Enquanto cientista social raramente
emito opiniões imediatas acerca de
questões polêmicas que “fervem” nas redes sociais. Desta vez, porem, não me
contive e vou arriscar algumas linhas de interpretação sobre a questão.
Nos últimos dias prolifera-se nas
redes sociais, blogs, youtube e jornais a polêmica em torno da atuação da
empresa Telexfree, que está sendo investigada e já amplamente denúnciada pelos
“arautos da boa e honesta informação”.
Quanto às investigações existem
suspeita de que uma espécie de pirâmide
financeira, travestida de Marketing Multi Nível, estaria lesando a “poupança
popular” dos brasileiros, especialmente dos mais pobres que estariam vendendo
tudo e se endividando apenas para entrar no “esquema”. Bem, o fato é que mobilizaram imediatamente dois ministérios,
promotores de várias regiões, cade, delegacias, ministérios públicos e policia
federal para averiguar a questão. Alem disso Ministério da fazendo e Secretaria de Acompanhamento Econômico (Sae),
já estão envolvidos na situação e já foram notificados o Conselho Administrativo de Defesa Econômica
(Cade), a Comissão de Valores Mobiliário (CVM) e o Banco Central (BC). Haja
mobilização!
Quanto
aos representantes da “boa informação” e formadores de opinião, sobretudo, da
classe média tradicional brasileira, destaca-se o Noblat, que tem escrito
bastante sobre a questão nos últimos dias.
Antes de prosseguir gostaria de
sugerir que para quem não conhece a empresa favor procure informações no
google. Meu objetivo aqui não é discutir
a legalidade da empresa, seu serviço (
serviço de telefonia )o modo lícito ou ilícita que opera ( método de divulgação
) para proporcionar lucros ou realizar uma problematização moralista sobre a
questão. Meu interesso é apontar para o que essa polêmica revela da sociedade
brasileira. Aqui não importa se é fraude
ou golpe, embora devo concluir que não se trata nem de fraude, pois não estão
falsificando nada e tampouco de golpe, visto que até onde eu sei a empresa não
enganou seus ‘divulgadores’ recusando-se a realizar os devidos pagamentos.
Retornemos ao formador de opinião,
Noblat, apenas para iniciar meu posicionamento e sugerir o que essa polêmica
traz à tona em tempos de suposta “despolarização política” e “despolitização
das massas”.
Para resumir a opinião de Noblat
basta dizer que ele afirma que "Durante um ano, o esquema TelexFree
envolveu um milhão de pessoas e movimentou mais de R$ 300 milhões através de
uma versão online do velho golpe da pirâmide", e há expectativa de chegue
em “1 bilhão” este ano. Informa que nos próximos dias, o esquema será
desbaratado e seus mentores detidos e indaga “Mas terá sido em vão para mais de
um milhão de pessoas que caíram no mais abrangente golpe financeiro da história
do país”.
Aqui reside minha principal
indagação, será que essas pessoas são vítimas; caíram ingenuamente num ‘golpe
financeiro’ e foram enganadas a colocar dinheiro no negócio? Creio que não e ,
tampouco acredito que seja “o mais atrevido golpe já perpetrado contra o
consumidor brasileiro”. Outros golpes mais profundos atentam contra a dignidade
do consumidor e do cidadão brasileiro cotidianamente, realizadas por “empresas
golpistas” nos próprios termos de Noblat que afirma “O que diferencia uma
empresa séria da golpista é a receita auferida com a venda final do produto.”
Quer dizer com essa diferença podemos enquadrar muitos bancos de investimento
como golpistas já que seus executivos ganham milhões mensalmente apenas vendendo
seus produtos financeiros. Aliás não apenas bancos de investimento mas bancos
estatais que “guardam” o dinheiro do brasileiro oferecendo ridículas taxas de
retorno, ao mesmo tempo que lucram milhões com os empréstimos oferecidos ao
governo, que nós sustentamos afinal. Somos ‘golpeados’ duplamente, afinal somos
nós que sustentamos o Estado.
Esse viés normativo, moralista da
questão apenas identifica “golpistas” e “quadrilhas” que estariam se fazendo
com a alienação popular contudo, deixam
de perceber que esses brasileiros estão longe desses adjetivos e não iriam
aderir massivamente algo sem um mínimo de segurança, digo mínimo pois a maioria
dos brasileiros não possuem segurança em relação a nada e quando percebem algo
real, concreto e que pode mudar suas vidas encaram sem medo de perder, afinal ,
não há muito o que perder, apenas o anseio de melhoria de vida.
O que essa polêmica sobre a telexfree
revela? Pode revelar certamente o maior “golpe do século” realizado por um “trabalho da quadrilha”,
por uma “rede de golpistas”,como faz questão de enunciar Nassif, incluindo-o
no rol de golpes já realizadas como o esquema ponzi, esquema boi gordo e
esquema Madoff. Mas alem disso, o que essa controvérsia gera do ponto de vista
sociológico, o que ela explicita sobre o Brasil e suas contradições, suas
classes e o capitalismo.
Nessa polêmica está em questão as
“virtudes” de nossos elites, ricos e classes medias tradicionais, a
possibilidade de indiferenciação financeira em relação a “massa”, que deveria
não estar investindo e ganhando dinheiro “ilicitamente”, mas acordando 5 manhã,
enfrentando ônibus, suando a camisa e se “matando de trabalhar” para receber
seu “gordo” salário ao fim do mês.
Acontece que a maioria das pessoas, e
aqui incluo dezenas de opiniões de
internautas, se assumem como responsáveis pelos riscos do negócio, os
“transgressores” nas palavras de Nassif. Tenho certeza que nunca eles se
sentiram tão bem ao fazerem parte de uma transgressão, transgressão esta que
atinge o núcleo da hipocrísia e das virtudes das elites e classes medias tradicionais brasileiras (
alguns dos quais estão no “esquema”, mas não abrem o “bico” ). Em outras
palavras, retiraria suas qualidades singulares de ganhar bem e enriquecer-se
através de seu trabalho honesto, trabalho que pagaria políticas sociais para
pobres preguiçosos e sem iniciativa que estariam naquela condição por sua
própria culpa. O fato é que essas controvérsias dizem respeito sobre a
singularidade de um Brasil desigual, injusto cuja lei
O que temos realmente? Será a
democratização de investimentos ou , teríamos como informa a Secretaria Nacional do Consumidor “a captação
de poupança popular”, que estaria sendo denunciada.
Considerando a primeira opção me pergunto,
Dinamizar o capitalismo pela via popular seria dinamitá-lo por dentro? O bem da
verdade é que sua dinâmica avassaladora de lucros e exploração ao longo da
história tem beneficiado sobretudo as elites, os já ricos, herdeiros,
empresários, investidores e instituições bancárias.
A polêmica nos blogs giram em torno
também dessa questão, afinal de contas, enquanto o capitalismo vai bem para os
ricos e entra em crise ( através de ‘inovações’ financeiras como o subprime NOS
EUA ), estes solicitam o Estado para assumir a responsabilidade, “resgatar” a
economia ( diga-se o grande capital, como os mais 700 bilhões velozmente
mobilizados para salvar os bancos americanos ) e socializar as perdas com a
população ( diga-se, desmantelar o Estado de Bem-estar social com corte de
salários, de aposentadorias,demissões, diminuição de investimentos na educação,
saúde etc.. )
Agora quando este capitalismo começa
a beneficiar com suas inovações as classes populares os grande representantes
do capital se sentem lesados. Caso o sistema se colapse, será que o Estado
saíra pelas “vítimas” tal como sempre faz quando o mercado precisa de injeção
de capitais, sempre ás custas da população mais pobre?
As consequências diretas e indiretas
do capital financeiro só se tornam sérias, escandalosas e problema de Estado
quando seus lucros imediatos não vão para os bolsos dos bancos e grandes
investidores. Quanto beneficia os “de baixo” ou a “nova classe média” o
problema se torna seríssimo, uma questão nacional!
Será que até o momento esse esquema
não estaria potencializando o
investimento e a poupança popular? Será que a confiança dos “de baixo” no
mercado não importa? Vamos ver nas
próximas semanas, meses e anos os desdobramentos no amâgo do capitalismo
brasileiro.
Alguns comentários em blogs indicam
também uma corrente de indignação para com o Governo, seus órgãos competentes, a grande mídia (
para alguns golpista ) e os “virtuosos” da elite brasileira, pois estes se mobilizam imediatamente para investigar e
tentar bloquear o “golpe” e os eventuais enriquecimentos ilícitos.
Os comentários indicam, por exemplo, que eles não estariam gostando dos “pobres” ganhando
tanto dinheiro,estariam com medo dos “pobres” se tornarem investidores e não
dependerem mais da miséria do salário mínimo ou da exploração na qual estão
encerrados em certos trabalhos que exigem sua alma para sua reprodução
existencial.
Os “batalhadores” virtuais assinalam que
os “virtuosos” os acusam de se iludirem com “promessa de dinheiro fácil”,
contudo, se defendem afirmando que é a
mesma “promessa conhecido por muitos
candidatos nas eleições brasileiras”.
Um internauta comentou
que “ Eike Batista ganhou R$ 1,37Bilhoes
em um dia, com empresas que até o momento só apresentou projetos e nenhuma
produção e ninguem investiga, isso tudo pq alimenta a corrupção no mercado
financeiro”, outra afirma que ““O Brasil é um pirâmide. Trabalhamos para os
"políticos" ficarem ricos. Porque nos tambem não podemos ter algo
melhor?”
Tá em xeque a própria dignidade do
brasileiro, no sentido de ter uma vida decente, apesar das limitações do Estado
brasileiro, está em questão um trabalho
decente, onde as pessoas não “ se matam”
de trabalhar para sobreviver.
Vejamos ainda mais dois comentários que
ilustram um pouco do que afirmei
“Estou desempregada e
enquanto não consigo emprego me mantenho através da telex free sei que é um
risco, mas na vida temos que arriscar!” outro acrescenta “ uns gastam com
drogas, outros com mulheres, outros com remédios, com loterias e alguns com
internet”, por fim vale registrar que “Todos os anunciantes são maiores de
idade, todos tem portanto personalidade e capacidade jurídica para tomarem suas
próprias decisões.Não existe nada 100% seguro. Todos sabem que podem ganhar e
que também podem quebrar a cara”. Procurem esses registros no google!
Como se percebe essas pessoas em sua
grande maioria possuem consciência dos riscos que envolvem esse negócio e
deixam claro que se trata de uma escolha, que é “um risco como qualquer outra
empresa”, que “fazem o que quiser com seu dinheiro” e isso não diz respeito,
segundo alguns internautas, a procuradores e polícia federal, estes deriam
é estar atrás de “políticos corruptos”, “sonegadores de impostos” etc..
Ora, o Brasileiro das classes “baixas”,
reitero, não é simplesmente um ser
“alienado e que segue uma ilusão como
manada”, como muitos comentaristas de plantão argumentam, esses brasileiros não
devem ser vistos como vítimas, massa de manobra, sem opinião e joguete da
grande mídia, mas sim como sujeito que “sabe a dor e o prazer de ser o que é”,
que a despeito da educação que teve e do país que nasceu, não sucumbi a miséria
herdade e a converte criativamente em arma de luta, resistência e afirmação de
sua dignidade. Se afirma como sujeito que assume seus riscos sem medo das
consequências, até porque nunca ou raramente teve o conforto daqueles que não
precisam ousar, daqueles que apenas reproduzem de forma mesquinha e
conservadora suas vidinhas.
Por fim, vale registrar que a guerra
virtual em torno dessa questão é tambem uma guerra ideológica, expressa em um posicionamento contra-hegemônico de
milhares de internautas contra aqueles
que tentam bloquear o sonho brasileiro de “viver sem se matar trabalhando”. É a
luta de classes transposta para o mundo das redes virtuais, é a luta de classe
virtual”
O fato é que a ampla maioria das
pessoas está consciente dos riscos e não precisará, tal como tem ocorrido nos
Eua e europa, pagar as contas de rombos causados por instituições financeiras e
suas inovações financeiras. Essas pessoas pagaram, finalmente, por suas
próprias escolhas e não pelas escolhas ocultas e anti-democráticas do grande
capital financeiro. Eis que a lógica do
capital quando ousa se democratizar abala os fundamentos de sua própria
reprodução, em outras palavras, talvez ( o que não é novidade desde Marx ) o
colapso do capitalismo seja realizada no futuro precisamente por sua própria
lógica, a partir de de suas próprias armas ( produtos financeiros por ex )
colocadas nas mãos da multidão.
Respondendo sucintamente o
sub-título do texto, a polêmica em torno
da telexfree revela entre outras coisas
as vísceras ideológicas classistas de um Brasil injusto, desigual, corporativo
e, é claro, com os seus iluminados jornalistas, sempre dispostos a “prestar
serviço a sociedade”, só não sabemos que sociedade, ou melhor, que segmento ou
classe dela, certamente não é a de “burros”, “vagabundos”,” ignorantes”, e “
mal informados” que se “iludem” com o telexfree.