sábado, 15 de fevereiro de 2014

É hora de retomar a reflexão!

      Na minha dissertação intitulada "NARRATIVAS SOBRE A CRISE ECONÔMICA MUNDIAL E CRISE DAS REPRESENTAÇÕES: O QUE A CRISE EVIDENCIA ?" sugeri a hipótese de que a crise que irrompera nos EUA (em 2008) e que se alastrara pela Europa estava intimamente conectada com as implicações dos processos de globalização ( que permitiu por exemplo o "big bang" dos mercados financeiros, isto é, a conexão online dos mercados ) e ela (a crise ) explicitava os principais impasses de uma ruptura histórica-epistemológica em curso. Um indicador ou sintoma dessa ruptura estaria na redefinição das "representações coletivas"  em escala global, especialmente as representações tradicionais  vinculadas a dimensão política.              
    Registrei que os "Indignados" na Espanha, Occupy nos EUA e as "jornadas de junho" no brasil se inscreviam nesse processo de redefinição. 

   Eu estava apenas intuindo no calor dos acontecimentos da conjuntura global, mas me parece apropriado retomar as reflexões considerando, sobretudo, a conjuntura nacional após junho de 2013, afinal, seus desdobramentos estão se prolongando e parecem indicar uma ruptura em curso.

   Um trecho da dissertação para deixar mais claro a ideia de crise e redefinição das "representações coletivas".

p.194-197

    "As representações coletivas em Durkheim em termos conceituais possuem uma vinculação direta com os fatos sociais.  São, portanto, maneiras de pensar, sentir e agir internalizadas durante o  aprendizado nas instituições de socialização e terminam por orientar a experiência individual. Funcionam enquanto crença,  “institui fora de nó certos modos de agir e certos juízos que não dependem de cada vontade particular tomada isoladamente”. Vale ressaltar que em Durkheim as representações coletivas não são entidades que pairam sobre o indivíduo, “ Sem dúvida, cada um contem alguma coisa dela; mas ela não existe inteira em nenhum”. mas  se constituem na forma e conteúdo com que este opera no cotidiano, pois,  “as representações coletivas são o conteúdo conceitual interno da sociedade. O conceito expressa a maneira que a sociedade, no seu conjunto, representa os objetos da experiência. Se o conceito muda, não é porque está na sua natureza mudar, mas porque descobrimos nele uma imperfeição, é porque ele deve ser corrigido. O conceito torna-se, de alguma maneira, uma ferramenta da existência coletiva; se ele é imperfeito ou torna-se inútil, nós o mudamos”. (  Durkheim, 2004, 2005, 2009 )

    Não temos dúvida de que esse processo de mudança conceitual entrelaçada com as mudanças de pensar, sentir e agir se realizam continuamente e nunca param, contudo, devemos salientar que existem momentos crísicos  onde essa mudança acelera, ocorre de maneira abrupta, pegando muitos de surpresa ao deslocar os quadros habituais de apreender e classificar as eventos e movimentos sociais, políticos e econômicos que nos condicionam.

     Esse é o momento que Durkheim torna-se extremamente atual, pois tal como sugere Ianni, as ideias ou categorias forjadas exclusivamente no interior do Estado-nação (Democracia, Partido, sociedade civil, Sindicato etc.. ) estão em crise, redefinição, tal redefinição é precisamente a reformulação das representações coletivas, do “conteúdo conceitual interno da sociedade”. Ora, se os indivíduos, grupos, coletividades e nações percebem na “pele” que tais conceitos e sua realização prática não está coerente, não faz sentido , é porque tais conceitos se realizam de forma imperfeita, tornam-se inúteis, daí a vivacidade da multidão que de repente foi para as ruas em várias partes do mundo para mudarem tais conceitos, representações coletivas que carecem de legitimidade, isto é,  precisam de atualização histórica.

     Na esteira dessa reflexão podemos afirmar que o quadro de crise e mudança representacional pode se incluir como evento emblemático daquilo que Santos designa por “transição paradigmática”  que tem como uma de suas características uma “crise de confiança epistemológica, de crescente confrontação entre conhecimentos rivais”, onde a ciência, o direito – acrescentaria a política -  como motores da racionalidade moderna explicitam seus limites ( sua arrogância ) indicando a exaustão da modernidade ocidental defrontada com os entulhos do “progresso”, “modernização”, “desenvolvimento” que sua “monocultura racional” tem amontoado nas últimas décadas. 

    A conjuntura de múltiplas crises e déficit teórico e político para solucioná-las revelam a incapacidade da racionalidade ocidental ( racionalidade da dominação do mundo ) para realizar uma autocritica e se reinventar diante dos desafios que se apresentam. 

    Redefinição de representações coletivas podemos sugerir é a resposta crítica e criativa de grupos e coletividades para fazer face a crise da racionalidade ocidental, para tentar renová-la a partir de outros saberes, lógicas e processos que a médio e longo prazo possam constituir uma nova gramática epocal. Essa nova gramática talvez se revele com mais lucidez no léxico das lutas e resistências que se realizam em várias partes do mundo, viabilizando a reinvenção da política através de processos instituintes, gerados na efervescências das lutas e movimentos  políticos concretos, que criam, recriam e reorganizam através de suas experiências, as instituições que vão referenciar  os horizontes  de vida e trabalho, práticas e usos sociais das próximas gerações.

    Em uma conjuntura onde as representações coletivas estavam se tornando cada vez mais globais  e cuja vanguarda representacional estava sendo realizada sobretudo por algumas empresas transnacionais e agencias multilaterais no contexto da globalização dos mercados  ( globalização hegemônica ), as lutas e resistências de caráter contra-hegemônico  assumem vital importância no sentido de desestabilizar a repetição do presente enquanto ideologia assente no “fim da história. 

    O futuro deixa ser repetição ( economia de mercado e democracias liberais que dinamizam os fluxos do capital ) e abre-se, nervoso e instável, para experimentação política, social e econômica no interior de lutas institucionais e extra-institucionais em várias escalas que,  operadas por  subjetividades rebeldes e insurgentes tateiam de forma ousada “ampliar o presente” e “antecipar o futuro”  através de  outros regimes de existência e coexistência."