domingo, 14 de outubro de 2012

Nobel da Paz: Paz de quem?


Esse prêmio Nobel na presente conjuntura é uma piada. Trata-se de uma ofensa aos povos europeus, especialmente gregos e espanhóis que vivem tempos de descrença e indignação face ao modo como a União Europeia e suas lideranças vem conduzindo a atual crise que  afeta o continente.

Uma coisa é certa, tal prêmio não vem apenas para "elevar a moral" da UE, mas se apresenta, sobretudo, como instrumento de legitimação das políticas de austeridades em operação na Europa. Políticas que deveriam  'combater' a crise, mas que até agora longe de atenuar os efeitos sociais da crise o amplificam, obrigando a população pagar dívida ilegítima com a desestruturação do Estado de Bem-estar social, novas pobrezas e desigualdades.

Seu atual posicionamento político face aos dilemas econômicos e sociais do continente não validam o argumento do Presidente da Instituição de que a UE  tem realizado um "bem-sucedida luta pela paz e reconciliação e pela democracia e direitos humanos." Ora, paz e Democracia é o que não há em uma Europa que sofre a recessão de uma Crise que não dá indícios de que acabará, intensificando os conflitos e levantes de povos que não aguentam mais a queda do padrão de vida e altas taxas de desemprego, impelindo-os a ocuparem ruas e praças para contestar o atual sistema econômico e uma democradura que vem apenas legitimando os interesses de uma oligarquia financeira internacional. 

Angêla Merkel, enquanto principal Líder Européia e defensora das atuais políticas econômicas vigentes no continente não se contem de felicidade, os horizontes de uma Europa-Alemã se tornam mais palpáveis. Francoise Hollande, eleito como portavoz de políticas anti-austeridade afirmou que o prêmio representa uma "honra imensa" para a UE. A decepção deve estar reinando entre os comunistas e pessoas que depositaram esperança em Hollande para fazer oposição a Merkel e alterar o ataque aos direitos sociais em vigência na França e na Europa como um todo. 

Seguramente o prêmio não terá nenhum efeito prático para acalmar os ânimos populares da (Des)União Européia. Reafirmo, o prêmio tem laivos ideológicos e representa simbolicamente a validação das políticas de austeridade vigentes na Europa ( Diga-se demissões, cortes salariais, diminuição do Orçamento para saúde, educação, cultura etc..), realizadas sob os auspícios da Troika, constituída pelo FMI, Banco Central Europeu e, vejam bem, Comissão Europeia, está última responsável por representar, defender e materializar os interesses da União Européia. Longe de representar os interesses da totalidade das Nações que  a compõem, a União Europeia representa atualmente o ataque as soberanias de seus integrantes.  E agora? Como bem indagou Alain Badiou " Quem salvará a Europa de seus salvadores".

terça-feira, 18 de setembro de 2012

De um História de destruição para uma História de afirmação da vida



Para o anjo da hstória de  Walter Benjamin, o que nós chamamos de progresso é uma tempestade de destruição.
 “Ele tem o seu rosto voltado para o passado. Onde uma cadeia de eventos aparece diante de nós, ele enxerga uma única catástrofe. Ele bem que gostaria de demorar-se, de despertar os mortos e juntar os destroços. Mas do paraíso sopra uma tempestade que se emaranhou em suas asas e é tão forte que o anjo não pode mais fechá-las. Essa tempestade o impele irresistivelmente para o futuro, para o qual dá as costas, enquanto o amontoado de escombros diante dele cresce até o céu.”

Esse anjo da história poderia ter um dia outra visão ao voltar seu rosto para o passado?

Com a economia de mercado e a estrutura jurídico-político que a sustenta certamente não podemos fugir da tempestade destrutiva que vem cimentando nosso passado. Quem sabe uma economia ancorada em outros princípios,que não fossem o do consumismo, individualismo, competitividade e lucro permitisse um mundo sem tanta "tempestade". Essa nova economia deveria vir junta de uma nova política sustentada por valores cívicos, comuns, que fosse instrumento de afirmação da vida, de realização das potencialidades e felicidade humana;que garantisse a manutenção de direitos comuns, fosse mais aberta, participativa, transparente; que não fosse privada, fechada no aparato do Estado e dos partidos políticos tradicionais. que não fosse subordinada a economia e servisse como instrumento de realização de políticas e programas de classes privilegiadas. Acredito que o Anjo da história de Benjamin deixará de ver apenas escombros quando os homens recriarem uma nova civilização em novos pressupostos economicos e políticos, permitindo a inauguração da HUMANIDADE, ( que segundo Milton Santos está ainda no Devir ), com uma nova COSMOLOGIA para orientar os indivíduos no sentido de práticas e relações socialmente saudáveis, amorosas, motivadas pelo DOM, pela reciprocidade, garantindo uma uma existência não de dominação, exploração e miséria, mas de Justiça, igualdade e, sobretudo, LIBERDADE. Liberdade compartilhada; prudente e responsável.

terça-feira, 12 de junho de 2012

Liberdade e Responsabilidade

O homem e a liberdade,
O homem e as escolhas,
O homen e as consequências
.

     O homem que exercita a liberdade, que faz escolhas. que se depara com as consequências e automaticamente deve assumir a responsabilidade existêncial e social desse movimento. Deve o homem fazer escolhas em detrimento de sua liberdade afim de ampliar as possibilidades de existência de outrem? Deve o homem sacrificar necessidades e desejos afim de evitar danos sentimentais?
      Creio que deve o homem, por vezes, sacrificar e restringir sua liberdade sem titubear, pois a longo prazo e numa perspectiva da liberdade da coletividade humana, os sacrifícios e restrições de liberdade individual se convertem automaticamente no alargamento das liberdades coletivas e consequentemente na satisfação de necessidades e desejos de um maior contingente de pessoas.
     Liberdade e responsabilidade nessa perspectiva se conectam tendo em vista a expansão das liberdades humanas e o que aparenta ser 'custo' ou privação individual não é senão o ponto de partida para garantia da coexistência das liberdades indiduais em sociedade.
     Quer dizer, aquilo que alguns acreditam ser o ideal da liberdade humana em sociedade tem efeito contrário e devastador para o conjunto da sociedade em termos das liberdades coletivas, posto que pregam uma liberdade incondicional e sem entraves, corroborando com uma ética individualista, anárquica e irresponsável em detrimento de uma moral social reguladora.
     Ora, uma moral social reguladora é precisamente o resultado da conjugação entre liberdade e responsabilidade que. vistas em perspectiva ampla, considerando o conjunto dos homens ( enquanto gênero humanmo ) significam a possibilidade de ampliação das liberdades individuais e coletivas sem privar ou anular as necessidades e desejos de niguem.
     Creio que as implicações decorrentes dessa perspetiva servem como referência fundamental para combater desigualdades e  garantir justiça social tão somente através da responsabilidade moral por sua liberdade.

     Que cada um usufrua e exercite sua liberdade, sempre lembrando que sua liberdade coexiste com outras liberdades. E o fato dela coextir com outras liberdades implica no respeito e aceitação das mesmas, de modo que suas escolhas e ações se orientaram no sentido de limitar sua liberdade para não corrompoer ou anular as demais. Em suma, existir é responsabilizar-se pelo destino dos homens, do contrário, continuaremos a sofrer as consequências sistêmicas negativas, resultantes da convergência da fruição de liberdades individuais. Quer queira, quer não, as crises, desigualdades e contradições existenteas nas sociedades humanas se constitutem a partir do efeito agregado das ações, estratégias e projetos individuais.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Do Egoísmo à necessidade de reinvenção da Política.


      Antonio Luiz, nas redes sociais, é meu inspirador oficial. E novamente me convidou a pensar  e  a objetivar as reflexão daí decorrentes em um texto. O assunto da vez foi o egoísmo, mas a reflexão me levou a política.

     Enquanto sociólogo devo afirmar que o egoísmo, assim como outras “doenças da alma” são originárias de visões de mundo e ideologias que maltratam a coexistência dos indivíduos em sociedade.
     Essa “doença da alma” infelizmente se reproduz socialmente e reflete as principais ideologias e tendências de nosso tempo: liberalismo, individualismo, competitividade exacerbada, consumismo frenético, hedonismo etc..
      A própria idéia de um ser egoísta é um contra-senso a meu ver, pois como diria Aristóteles, somos animais políticos e necessitamos da convivência em sociedade para nos tornarmos humanos e cidadãos, sem esse pressuposto político somos apenas animais guiados pelos instintos, somos idiotas, no sentido daquele que não se importa com a coisa pública, com a coisa socialmente construída. 
       Me referi ao “animal político” de Aristóteles para expressar a idéia de que o egoísmo que reina em nossa sociedade possui um vínculo direto com a proliferação de idiotas no sentido político. Cortella em livro com Renato Janine, Política para não ser idiota, nos ensina que Idiótes , em grego, significa aquele que só vive a vida privada, que recusa a política, que diz não à política”, em outras palavras, é aquele que volta-se para si mesmo, se vê auto-suficiente e pensar não depender de ninguém alem de si mesmo.
     Infelizmente ocorre uma larga produção desses individuais atualmente. Mas acredito que isso se deve, em parte, por dois fatores.
     Primeiro, porque esses indivíduos são intoxicados por ideologias que garantem que o ‘sucesso’, ‘liberdade’, ‘riqueza’ e ‘felicidade’ são resultados do esforço individual, da ‘meritocracia’, o que exigiria muita ‘determinação’, ‘estratégias’ para se tornarem ‘virtuosos’, ‘empreendedores’, ‘competitivos’, enfim, ‘vencedores’. Os indivíduos que orientam sua conduta por essa perspectiva ( política darwinista de vida ) alimentam uma idéia hobbesiana de que vivemos numa selva social, “que o homem é o lobo do homem”, onde os mais fortes sobrevivem e alcançam seu “lugar ao sol”.
     Segundo, porque a sentido da política encontra-se descredibilizada. A política que reina entre nós atualmente é carregado de conotações negativas. O cenário é de corrupção e impunidade. Cenário este tão amplamente divulgado pela mídia que grande parte da população naturaliza a questão como fazendo parte do fazer política. De um lado, descredibiliza-se o sentido da política e, de outro, indivíduos ao invés de indignarem, se resignam e vislumbram como única saída projetos políticos individuais, baseados em ‘seus’ interesses, valores e ‘jeitinhos’ afins.
     Para alem desse cenário sombrio, ainda acredito que o egoísmo imperante em nossa sociedade só pode ser combatido a partir da renovação do sentido da política enquanto empreendimento prático da construção da coexistência saudável em sociedade. Trata-se não de uma política egoísta do idiota, mas sim seu contraponto, uma política que se direciona para o conjunto social, para coisa pública; uma política baseada na cooperação, concessão, anulação de interesses pessoais e solidariedade.
     É dessa perspectiva que extraio minha concepção de política, se não altruísta ao menos solidária, pois a penso como a arte de conviver, de co-existir, de cooperar, de viver em sociedade, o que exigirá a arte de debater, negociar, fazer concessões para criação de consensos relativos tendo em vista encaminhar e deliberar acerca dos assuntos públicos, que dizem respeito ao bem comum... é nessa criação que temos que conciliar nossos interesses, valores e pontos de vistas com as de outros, afinal, somos animais políticos e nossa liberdade só é possível em sociedade, em interdependência recíproca com nossas semelhantes.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Não é hora de sair do Facebook !


É preciso assumir nosso tempo em todos seus paradoxos, contradições e perplexidades. Ao capitalismo cognitivo, corresponde um movimento em enxame

Por Bruno Cava do Outraspalavras.net
Houve época em que a blogosfera era um território bárbaro. Na década de 90, começando com os BBS (Bulletin Board System), as newsletters (principalmente do UOL) e os chats do mIrc, tudo era novo. Vigia uma liberdade radical. As pessoas se encontravam e no caos debatiam, brigavam, se abraçavam e se amavam. O acesso, ainda limitado às subculturas geek e hacker, começava a ampliar-se para a classe média. Tempos em que as redes sociais participavam de um processo contracivilizatório — embora minúsculo, quase guetificado. Éramos felizes e não sabíamos.
Então veio o bum da new economy e tudo mudou. Como acontece com qualquer força produtiva, as redes foram tomadas de assalto. Mercantilizadas, formatadas, uma avalanche de publicidade. A Nasdaq bombou com o mercado pontocom. Os hackers passaram a prestar às empresas consultoria de segurança digital. Os geeks se converteram em yuppies na crista do sistema. Até a bolha estourar, cada ex-geek talentoso sonhava em ser milionário. E alguns conseguiram. Grandes pequenas empresas pipocaram overnight para privatizar as redes, gerir marcas e capitalizar nas finanças. Perceberam o manancial de produtividade circulante e precipitaram os seus tentáculos e ventosas.
Nos anos 2000, o número de pessoas enredadas multiplicou muitas vezes. As redes se ramificaram, se enraizaram na economia política, se miscigenaram: constituiu-se uma rede de redes. Muito mais do que ferramenta ou meio instrumental, a rede é ela própria um espaço social construtivo, um conjunto de relações sociais que organiza, articula, comunica, potencializa e enriquece a vida. É um campo comum na confluência de culturas, éticas, políticas e socialidades, uma cauda longa, multifacetada e atravessada das forças vivas.
A internet não é mais um mundo, é a própria mundivivência na sua modulação mais intensiva. As redes se tornaram o terreno por excelência das articulações produtivas, da antropogênese (a criação do homem pelo homem) e, portanto, das tentativas de expropriar o trabalho social e a potência de vida que todos investem nessa virtualidade tão real.
Com o mínimo de estrutura, geralmente um petit comité de gestores, advogados e publicitários, erigiu-se o paraíso para capitalistas 2.0, como Bill Gates (da Microsoft) e Steve Jobs (da Apple). Eles externalizaram as internalidades negativas e onerosas ao passo que internalizavam as externalidades positivas e gratuitas. Ou seja, souberam explorar os fluxos criativos, difusos, capilares — amiúde anônimos, multitudinários — que surgem espontaneamente na rede. Concomitantemente, transformaram-se em mestres copyright, outsourcing (tercerização), marketing, brand management, networking, crowdsourcing e quejandos. Assim nasceu a economia criativa, a indústria do copyright — a vampirização da produção social e coletiva por empresas, marcas e governos.
Chegou-se então à era Mark Zuckerberg, o criador do Facebook e eleito homem do ano pela revista Time em 2010. As redes sociais estão inteiramente colonizadas. Outro ser humano vive, com outra percepção socioambiental, outro modo de sentir e relacionar-se. Agora, não há mais nada fora do processo de capitalização das relações sociais. Não dá mais para sair. Fazem o Facebook ser o Facebook as 800 milhões de pessoas pelo mundo, e contando. Dessas, 400 milhões o utilizam todos os dias sem falta: 350 milhões pelo celular ou iPad, que carregam consigo o tempo todo. Cerca de 250 milhões de fotos são subidas diariamente. A partir do Facebook, a atividade de cada um é organizada e integrada num gigantesco ecossistema.
Todo o valor do Facebook nasce do tempo de vida, da atenção e das relações investidas na rede por esse quase um bilhão de pessoas. Se não houvesse ninguém conectado, por melhor que fosse o algoritmo, o Facebook não valeria nada. Mas, quanto desse imenso valor retorna para os usuários? Onde está a remuneração pela nossa construção do Facebook? E quanto é capturado como mais-valor para forjar dezenas de milionários e o bilionário Zuckerberg?
A Internet, aliás, nunca esteve tão ‘social’ quanto agora. As redes sociais engoliram a velha rede baseada na navegação livre e anônima, nos prendendo a uma territorialidade, que é o nosso próprio ‘perfil real’, isto é, à nossa identidade fora da rede, o que traz junto, por tabela, chefes, contatos, amigos, colegas de trabalho e escola/faculdade, além dos parentes — é a partir desse perfil que as pessoas passam a navegar, compartilhando links e fotos (suas vidas…) de tal modo que a navegação torna-se ancorada e identificada por definição — Hugo Albuquerque, no Descurvo
Hugo Albuquerque não está contestando o realismo das redes de redes, o fato de elas trocarem energia com o que de mais real existe: a dor, a resistência, a ternura, a loucura. Não defende o aspecto lúdico, como se as redes transcendessem a vida, noutro plano de existência. Não é isso. Refere-se, na verdade, ao processo de codificação e disciplinamento que sofremos. Esse o social entre aspas, como na expressão fazer uma “social”.
Gentrificaram a internet. Mais do que outros mecanismos, o Facebook vem conseguindo sedimentar a identidade de cada um. E assim participa de um ritual que busca converter bárbaros em usuários comportados, hackers em criminosos sexuais e revolucionários em blogosfera progressista. E tenta assumir o controle sobre a intensificada antropogênese, a autoprodução de sujeitos e formas de vida, que as redes fermentam. A gênese social é mais uma vez capturada pelas instituições clássicas de expropriação: a empresa, o estado, a família:
empresa, ao ocupar o território cognitivo de cada um e o próprio cada um como processo e produto da cognição. Não apenas assaltar o campo visual e auditivo e semiótico pela publicidade, mas dirigir a atenção, formatar estéticas, homogeneizar mundos e vendê-los como estilos de vida. O tempo de vida é milimetricamente colonizado, até o nível subliminar do subconsciente, dos impulsos e sonhos.
estado, ao garantir o espaço social em que as empresas atuam e lucram, na velha dialética do público e do privado. Integrado globalmente, o estado controla as redes para assegurar o copyright, o direito autoral, a identificação individual, a propriedade sobre o trabalho social (crowdsourcing) e a financeirização dos lucros (rentismo). Movimentos contestatórios — Wikileaks, Anonymous, cultura livre, novas mídias antijornalísticas — passam a ser sistematicamente desacreditados e criminalizados. Em tempos de redes sociais, nenhum estado precisa mais interrogar ou torturar os cidadãos: basta extrair seus dados da internet.
família, ao enquadrar a pessoa nas múltiplas normatividades de convívio social e consumo, servindo como polícia próxima nas várias dimensões: moral, ideológica, sexual, cosmética e estética.
Apesar de tudo, o antagonismo persiste, dentro e contra. É preciso resistir e ocupar. Não é hora para saudosismos. A luta central está em imergir na ecologia das redes sociais e, do interior, transbordar dos aparelhos de captura e expropriação. Daí que, talvez, a melhor tática não seja sair do Facebook para a N-1 ou Anillosur, numa nostalgia de bom selvagem, mas ocupar maciçamente e democratizar o próprio Facebook.
É preciso assumir o tempo que se vive no conjunto de seus paradoxos, contradições e perplexidades. Ao capitalismo cognitivo, corresponde um movimento social em enxame, que aparece no software livre, na cultura digital, na blogosfera não-progressista, em diversos grupos e coletivos altamente politizados e produtivos, que cooperam e convivem fora da lógica da captura. São as múltiplas corrosões e resistências por dentro do império, os índios da metrópole que já estão dentro. Eles sabem que não é possível voltar atrás, então resolvem ir ainda mais fundo na sua guerra antropofágica contra a civilização.

‎2012 E O MUNDO COMO 'OBJETO' SOCIOLÓGICO

2011 foi um ano bom para o pensar sociológico e 2012 promete ser desafiador.



        Prolonga-se no mundo a crise capitalista, mais intensa nos Eua e Europa, seus sintomas são dolorosos para as sociedades nacionais ( Crises fiscais, políticas, sociais e existenciais ). Os remédios ( salvamento de bancos e planos de austeridade fiscal ) selecionados para sua cura apenas ampliaram o sangramento; desmantelamento do estado do bem estar social, cortes em investimentos em saúde e educação, demissões em massa aumentando as já altas taxas de desemprego. 

        O cenário que se vislumbra para parte do mundo é de medos e incertezas, insegurança e desconfiança, afinal, para alem dos problemas sociais, indivíduos e coletividades não acreditam nas instituições e representações tradicionais que lhes asseguravam um futuro e a condição de de dignidade humana. 
     A democracia foi capturada pelo mercado financeiro e sua tecnocracia; O Estado foi privatizado por uma elite que o manobra para atender seus interesses; os partidos políticos e suas lideranças encontram-se descredibilizados, impotentes, sem margem de manobra para  propor soluções que se encontrem com as aspirações populares; os sindicatos fragilizados em nível nacional, patinam diante das determinações de empresas transnacionais que implacavelmente flexibilizam e precarizam o trabalho tendo em vista a lucratividade.
       Apesar de tudo, 2012 vai iniciar grávido de utopias e realizações que já começaram a sedimentar-se fortemente em 2011. O ano que se inicia reitera grandes mudanças cujo horizonte é esperançoso; enfraquecimento de impérios, redistribuição o poder global, globalização de revoltas no mundo inteiro contra as ditaduras ( no oriente ) e democraduras ( no ocidente ), contra o luxo das elites políticas e econômicas e da acentuação das desigualdades em âmbito mundial. 
      Que no ano de 2012 venham mais "primaveras árabes", 'indignados' e Ocuppy's como contraponto às arbitrariedades de grandes corporações, bancos, agências de classificações e seus agentes-abutres àvidos por lucros baseado em desgraçado endividamento de povos e nações, famílias e cidadãos.
        É esse o cenário que torna fértil o pensar sociológico. Nossa esperança, para o qual esforços devem ser direcionados, é que nossa imaginação sociológica se alargue, para acompanhar e apreender teoricamente essas grandes mudanças ao mesmo tempo que nos servimos dela para orientar nossas condutas, expandir nossa liberdade e, acima de tudo, para fazermos face às injustiças, violências e desigualdades que insistem em reinar nos marcos do capitalismo. Lembrando Gramsci,que estejamos refinados com o pessimismo da inteligência para compreender e o otimismo da vontade para empreender as mudanças possíveis.

domingo, 1 de janeiro de 2012

A outra face do ano novo: renovação da miséria humana.

       Após eu fazer o seguinte post no facebook “ Fui ali na praça da glória fazer minha última refeição de 2011.Sentado na cadeira me pus a observar, um bêbado aqui, um pedinte aculá, uma juventude 'brincante' e uns velhos à rezar” Frederico Cesarino me sugeriu e Antonio Luiz reiterou a sugestão para eu fazer um artigo a respeito. Não gosto de fazer artigos, mas não me impediu de elaborar um pequeno texto contextualizando a breve experiência.

       Ao sair de casa logo senti a vivacidade das pessoas, a efervescência da cidade; sorrisos, cheiros e abraços, me vi em meio a alegria e a esperança, esta vestia-se de branco e anulava a escuridão da noite. Contudo, após chegar a uma pracinha próximo de casa para comer, não demorou para o encanto inicial dissolver-se e minha atenção ser capturada por outras experiências, travestidas de cores nebulosas e de sentimentos incoerentes com a renovação que traz a passagem de ano. ( A praça em dias comuns apresenta-se sempre lotada; crianças brincando, jovens e famílias inteiras consumindo, se alimentando e assistindo as não sei quantas novelas que passam durante a noite ) Na praça, apenas um lugar disponível para minha última refeição de 2011 e, apenas a única luz de renovação aparente. Ao meu redor, a outra face de experiências humanas que geralmente passam despercebidas no cotidiano, me envolve e me ilumina outra passagem de ano. Experiência invisível se fez vida e presente, ainda que moribunda e deprimente.
        Eram espectros de pessoas que eram a contraposição absoluta da celebração do novo que mitiga as dores e sofrimentos e que renova as esperanças para um ano de paz, saúde e conquistas.
       Não, não era uma multidão deles, eram poucos comparados àqueles que corriam desesperadamente atrás de um taxi para celebrarem a passagem de ano na ponta negra. Alem desses havia alguns outros como grupos de jovens eufóricos com bebida na mão e alguns velhos que entravam na igreja em frente para orar.
      Eram poucos naquela praça, mas representam os milhares das milhares de praça espalhadas por Manaus e pelo Brasil.
      Um amigo me acompanhava na refeição e conversávamos sobre os sentidos da passagem que há poucos minutos estava para acontecer. De repente, um dos espectros que rondavam a praça se direciona cambaleante em direção a nós, cabisbaixo se pronuncia “ dá pra arrumar um trocado pra gente..somos da rua, moramos na rua,quebra essa”. Meu amigo lhe deu algum trocado e eu lhe 20% do dinheiro que tinha, meros 2 reais, o sujeito agradece com um sorriso pálido e retorna aos seus pares. Meros 2 reais que certamente se converteu em um valor para eles, valor que nunca vou saber.
         Depois de o presentearmos de bom grado com o trocado, após senti-lo, concluímos em conversa que será apenas mais um ano que passará para ele e seus pares, apenas ‘mais um’ que “passará” no sentido de repetição, pois as perspectivas de mudança, a possibilidade de alteração de sua condição social - miserável - não se insinuava em seu olhar, não transparecia em sua face suja e no tom de sua voz. É apenas mais uma passagem para dia seguinte, mais um dia novo. Renovam-se às humilhações e violências contra sua pessoa, projeta-se uma nova busca por alimentar-se e continuar vivo, rejuvenesce sua desesperança nas oportunidades e na solidariedade humana. É a renovação da sub-cidadania e da indignidade que eles comemoram.
      Terminada a refeição o trajeto de volta para casa anuncia a virada, começam os primeiros gritos e fogos. Chegando em casa, retorno ao mundo virtual para renovar minhas mensagens no facebook, trazendo o registro de uma experiência que é vivida por milhares de pessoas em meio a “ grande virada”. Uma experiência tão comum que ,como diria José Saramago “demanda tão pouco que tende a ser despercebida”. E assim foi meus últimos minutos de 2011 e os primeiros de 2012: foi o reconhecimento e desnaturalização de outras “viradas”, outras “passagens” com menos êxtase e fartura. Foi mais um irromper de consciência. Foi mais uma mudança de mundo, do meu mundo.