos levar à cupidez; a ecologia pode nos conduzir ao imobilismo; a política pode nos forçar a aceitar valores e modelos perversos”. É diante desse cenário que, segundo autor, urge a necessidade, “ uma ciência deveras abrangente, multi e interdisciplinar, ciência que há uma década proponho – a OIKOPOLÍTICA, necessária ao estudo da complexa amazônica.” Acreditava que a falta de uma Oikopolítica era o motivo pelo qual a  poesia e o romance amazônico tenham se proliferado “em contraste com os poucos estudos científicos da gente amazônica, sem compromissos com o histórico, só com o verossímil”. Essa incapacidade de “percepção analítica” teria levado muito, inclusive o autor “como réu confesso, a visualizar a Amazônia através de sua megatonagem física, da sua grandeza continental. (BENCHIMOL,1979,p.6)
Referindo-se a esses enfoques enfatiza que,

alguns desses decorrentes conceitos são válidos, se os números em que se apóiam são verdadeiros. Muitos porém, devem ser considerados com a cautela e senso crítico, para que o infinito geográfico e a potencialidade econômica não conduzam a um modelo político perverso, muito embora construído com a melhor das intenções, porém deturpadas pela inocência útil, falta de vivência, pressa improvisada, sabedoria arrogante ou incompetência treinada, auto-suficiência ou simplesmente vontade de não ser omisso e tentativa de fazer algo para justificar as presença. (BENCHIMOL, 1979,p.6)

Para não se incorrer no risco de, através desses enfoques, se construir modelos políticos perversos para Amazônia Benchimol sugere que “somente um enfoque oikopolítico, de caráter interdisciplinar, abrangente da economia, da ecologia e da política, poderá permitir a construção de um modelo mais justo e adequado”. Acreditava que  somente a nova ciência, a Oikopolítica, por

“favorecer um estudo universal combinado do Homo Sapiens, de Lineu, que pertence ao ecólogo, com o Homo Oeconomicus, de Adam Smith, que se insere no setor produtivo, e com o Zoon politikon, de Aristóteles, que pertence ao domínio da boa política, seria capaz de repensar e reavaliar a nossa Amazônia.Enquanto isso não se realiza resta repetir conceitos faraônicos, apologéticos, ufanísticos, hiperbólicos, alguns até triunfalistas. (BENCHIMOL, 1979,p.7)


É essa visão ampla, holística, oikopolítica que inspirava o pensamento de Benchimol. Nela  se combinariam “os aspectos econômicos e os aspectos políticos, não apenas justapostos ou paralelos, mas interligados por dependência, cada aspecto com suas peculiaridades, processando-se a integração de todos os seus componentes”.(BENCHIMOL,1979,p.33)
Mais adiante reafirma sua perspectiva de integração de saberes necessárias para a o entendimento adequado da Amazônia:

A Oikopolítica reúne as fonte da economia, da ecologia e da política, interdisciplinarmente, promovendo uma visão multifocal e sugerindo uma compreensão globalizada. No caso amazônico, a Oikopolítica é abrangente. A Amazônia é vista como um complexo, e só assim podemos compreender, holísticamente, as suas peculiaridades e diferenciações, sem violentar e fragmentar a sua multivocacionalidade. (BENCHIMOL,1979,p.36)

Benchimol reconhece que se, por um lado, a metodologia oikopolítica, “do ponto de vista intercientífico”, não apresentaria grandes dificuldades teóricas e conceituais, sua operacionalização, por outra lado, encontraria, dificuldades diversas, “pois os diferentes aspecto muitas vezes entram em conflito  e se chocam, ao se defrontarem a realidade amazônica”. Sublinha que especialistas de distintos “níveis profissionais tendem a encarar essa realidade sob óticas próprias, unilaterais, para, para não dizer paroquiais”. Os ecólogos tenderiam a  “defender a preservação da Amazônia a qualquer custo”; os economistas perceberiam-na nas perspectiva de sua utilidade e rentabilidade; os políticos, “voltados para o compromisso histórico da nação”, teriam receio “que a sua exploração” descambasse “para a espoliação e alienação”. (BENCHIMOL,1979,p.43)
Diante desse impasse o autor finaliza seu texto registrando a dificuldade de conciliar os diversos enfoques e que a superação dessa dificuldade exigiria 

uma mudança de atitudes e de comportamento em cada especialista envolvido, para que adquiram uma visão mais ampla da multivocacionalidade, habilitando-se cada um à conciliação, embora admitindo riscos calculados, para elaboração de um projeto consensual e abrangente, que leve em conta, sobretudo, os interesses do homem amazônida como integrante da nacionalidade brasileira.(BENCHIMOL, 1979,p.43)

            Nesse registro e em outros argumentos de Benchimol fica evidente a defesa da centralidade dos interesses, visões e valores do homem amazônida como elementos  indispensáveis para balizarem  qualquer proposta científica, política ou econômica que se oriente para Amazônia.
Não há dúvidas de que além de ciência e metodologia empenhadas em interpretar e analisar a complexidade amazônica – combatendo simplificações e fragmentações - a Oikopolítica se constitui igualmente em instrumento de caráter político para orientar ações, programas e projetos para uma estratégia de desenvolvimento integral da Amazônia, estratégia que tenha como prioridade, de um lado, a valorização dos valores e conhecimentos acumulados pela indigenidade e pelos caboclos e,  de outro, considera a diversidade ou o mosaico de Amazônias em suas diferenças e particularidades. E, por fim, que sirva de instrumento de combate a pobreza, as disparidades inter-regionais, a concentração e desperdício de recursos, aos problemas de ocupação tematizados em seu painel Oikopolítico.
Esse é o panorama geral dessa publicação na qual o autor apresenta as linhas gerais de seu modelo, anota as dificuldades operacionais de pô-lo em funcionamento, mapeia e problematiza alguns enfoques (racionalista, utilitarista,empírico-tradicionalista,predatório radical que buscam explicar e procurar soluções para os problemas amazônicos, realiza um inventário de suas potencialidades (multivocacionalidades) ao mesmo tempo em que critica e alerta para as repercussões negativas dos projetos em curso, sempre sugerindo opções políticas para suas readequações. E, no mais, em suas reflexões o autor já inseria como variável de análise em suas problematizações as noções de incerteza, caos, entropia e complexidade, tão em voga nos dias que se seguem[3].

Referência
 
BENCHIMOL,Samuel. Uma Oikopolítica para Amazônia. Manaus, 1979.106 pg. Edição xerografada.
 


[1]O boi e a floresta, por implicarem agressão ecológica à tropicologia amazônica, têm que ser melhor estudados para se evitar a planetarização amazônica, não mais pela intocabilidade panteísta, mas pela desertificação substitutiva” (p.77)
[2] “ Como se fosse o paraíso terrestre dos grandes latinfúndios, a região foi loteada para 337 capitanias empresariais bovinas” (p.21)
[3] À título de informação importa registrar que a incorporação da noção de entropia emerge em um contexto no qual o autor refletia sobre as “necessidades e vantagens interdisciplinares; refletindo senti que brotava as primeiras idéias oikopolíticas, socorridas por um conceito do romeno Gerogescu, citado por Celso Furtado in O Mito do Desenvolvimento econômico (...) Daí  concluí-se que toda economia moderna é altamente entrópica, altamente desorganizada, altamente poluidora” (BENCHIMOL,1979,p.38)