domingo, 13 de dezembro de 2015

Ainda sobre as "luzes": Criminalização e Ambientalização da questão social em Manaus.


"Cidade das Luzes"
     
 Estou longe aqui de desconsiderar a existência ou os desafios que o crime organizado e o crime ambiental representam para cidade de Manaus. Mas optar por apresentar apenas uma face ou cor de nossa realidade é um crime contra a nossa inteligência e uma violência simbólica que visa apresentar/supervalorizar representações e interesses específicos como sendo interesses gerais, representação da maioria do povo amazonense.

Nesse sentido, as matérias locais sobre as “invasões” são complementadas e potencializadas pelo poder constituído através da narrativa do Prefeito Arthur Neto sobre a “cidade das luzes”, segundo ele um caso "Imperdoável, um hediondo crime ambiental". Mídia local e Governo Municipal em uma só nota, em uma só representação.

Primeiro a Mídia Local.

      Acompanhando as matérias de jornais locais que saíram de um ano para cá nos veículos de comunicação hegemônicos evidencia-se a precariedade/seletividade do ato de “informar” e formar a “opinião pública”. Definitivamente a ampla maioria dos artigos defende intransigentemente a propriedade privada – sem se perguntar se foi adquirida legitimamente, como algumas famílias são proprietárias de metade da cidade, se é produtiva etc... -, trata indistintamente todas as ocupações como invasões, criminaliza sem titubear os movimentos sociais que luta por moradia, enfatiza unilateralmente a dimensão da violência e do crime organizado supostamente males de um local específico que é preciso combater e, além disso enfocam e sensibilizam0-nos com ares de “consciência ecológica” os danos e crimes ambientais cometidos por tais invasões contra o patrimônio natural, público ou privado. Eis alguns títulos  e argumentos de tais artigos.

 “Líder de invasões em Manaus conta em entrevista que lucra até R$ 100 mil por ocupação”
 “Invasões avançam devastação em áreas verdes do Amazonas”
“Cerca de 25 famílias invadem área verde no conjunto Cidadão 2, na Zona Norte de Manaus”
 “Cerca de 200 famílias invadem terreno particular em ramal”
 “Invasão Cidade das Luzes se expande e continua destruindo o meio ambiente”
“Expansão urbana sem áreas verdes pode aumentar índices de temperatura, diz pesquisa”

Trechos dos artigos

"O grupo queimou colchões, madeiras e um veículo na tentativa de evitar a ação da polícia e da justiça."

"Parte da área verde, antes intacta e que deveria ser preservada, já foi destruída pelos invasores."

“Um dos problemas que faz aumentar o número de doenças,"

"A busca do homem por um lugar para morar é uma necessidade primária, porém, o ato para suprir isso pode gerar grandes impactos negativos para a natureza, caso feito desordenadamente"


Tomemos o último trecho. Será que a busca por moradia é tão terrívei quanto a ação realizada ilegalmente pelas madeireiras, pela produção de pasto, produção de monoculturas?

      Em um das matéria privilegia-se quem lucra com os negócios, lotes são vendidos aos milhares entre 2 a 5 mil reais, mas estão longe de perguntar qual a razão de tamanha demanda. O foco mesmo é no "invasor", em pessoas que lucram com o processo, no impacto ambiental causado, no desmatamento, na poluição hídrica, nos grupos criminosos.

      A palavra " invasão" é a tônica dos artigos, defesa intransigente da sagrada propriedade privada, até “entendem” que famílias precisam de moradia mas precisam "procurar os meios legais junto ao Estado", os mesmos meios legais que não usados para garantir moradia para as pessoas. Chegam ao absurdo de associar de maneira perversa “invasão” ao aumento da temperatura na cidade de Manaus.

      Em suma, focam apenas em um aspecto superficial da questão, invisibilizam o verdadeiro problema e focam apenas na "indústria da invasão" e “impacto ambiental”.

      Como se percebe explicitamente, nesses enfoques parte da realidade fica de fora, não apreendida, ou melhor apreendida seletivamente, longe de problematizar outras face do fenômeno ou se ater minimamente às suas raízes históricas vinculadas a dominação política, a expropriação econômica e às ideias dominantes que naturalizam e invisibilizam problemas e contradições.


Narrativa do Arthur Neto

      Para Arthur, que comentou sobre a “necessária” “reintegração de posse” realizada na “Cidade das Luzes” as linhas de interpretação confirmam e complementam aquela que é produzida pela mídia local.
Arthur Neto, que captou intencionalidade nos 60 hectares da cidade das luzes, argumentou que a área estava "destinada" "pela natureza" “à vida de animais, à pujança das árvores, à perspectiva do turismo gerador de receitas e divisas para o estado e para o país”.

       Não que devamos esquecer ou minimizar os problemas ambientais da cidade de Manaus, mas toma-los como prioridade absoluta à revelia das desgraçadas vidas humanas. Seu discurso se alia a um enfoque maniqueísta de “proteção da Amazônia” e “apologia da floresta” a despeito do “holocausto” social que isso produza, aspectos há muito analisados por Samuel Benchimol ao analisar a “Amazônia interior”. A única diferença é que o ambientalismo anti-humanismo chegou com força no contexto urbano, “ambientalizando” a questão social de modo arbitrário, seletivo e preconceituoso. Enquanto isso, pode-se mercantilizar, capitalizar e lucrar em cima da natureza sem nenhum problema, o que não pode é ceder terra pra “vagabundo”, ai é “vandalismo”!

      Em seu comentário Crime ambiental, tráfico de drogas e pobreza se imbricam para a boa consciência daqueles que dividem o mundo de maneira maniqueísta entre policiais e bandidos, mocinho e ladrão, crente e delinquente, preto e branco. Como se o Estado não estivesse envolvido em crimes ambientais, como se alguns  policiais não fossem mais perigosos que muitos ladrões, como se os ricos fossem éticos e conquistassem seus patrimônios honesta e meritocraticamente.

      Como em todo discurso iluminista pobreza e os subalternos aparecem como "ludibriados", "usados", tamanha seria sua incapacidade e ignorância, destituído do "mérito" de conquista honrada da propriedade privada e consciência ecológica indispensável para frear seus impulsos diante de "crime ambientais". Só faltou dizer que os “invasores” eram eleitores do PT, afinal, estes “não sabem votar” não é? Saber votar seria privilégio das classes médias esclarecidas nessa perspectiva.

Por fim, vale registrar que o nobre Prefeito afirma que a maioria dos “moradores” eram especuladores de terras. Baseado em que informações, em que pesquisa o Sr. Arthur baseia sua afirmação? Imaginem 2 mil famílias, e a “maioria” estava “especulando terras”, claro! Sem-teto tornou-se especulador de terras!

Namoro dos poderes

A narrativa do Sr. Arthur, tal como a formação da "opinião pública" pelos jornais hegemônicos locais, apanha a questão social apenas em suas aparências, ocultando suas raízes político-econômicas e afirmando ideologicamente uma explicação superficial que esconde interesses, criminaliza a pobre politica-econômica e ambientalmente, e invisibiliza demandas, direitos e necessidades reais formalmente asseguradas na constituição.


O sr. Prefeito termina seu texto conclamando a “sociedade” para uma missão ecológica da maior relevância, uma verdadeira “tarefa de solidariedade e amor": a construção de uma tábula rasa sobre o que representou a cidade das luzes para além da visão mesquinha, distorcida e unilateral da mídia hegemônica e dos poderes constituídos. O reflorestamento da área não será a redenção de nossos graves problemas sociais! E não, o prefeito não age "com verdade e boa fé para com Manaus”, de que Manaus se está falando, da que está confortável em seus lares em bairros nobres? da que não depende de transporte público para se locomover? da que não precisa ser atendida pelos SUS? Da Manaus que naturaliza os problemas sociais e culpa os “de baixo” por sua pobreza, ignorância e incompetência como se não tivesse nada a haver com as desigualdades sociais?

Manaus: Cidade das sombras

Para registro.
Ontem, dia internacional dos direitos humanos, homenagem na "casa do povo" ao Dep.Bolsonaro, hoje reintegração de posse na "cidade das luzes" que tinha para mais de 2000 famílias, amanhã não sei qual será o próximo golpe, mas certamente será contra a Democracia, contra as minorias, contra os ameríndios, contra os pobres e pretos. Homenagea-se quem não prestou "relevantes serviços a sociedade" impedindo a população de entrar na Assembléia Legislativa.
Usa-se a "Justiça" para violentar/expropriar quem até recentemente tinha alguma "luz" de ter casa própria, centenas de famílias que perderam investimentos e dignidades naquele espaço de esperança..
Mas seja na ALE, seja na "Cidade das Luzes", agora cidade das cinzas, prevalece apenas a seletividade da representação, violência e justiça.A criminalização dos movimentos sociais, da pobreza e das ocupações segue inexorável, enquanto isso o poder constituído segue impune, arbitrário e arrogante na defesa intransigente da propriedade privada e dos privilégios de uma oligarquia política e financeira. Entrar ou ocupar seus símbolos é um atentado a visão iluminista e a " meritocracia" que orientam desgraçadamente suas condutas. Nos golpeiam de dia e de noite, a qualquer hora e lugar, dão risadas e xingam nossas demandas, interesses e necessidades. Tentam calar nossas vozes e inviabilizar nossos direitos. Mas em vão!
Onde há repressão, há resistência. Nossas vozes ecoaram ainda que seja embaixo de escombros.Nossos direitos serão conquistados e defendidos sem celular cessar. Ninguém terá sono tranquilo. Nossa dignidade e nosso reconhecimento se firmaram através de nossas lutas e resistências mediante a composição diversa das forças, movimentos e desejos que ousam enfrentar "desde baixo" o poder constituído, sua "legalidade" e seus regimes de verdade que aumentam defensores em tempos de Crise. Vamos disputar a crise, seus sentidos, rumos e interpretações. A Cidade de Manaus em breve terá não apenas "uma casa do povo" ou uma "cidade das luzes", construiremos uma cidade da multidão" e uma " região das luzes" .
Breve nota escrita no 540, após passar por uma padaria e ver imagens da reintegração de posse na cidade das luzes. Indignação e tristeza, tenho certeza que a maioria daquelas famílias precisavam de um chão para viverem com um pouco mais de dignidade.

Nota de Repúdio à homenagem ao Dep. Jair Bolsonaro

Para Registro.
Vivemos tempos difíceis, marcados por diversas crises, a exemplo da crise do sistema político e da crise econômica que prejudicam amplamente a população. Neste cenário sombrio de incerteza econômica e insegurança social surge espaço para ideias e forças conservadoras crescerem politicamente junto a população e implantarem uma agenda conservadora extremamente prejudicial ao meio ambiente, à democracia, às minorias, aos direitos e a dignidade humana de maneira geral.
Os princípios que orientam a conduta do Dep.Jair Bolsonaro (PP) representam exatamente essa agenda, constituindo-se como seU principal porta-voz, o que pode ser constatado em inúmeras polêmicas que o homenageado tem se envolvido, que expressam nitidamente seu compromisso com ideias preconceituosos (Machismo, Racismo, Homofobia), seu perfil autoritário (apologia à violência seletiva e ao retorno do regime militar) e seu engajamento antiecológico (foi processado por crime ambiental). Esses são seus "princípios", seus valores, os méritos para uma "justa" homenagem.
Perguntamos quais os "relevantes serviços vinculados ao cumprimento do interesse público para o Estado do Amazonas” que obrigam a ALE a conceder essa homenagem? Platiny Soares (PV) - que deveria está cuidando da segurança pública local – argumenta com convicção que a homenagem se assenta no reconhecimento do trabalho de Bolsonaro ao combater do "crime organizado".
Acreditamos que o deputado não tem o "direito a prestar homenagem a quem ele quiser", como sugerem representantes do PSD E PSDB na CMM. A Assembléia Legislativa do Estado do Amazonas, ao conceder essa homenagem por sugestão do Dep.Platiny Soares golpeia vergonhosamente, de um lado, a sociedade Manauara em sua ampla maioria, pois esta desconhece "os trabalhos de relevância" que o dep.homenageado tenha feito em seu benefício e , de outro, golpeia as lutas e resistências de partidos e movimentos sociais que lutam sistematicamente pela consolidação da democracia no Brasil, que militam cem cessar contra as intolerâncias e preconceitos contra as mulheres.
A homenagem sim, esta é um crime contra o dia internacional dos direitos humanos (10.12) tanto quanto aos sentimentos e a inteligência do povo amazonense!
Alex Regis - UP Amazonas
Frases do "Nobre" Jair Bolsonaro
“O erro da ditadura foi torturar e não matar.” (Jair Bolsonaro, em discussão com manifestantes);
"Seria incapaz de amar um filho homossexual. Prefiro que um filho meu morra num acidente do que apareça com um bigodudo por aí.” (Jair Bolsonaro em entrevista sobre homossexualidade na revista Playboy);
“Não te estupro porque você não merece.” (Jair Messias Bolsonaro, para a deputada federal Maria do Rosário);
“Não vou combater nem discriminar, mas, se eu ver dois homens se beijando na rua, vou bater.” (afirmação de Jair Bolsonaro após caçoar de FHC sobre este segurar uma bandeira com as cores do arco-íris);
“Você é uma idiota. Você é uma analfabeta. Está censurada!”. (Declaração irritada de Jair Bolsonaro ao ser entrevistado pela repórter Manuela Borges, da Rede TV. A jornalista decidiu processar o deputado após os ataques);
“Parlamentar não deve andar de ônibus”. (Declaração publicada pelo jornal O Dia em 2013);
“Mulher deve ganhar salário menor porque engravida” (Bolsonaro justificou a frase: “quando ela voltar [da licença-maternidade], vai ter mais um mês de férias, ou seja, trabalhou cinco meses em um ano”);
“Eu não corro esse risco, meus filhos foram muito bem educados” (Bolsonaro para Preta Gil, sobre o que faria se seus filhos se relacionassem com uma mulher negra ou com homossexuais);

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

O Brasil não é um ilha: A cegueira da mídia e os limites do "nacionalismo metodológico"



     Tenho comentado sistematicamente em minhas intervenções públicas esse fato: O Brasil não é uma ilha. O tratam como um abstração diante do mundo, distante, isolado, quase um planeta marciano.

        Não se trata de, nesse breve comentário, evidenciar como diversas crises se articulam e potencializam-se em diferentes esferas e escalas (local, regional, nacional, mundial) mas de registrar que essa cegueira cognitiva reproduzida e ampliada cotidianamente pela Mídia hegemônica produz uma visão mesquinha do Brasil e dos Brasileiros; gera uma representação extremamente simplificada, polarizada e moralista da política nacional, reduzindo-a basicamente a um mar de lama e podridão que a tudo abarca e compromete, não sobra nada, a política em todas suas esferas e escalas é considerada corrupta, inútil e como elemento a ser eliminado como um tumor maligno.

    Simplesmente não percebem um mundo inteiro em crise, uma Europa em desintegração, o fim da relação amorosa entre democracia e capitalismo no globo, o colapso do modelo de desenvolvimento Estadunidense, a China em desaceleração econômica, enfim a crise do capitalismo enquanto modo de produção e civilização. Faz-se necessário relativizar o nacionalismo metodológico e suas explicações dos problemas nacionais. Nossa situação não é certamente resultado mecânico de um imperialismo, mas tampouco produto endógeno sem articulação com as teias político-econômicas de um mundo cada vez mais multipolarizado e em intenso processo de globalização (em suas dimensões de homogeneização e fragmentação).

    O fato é que estamos longe de ter o "privilégio" de estar em envoltos em múltiplas crises, de natureza econômica, financeira, política, ecológica produzidas unicamente em solo nacional. Longe de defender o governo ou a "política que está ai", trata-se de reconhecer a complexidade da conjuntura, discutirmos medidas menos medíocres para superação de nossos problemas a partir de um novo patamar do fazer/debater político.

    Mas eu me pergunto caros colegas, a quem interessa anular absolutamente o sentido da Grande Política à pequena política? A quem interessa transformar o espaço político em um deserto? A quem interessa anular a potencialidade política da multidão? A quem interesa reduzir a pó as instituições políticas? Quem irá ocupar esse espaço? Na política não existe espaço vazio e certamente o espaço já está sendo ocupado e não há indicios de que os "novos" sujeitos, grupos e instituições que passam a ocupá-lo vão reinveitar a política desde baixo, com um agenda progressista e democrática. Ideias e práticas conservadoras em momentos de crise ganham terreno para serem agenciadas pela renovação da pequena política travestida de "interessa nacional". 

    É necessário participar da batalha das ideias, fugir às polarizações políticas e mostrar sua complexidade, desmistificar meias-verdades, anular os moralismos e reconhecer as emergências em termos de movimentos, práticas e ideias alternativas que precisam urgentemente ganhar terreno no debate publico, sem esquecermos e invisibilizarmos movimentos e pautas tradicionais que continuam extremamentes importantes. Nada nasce do vazio. É indispensável articular o melhor tradição e reinventá-la dialeticamente a partir das inovações teóricas e práticas produzidas pelo momento histórco em que vivemos. 

    Dai que não podemos nos intimidar, recusar debate, nos afastar das ruas e das redes. Temos que disputar o sentido da liberdade, justiça e democracia a partir das implicações que representam as pautas - novas e tradicionais - como Reforma Agrária, Reforma Política, Reforma Urbana, Reforma Urbana e Garantia e afirmação dos direitos das minorias, subalternos, vítimas de violência, estigmas e preconceitos. 

    São agendas que longe de se excluirem se complementam reciprocamente no sentido de garantir ampliar e as liberdades coletivas e individuais em um contexto de reconhecimento social, étnico e de gênero, de distribuição justa de bens e riquezas socialmente produzidas, considerando a inclusao produtiva e democrática da população em um modelo de desenvolvimento em bases sustentáveis, que nao seja subordinado aos ditame do crescimento/consumo infinito e reconheça os limites ecológicos (dimensão biofísica) para garantir de fato desenvolvimento sustentável. 

O debate público em torno dessas pautas deveriam representam o conteúdo para renovação/construção da Política com P maíusculo. Construida sim a partir dos conflitos e das diferenças, mas sem ser reduzida ao período eleitoral, a conluios de gabinete, a disputa por cargos, ministérios e quinhões do poder. Seu horizonte seria a produção do Comum, entendido como a gestão/distribuição democrática dos recursos, bens, espaços e riquezas materiais e simbólica socialmente produzidas. Esse debate - vital para nosssa democracia - tem sido privilegiado na Mídia hegemônica meus caros?

terça-feira, 29 de setembro de 2015

A luta de Classes Contemporânea: Notas sobre uma entrevista "policamente incorreta"




Para quem quer conhecer a luta de classes contemporânea!

O que podemos extrair dessa breve entrevista?

Em primeiro lugar, que tal luta  não tem a haver com "sangue",  mas "tem haver com os recursos postos para os 1%", tem haver afinal de contas, com uma 'luta de classes silenciosa", de "classes que monopolizam o acesso a bens escassos na sociedade  e condena outras classes a reprodução da miséria", uma luta que produz gente virtuosa, de um lado, e subgente humilhada e sem reconhecimento, por outro.

 Trata-se da produção e reprodução simultânea, posto que articuladas, da inclusão e da exclusão, da cidadania e da subcidadania, da riqueza e da pobreza, dos 1% e dos 99%.

 Classes sociais não são entidades abstratas que se reproduzem isolamente uma das outras, como certa filosofia liberal quer fazer crer, como se individuos e grupos sociais ascendessem socialmente somente "pelo empreendedorismo e esforço individual" (discurso meritocrático).

Ora, classes sociais, se constróem cotidianamente por relações sociais envolvendo todos os grupos e coletividades; se tornam carne e osso mediante relações de exploração econômica e dominação política que são invisibilizadas pelo débil e falso debate político que ocorre em nossa esfera pública.

Ora, a luta de classes  começa desde o nascimento (reprodução) geracional das classes sociais que tendencialmente possuem origem, reprodução e futuro comum. É uma luta diferencial e diferenciadora, posto que desigual desde a origem, pelos bens, recursos e riquezas socialmente produzidos em sociedade. Luta de Classes é acesso diferencial das classes a uma educação de qualidade, ao atendimento de saúde decente, ao "rancho" familiar mensal, a bens de lazer e entrenimento, a um casa confortável, ao tempo livre, ao reconhecimento social.

 A luta de classes acontece aqui e agora, somos parte dela e cabe a cada de um de nós lutar contra ou a favor das estruturas de privilégio que fundamentam uma sociedade injusta e desigual.

Daí que a superação dos privilégios corresponde a superação da sociedade de classes tal como conhecemos hoje, baseda na exploração econômica, dominação política com seus efeitos deletérios em termos de desigualdade, pobreza, humilhação,opressão, preconceitos e estigmas de várias ordens,

 A superação dos privilégios, corresponde igualmente, a tão falada "igualdade de oportunidades", uma ilusão propolada por liberais de diferentes matizes. Dai que o fim da luta de classes (no sentido aqui colocado) anda de mãos dadas com todos os mecanismos, reformas, práticas, discursos e movimentos sociais que buscam a justiça e a liberdade substântiva expressas na conquista de direitos, riquezas e reconhecimentos que tornam mais efetiva a "igualdade de oportunidade"e, por tabela, a luta contra reproduçao dos privilégios.

 Tudo está conectado, em interdependência e a distribuição/redistribuição dos capitais (cultural, econômico, político, de reconhecimento) tanto quanto  a transformação da quantidade (indivíduos considerados em números) em qualidade (individuos vistos como sujeitos e como classe) passa inelutavelmente pela desnaturalização das desigualdades (tematizando sua origem e reprodução) e  radicalização das lutas, resistências e mobilizações que atacam seus fundamentos.

Sim! tal desnaturalização e radicalização é um momento decisivo na busca do Socialismo, que nada mais é o resultado desses dois processos, daí que essa palavrinha é tão descredibilizada por setores e classes conservadoras da sociedade brasileira, afinal, valorizá-la significa atacar sistematicamente seu privilégio de ter privilégios, afinal, não se trata de socializar a pobreza como muitos falsamente propagam.Trata-se, em última análise, de socializar a riqueza, de redistribuir os privilégios, democrátizá-lo.

Muitos, inclusive liberais e neoliberais, buscam o socialismo mas não o sabem, pois desconhecem a natureza do modo de produção  em que vivemos, não percebem seus fundamentos e buscam reparar seus males com remédios que em geral aprofundam o mal-estar da civilização. Falta-lhes uma conversão de olhar, um deslocamento de perspectiva, uma troca de ponto de vistas, espero que essa entrevista seja a antessala para o reconhecimento dos verdadeiros problemas brasileiros: as desigualdades, sua origem, reprodução, efeitos e os discursos/ideias/teorias que a naturalizam/invisiblizam como "normal", quando em verdade é patológica nos termos em que se apresenta.

sábado, 4 de julho de 2015

"Quem nos salvará dos salvadores?": Da Grécia ao Brasil

"Quem nos salvará dos salvadores?" perguntava Alan Badiou há alguns anos quando a Troika (formada por Banco Central Europeu, Comissão Europeia e Fundo Monetário internacional) sob o argumento de equacionar o problema da crise grega desferia um golpe a soberania e um assalto ao povo grego - via planos de austeridade -  tendo em vista salvar os bancos privados.

Nesta entrevista breve, mas esclarecedora, Maria Lucia Fattorelli apresenta alguns resultados da auditoria da dívida grega, registrando a ilegalidade e ilegitimidade de uma dívida que ampliou significativamente os problemas econômicos, sociais e políticos da Grécia.

 Aponta com muita objetividade que o pagamento da dívida grega, especialmente a partir de 2010, tem sido um instrumento de saque e drenagem de recursos públicos para salvamento dos bancos privados. 

A Grécia estava ajudando os bancos com os planos de austeridade! Pagamento este que rendeu uma grade recessão ao país; sua economia reduziu 30%, salário dos aposentados diminuiu em 50%, 60% estão desempregados, o número de pobres e suicídios se ampliou consideravelmente.

O FMI, assim como o fez na década de 80 na América Latina, saiu desesperadamente em "socorro" aos países que teriam "gastado demais". Basicamente um socorro aos bancos privados e aos conluios destes com corporações, grupos empresariais e políticos que se beneficiam com suas operações financeiras. 

Sob o discurso da "ajuda", por um lado, e da culpabilização dos países ( "A grécia é culpada de sua situação") nações se ajoelham de maneira ilegítima sob o império da exploração financeira. Golpes financeiros rondam o mundo! E o Brasil não apenas esta na rota do saque como suas "autoridades" políticas e econômicas apresentam uma crença inflexível no remédio adotado:os planos de austeridade ou ajustes fiscais.

 O plano de austeridade que aprofunda as desigualdades e contradições, drena recursos financeiros para uma elite rentista e não toca nos privilégios dos super-ricos e milionários, simplesmente aparece como única opção possível. O fatalismo e a resignação são eficazmente inventados por "especialistas" da economia que tem suas vozes amplamente legitimadas e reproduzidas pela mídia hegemônica, o "príncipe eletrônico" da modernidade-mundo segundo Ianni.


A tendência é a situação brasileira se agravar, pois em nome da governabilidade o governo anula suas próprias condições de governar e rende-se as forças conservadoras - algumas reacionárias e fascistas - que dominam o congresso nacional e aproveitam a conjuntura crítica para apresentar e aprovar pautas extramente importantes para uma rentabilidade eleitoreira, mas de fato desprezível para o equacionamento dos graves e históricos problemas da maioria das classes subalternas.

A saída da crise em que vivemos certamente não é simples ou evidente, mas não tenho dúvida que passa pela radicalização dos movimentos sociais e pela defesa de reformas incontornáveis ( Reforma Tributária, Reforma Agrária, Reforma política acrescida da Auditoria da dívida e da reforma urbana) que parte significativa da esquerda deixou de lado para lutar basicamente em nome da democracia (burguesa) e seu Estado democrático de direito, deixando o Socialismo órfão de sujeitos que operassem sua práxis histórica.


sexta-feira, 19 de junho de 2015

A eficiência da greve como plataforma anti-austeridade e momento de politização.



Alguns colegas professores afirmam que a greve não é o melhor caminho, que está ultrapassada e que precisamos de outras formas de luta, pois criamos problemas com calendário acadêmico e prejudicamos os alunos. Mas eu sempre pergunto, quais são essas alternativas e formas de luta? Panelaço? Abaixo assinado? Conseguir dar 75% das aulas do período? Construir fundo anti-greve? Talvez a greve não seja a mais eficiente para conseguir certas conquistas específicas para categoria, mas quem disse que sua “eficiência” deve ser julgada unicamente sob esse prisma?

A eficiência de uma greve se mede por sua capacidade de explicitar as contradições da sociedade, desconstruir discursos mesquinhos, desfazer consensos fabricados, desafiar o poder constituído e suas redes de corrupção e conluio, sua eficiência se mede por sua capacidade de mobilizar e politizar a sociedade! Fico pensando no aprendizado não contabilizado em aulas, avaliações e notas produzido através de diálogos, reuniões, atividades culturais e conflitos entre os partidários e não partidários da greve. Pela primeira muitos alunos e professores debateram sobre política, perceberam o jogo partidário no interior da universidade, aprenderam sobre o funcionamento e papel de um sindicato, enfim, a greve é ineficiente apenas pela perspectiva utilitária e economicista do capital e das classes dominantes dentro e fora da universidade.

Muitos afirmam que a conjuntura não é propicia para nenhum ganho do movimento grevista, pois a crise econômica é séria e o pais não está crescendo. Mas eu me pergunto, devemos subordinar tudo em uma nação ao crescimento econômico? A conjuntura não é boa para que e para quem? Será que crescimento significa desenvolvimento? O “Milagre econômico” brasileiro que o diga! Crescimento da economia não significa automaticamente melhor distribuição de renda, poder e maior qualidade de vida para a população, pode ocorrer exatamente ao contrário!

Ora, as concessões de portos e aeroportos vão bem, o agronegócio recebeu quase 200 bilhões, as universidades particulares continuam recebendo somas milionárias do governo, o sistema da dívida pública continua drenando tranquilamente quase metade do PIB nacional (46%). A crise é para quem mesmo?

Percebemos notavelmente, não apenas no Brasil como em boa parte do mundo, que momentos de crise do capital, representam momentos de espoliação das classes e setores sociais subalternos, de forma que se realiza a socialização dos custos da crise através dos planos de austeridade ou ajustes que privilegiam e selecionam as classes trabalhadoras para pagarem a crise ao mesmo tempo que ocorre concentração de renda e poder nas mãos de 1%.

Certamente vivemos uma crise econômica nacional e internacional como partes interligadas de uma crise sistêmica do capitalismo desigual e combinado, mas ao mesmo tempo é importante registrar que os “remédios” e soluções para equacionar a crise em solo nacional, via ajuste fiscal, não é a única solução possível, um fato inevitável. Repito: Trata-se de uma opção política, está muito evidente que as opções ou remédios para saída da crise brasileira beneficiam diretamente o Capital em detrimento do Trabalho, isto porque os momentos de crise representam "oportunidades" para o refinamento das dinâmicas de concentração de riqueza e espoliação da classe trabalhadora, e o discurso da "segurança jurídica" e da "competitividade" (dos economistas do capital) - são quase sempre os os fundamentos legitimadores dessas operações.

Por fim, registro que em momentos de “bonança” as melhorias, por exemplo, em termos do salários dos trabalhadores e investimentos na área da educação são realizadas aos poucos e lentamente, contudo, em tempos de crise a dilapidação dessas conquistas ocorrem rápida e intensamente, geralmente seguida de processos de privatização se não nos opormos frontalmente a esses ataques. No caso especifico das universidade públicas nossa resistência significa a manutenção do caráter público da universidade face aos processos de mercantilização que ambicionam converter o “estar em sala de aula” em mercadoria.

A greve hoje, muito mais que uma luta por melhores salários, representa uma plataforma anti-austeridade, uma ação coletiva contra a opção de ajuste fiscal em curso que não é inevitável e poderia ser direcionado para as classes ricas e privilegiadas através da taxação sobre grandes fortunas, aumento de impostos sobre sobre heranças que no brasil é uma piada. Eu apoio a greve porque outro ajuste fiscal é possível e urgente! Um pátria educadora de fato se constrói com mobilização, organização e politização para construção do protagonismo cidadão crítico. Só a luta ensina!


!

terça-feira, 16 de junho de 2015

O SENTIDO DA "AULA NORMAL" NA UFAM







Aqueles professores que reduzem o sentido da universidade ao ato de "dar aula" são, em sua grande maioria, aqueles que atendem acriticamente ao menos duas funções:


" A primeira delas é a redução da universidade a mera formadora de mão de obra, ou seja, sua plena identificação com a posição do país na divisão internacional do trabalho cujos cursos de engenharia ou economia constituem expressão máxima.


A segunda é a redução da universidade a instrumento de colonialismo mental, cultural e científico a que, de fato, está quase limitada" Nildo Domingos Ouriques (2014)


Para aqueles professores que afirmam que está tendo "aula normal" é preciso registrar a normalidade a que eles se referem.


Infelizmente "Aula normal" para muitos alunos representa a relação ensino/aprendizagem da "educação bancária", aquela em que o "professor" professa o conhecimento "iluminado" e o aluno passiva e acriticamente recebe o "conteúdo" que vai "cair na prova", que provará apenas a eficácia em reproduzir conhecimento alheio sem a devida contextualização ou aproximação com os problemas reais da população.


Essa "aula normal" representa uma "universidade anti-povo", que quer viver de títulos e "status acadêmico" ,de um lado, e de outro, quer oferecer adestramento técnico para simples inserção dos alunos no mercado.


Essa "aula normal" aceita passivamente e resignada os problemas que afetam a população brasileira em geral e os cortes na área da educação em particular.


Essa "aula normal" é precisamente aquela que pretende construir conhecimento supostamente "neutro e universal", quando na maioria dos casos está apenas ocultando "todas as misérias de uma instituição a serviço da classe dominante, especialmente graves na periferia do sistema capitalista".


Essa "aula normal" que garante o "estamos em aula" dos alunos, sob o pretexto de garantir o calendário acadêmico, é aquela que não garante a anulação do processo de precarização das universidades em curso; é aquela que não contribui com uma universidade autônoma e com a reestruturação da carreira docente; é aquela que crê fazer um grande favor aos alunos formando-os apressadamente sem que os mesmos conheçam e reconheçam criticamente os problemas da sociedade na qual eles estão inseridos; é aquela que reduz a democracia a voto sem debate sobre o tema ser votado; é aquela que realiza assédio moral aos alunos, obrigando a muitos a estarem em sala de aula porque se não sofrerão retaliações; é aquela que não respeita um resultado democrático de deflagração de uma greve decidida em assembléia geral pela categoria.


Ora, estar em sala de aula é na atual conjuntura uma atitude resignada , fatalista e de aceitação do conjunto de problemas que afetam o funcionamento de uma universidade de caráter público, gratuito, de qualidade, popular e descolonizada! É em prol de qual UFAM que certos "amigos da Ufam" se mobilizam?

domingo, 3 de maio de 2015

Por que Socialismo? Notas para início de conversa.


Ofereço aos trabalhadores e as classes subalternas em geral uma pequena reflexão sobre a razão e a necessidade do Socialismo hoje. Um contributo inicial também para a reflexão dos primeiros construtores da UP Amazonas.

Por que socialismo? Por que não vivemos “o fim da história”, e a economia de mercado juntamente com democracia liberal estão em crise ao redor do mundo;

Por que o Capitalismo não foi o primeiro e nem será o último modo de produção e civilização;

Por que o socialismo é muito maior que as poucas e precárias oportunidades históricas que teve para realizar-se; por que o socialismo é mais complexo, plural, libertário e democrático do que a vã filosofia de direita pode sugerir;

Por que vivemos um cenário de crise sistêmica, onde várias crises convergem e as interpretações sobre essas crises e a produção dos “remédios” para solucioná-las são objetos de disputa e nós que queremos participar dessa interpretação e das soluções para os problemas que nos afligem. Não podemos deixar que as forças conservadoras e reacionárias apresentem soluções socialmente excludentes/indiferentes (fascistas), ambientalmente predatórias, economicamente falsas (deslocando o problema no espaço-tempo) e politicamente corporativistas;

Por que em se tratando de política não existe espaço vazio e esse espaço tem sido ocupado sobretudo por forças conservadoras e velhos políticos sem compromisso com as necessidades reais da população;

Por que queremos justiça social, Liberdade de fato, democracia sem limites e o fim da exploração;

Por que o socialismo é muita mais amplo e complexo que as concepções particulares e partidárias que tentam simplificá-lo, desqualificá-lo, diminui-lo etc..;

Por que outras formas de vida e trabalho são possíveis;

Por que outras relações entre homens e destes com a natureza são necessárias, na verdade urgentes;

Por que direitos formais resultam em liberdades formais, seletivas e excludentes e não liberdade da substantiva para maioria ;

Por que uma sociedade mais justa, livre e democrática é um imperativo urgente para uma civilização de fato;

Por que não devemos nos abster das lutas de nosso tempo!;

Por que não somos obrigados a participar de lutas e resistências através de movimentos ou partidos com os quais não temos afinidades ou que oferecem pouco espaço de diálogo para novos integrantes;

Por que toda construção representa um processo de politização, expressa um momento de problematização da realidade e da desnaturalização de seus problemas;

Por que um partido novo traz consigo os anseios, aspirações, desejos, demandas e necessidades das novas gerações, atualizando ao mesmo tempo a reflexão sobre temas e problemas das gerações passadas;

Por que essa criação é uma oportunidade singular para estabelecer diálogos e definir agendas face aos problemas locais e regionais;

Por que o Socialismo representa em primeiro lugar a busca incansável para atender as necessidades reais da população como um todo, essa busca é o que dinamiza o socialismo;

Por que socialismo é também uma construção social cotidiana, um estilo de vida, um modo de conviver e socializar que antecipa os germes da sociedade democrática e justa do futuro. Ela começa aqui e agora!;

Por que o Socialismo não se constrói per se, é obra coletiva produzida por sujeitos históricos. Nós!;

Por que o Socialismo não representa o fim da liberdade, mas sua condição indispensável;

Por que o Socialismo não produz autoritarismos, antes, é um golpe em suas manifestações;

Por que o Socialismo é Democracia sem fim...;

Por que o socialismo não é socialização da pobreza, ao contrário, é distribuição da riqueza socialmente produzida, que atualmente é privatizada e fonte de privações, limitações à liberdade e produtora de pobrezas e desigualdades;

Por que o Socialismo se rebela contra a privilégios e não admite dominação política e expropriação econômica;

Por que o Socialismo não é contra a propriedade em geral, mas contra as as grandes propriedades socialmente improdutivas ou economicamente exploradoras. Estas devem ser de propriedade e usufruto coletivo!;

Por que o Socialismo é uma reflexão teórica comprometida com os processos e lutas de transformação social;

Porque o Socialismo é a reforma indispensável para uma sociedade de todos....
Por que outra economia é possível!;

Por que outra Amazônia é igualmente possível e urgente; por que nossas desigualdades são abissais, nossas pobrezas amplas e diversas, nossos problemas inadiáveis, nossas políticas perversas;

Por que não podemos ficar dependentes da ZFM, por que nossa riqueza é privatizada e expropriada, ficando um resíduo de 4% de tudo o que é produzido;

Por que a liberdade coletiva/democrática é a pré-condição para o livre desenvolvimento das liberdades individuais.

O Brasil é de primeiro mundo para quem? De Masi confunde o pensamento crítico com pessimismo.

                De Masi já foi mais feliz em seus comentários e mais preciso em suas respostas. Nesta entrevista1 muita coisa que ela fala é contestável. Comento aqui rapidamente alguns pontos

         "Crise é algo transitório", certamente que é, mas é preciso dizer que a crise é transitória em termos,  quando vista por exemplo de dentro dos espaços nacionais, mas tudo muda quando vista sob outro enfoque, pois o sistema capitalista em seu conjunto sempre está em crise e processo de reestruturação, nesse sentido a crise é um elemento estrutural e permanente do sistema. Como diria Harvey, as crises são momentos de reconfiguração dos termos da acumulação em decorrência da baixa taxa de lucratividade, "crises servem para racionalizar a irracionalidade do capitalismo" e elas nunca são resolvidas, apenas "deslocadas no tempo e no espaço".


Que riqueza mesmo que FHC criou?? Privatizações a preço de banana? Não vamos louvar eternamente a estabilização propiciada pelo plano real né..

Aumento do poder aquisitivo dos pobres não significa distribuição de riqueza! Bolsa família não significa distribuição de riqueza! Esses gastos saíram do orçamento anual do Estado, uma migalha por sinal. Distribuição de riqueza se faz alterando a estrutura agrária com a reforma agrária, se faz realizando reforma tributária de caráter progressivo, se faz com reforma política anulando o poder econômica sobre a política..

Acho que PIB não é e nunca foi o melhor indicador para medir o "desenvolvimento" de um país, especialmente os países que foram colonizados, sofreram o impacto do imperialismo e tiveram uma industrialização com pesados investimentos estrangeiros. E grande coisa sermos o quinto em produção industrial quando a maioria dos países "desenvolvidos" estão lucrando em cima da "propriedade intelectual" (patentes), quando o setor terciário já é muito mais lucrativos em diversos países e ocupa posição central na produção de riqueza e sem contar que a produção industrial já não emprega como nas décadas precedentes. E vale lembrar boa parte dessas "industrias" são de empresas multinacionais, sua pátria é outra, mandam seus lucros para suas matrizes e se elas estão no Brasil é porque houve um processo de desterritorialização do capital buscando pastos novos com mão de obra barata para explorar..

Essas louvações de "Brasil potência", "Brasil Maior" etc.. devem sempre ser relativizadas, se por um lado houve avanços nas últimas décadas em várias direções é sempre importante assinalar as limitações desses avanços e os retrocessos em outros campos.

O Brasil é de primeiro mundo para quem? De Masi confunde o pensamento crítico com pessimismo. Certamente o Brasil avançou, mas não vamos confundir alhos com bugalhos; bolsa família com distribuição de renda. Industria com qualidade de vida, PIB com Desenvolvimento, diminuição da pobreza com diminuição da desigualdade, exportação de commodities com soberania econômica. Isso é o que acontece quando se tenta "medir" ou comparar as transformações na América Latina a partir de parâmetros, modelos e trajetórias dos países Europeus. Não tem muita coisa de louvável em ascender nessa escala "evolucionista" rumo a um suposto desenvolvimento que hoje se mostra ilusório, visto que as grandes conquistas desses países hoje se encontram em desestruturação, cadê o pleno emprego e o Estado do bem-estar social, a eliminação da pobreza e da desigualdade? Estamos seguindo um modelo que já mostrou suas limitações, que destrói a natureza, não resolve o problema da concentração de poder e renda etc..

sexta-feira, 27 de março de 2015

"São todos vagabundos e criminosos que escolheram ser o que são": Uma opinião reflexiva sobre um tema polêmico.

Estamos tentando eliminar um sintoma quando na verdade a raiz da doença sai ilesa. É claro que quando não nos sentimos protegidos e estamos vulneráveis – como na atual conjuntura - tendemos a apelar para medidas mais duras e conservadoras, mas tais medidas não equacionam o problema. Poderemos criticar e condenar amplamente esses menores quando nossa sociedade oferecer Oportunidades iguais para todos, educação de qualidade para todos, salário decente para todos, direitos que criam de fato igualdade de oportunidade. Se depois disso - o que no sistema capitalista não vai acontecer - o menor continuar "aprontando" aí sim podemo emitir as desqualificações de toda sorte.Enquanto tivermos desigualdades abissais de renda, poder, oportunidade e qualidade de vida, muitos sintomas terríveis vão aparecer e se reproduzir no corpo social e os discursos do Exemplo e da meritocracia serão nulos e falsos...

Me explico precariamente..

Trata-se de um falso problema; diminuir  a idade ou não simplesmente não resolve nosso problema, embora certamente alguns indivíduos e famílias fiquem “menos pior” ao saberem que os menores estão na prisão e não vão realizar outros crimes estando soltos.

É preciso dizer que diminuir a maioridade penal não reduz a criminalidade dos “menores” porque muitos realizam o crime mesmo sabendo que eles vão para prisão,  mesmo que tenham penas mais duras, mesmo que venham   a morrer no ato. Certamente não é uma justificativa, mas deveríamos nos perguntar porque alguém realiza delitos, rouba ou mata ? é acaso por simples prazer, profissão, sensação de aventura, simples maldade? Eles fazem isso porque?

SIMPLES ESCOLHA?

Não é simplesmente uma questão de liberdade, de mera escolha, de um certo x errado maniqueísta e tampouco “passar a mão na cabeça de vagabundo e marginal” como dizem por aí.
Acaso ele teve a oportunidade de escolher a família, o bairro, o país e a classe social onde nasceu?
Certamente existe alguma dimensão de escolha e de caráter, mas não é uma variável definidora da violência em geral e da violência juvenil em particular.

Ouvi um comentário de que muitos  roubam para ter seu tênis e camisa de marca etc. Mas acaso ele tem condições (dinheiro, emprego) para comprar um? Não é justificativa para o crime e bandidagem, mas tbm é uma variável que entra na explicação, até porque mesmo sendo um assalariado terá dificuldades para ter o que quer enquanto outros jovens o terão sem trabalhar, simplesmente porque nasceram em outra família, bairro, classe ou pais.

Que o menor deve pagar pelo seus atos e crimes cometidos, isso não se discute, a justiça deve ser feita independente de classe, cor e gênero (Embora saibamos que os favores da lei servem mais para uns e o rigor da lei para outros). O que se discute é a eficiência/finalidade de encarcerá-los juntamente com os demais criminosos, o que só irá ampliar as influências de uma psicologia e sociabilidade negativas.

Não é uma simples questão simplista e maniqueísta de que pobre está fatalmente condenado a realizar o crime ou ao contrário, o rico e bem instruído não comete crime..Não é esse o caso. Estamos falando de tendências, regularidades, “leis” sociológicas que condicionam as possibilidades sociais e psicológicas da criminalidade. Em outras palavras, uma pessoa ser pobre ou negra (ou pobre e negra) não significa que fatalmente ela vai realizar crimes, mas significa que por dimensões estruturais e de contexto de socialização marcados por desigualdades, pobreza, exclusão e outros fatores eles certamente vão ter “mais chances” ou menos resistência para realizar certas práticas.

 Não podemos entender o “caráter” de um indivíduo fora dos contextos sociais, fora da sociedade em que vivemos, o indivíduo não existe como abstração, ele existe como pessoa de carne e osso que sofre os condicionamentos de  um modo de produção e civilização que está longe de se fundar na meritocracia, se funda antes, na exploração do homem pelo homem e na obtenção de lucro a qualquer custo independente do sofrimento humano e contradições que possa causar.

Resposta a alguns comentários.

 Acaso “é a cor da pele que define caráter?” ..

Cor da pele não define caráter, mas o condiciona, ou vivemos em sociedade sem racismo? Um branco e um negro são vistos da mesma maneira em uma entrevista de emprego? O negro teve a mesma história social herdada que a do branco? Meritocracia do Brasil existe?
Cor da pele não define caráter, mas define preconceito, define aprisionamento, define exclusão, define estigmas e estruturas de classificação, inferiorização etc..

... "Educação vem de berço!"

 E que adorável berço tem a maioria da população brasileira né? Porque qui existe meritocracia, temos um ótimo sistema educativo, não temos pobreza e desigualdades abissais ou classes sociais; aqui todos tem oportunidades iguais e padrão de vida elevadíssimo, todos nascem com pais e mães responsáveis e temos um Estado que garante uma ótima segurança para população, um ágil sistema judiciário, sistemas prisionais ressocializadores onde os presos estudam e trabalham,  sem contar com as creches para as mães deixaram seus filhos enquanto trabalham, porque afinal de contas no Brasil todo mundo tem emprego, casa, direitos garantidos e ganha um ótimo salário, se alimenta bem, tem cultura e lazer de sobra em seus bairros; aqui no Brasil só entra na criminalidade quem quer, quem escolhe, por “diversão” e por ambição.

Este é o Brasil das fadas que não é levado em consideração por alguns que  convictamente acreditam ser a redução da maioridade penal uma solução para criminalidade juvenil, diminuição dos crimes e da impunidade. Podem baixar até para 15,12, 8 e ainda teremos os adultos de nossa justa sociedade que cometem mais de 90% dos crimes e dos quais 70% são reincidentes... O máximo que pode acontecer são os indivíduos e famílias vitimadas por crimes de menores terem alguma sentimento de justiça, alguma sensação de que nem tudo sai impune nesse pais. Mas os efeitos enquanto política que vá atua na resolução do problema da violência é praticamente nulo, considerando que menos de 1% dos crimes são cometidos por menores.

E não esquecem os interesses escusos que estão também por detrás dessa proposta, quem irá lucrar com isso? Trata-se da mercantilização do aprisionamento de menores e de pressão para privatização do sistema penitenciário para empresas privadas lucraram milhões com essa política de encarceramento, o exemplo dos EUA é emblemático nesse sentido, que tem mais de 2 milhões de pessoas encarceradas, sobretudo, negros.

E não me interpretem equivocadamente, é claro que não quero que minha minha família seja objeto da criminalidade de menores ou que esses – repito – saiam impunes de seus delitos, quero dizer apenas que diminuir a idade penal apenas aumentará os custos do Estado com aprisionamento sem repercussão alguma na causa ou raiz dos problemas, atacando desta maneira apenas um sintoma da doença social que nos afeta. Enfim, não se trata nem de defender diretamente a não diminuição da menoridade penal, mas apenas indicar sua ineficácia enquanto política que visa combater a criminalidade. Não, não existe pesquisa que mostre isso.


Até agora, de maneira acritica, tem prevalecido a  ideia de que é mais fácil e preferível punir do que educar, que é preferível punir do que tornar mais eficiente  ou modificar as políticas específicas existentes para menores como é o caso do ECA; que é preferível punir do que atacar a raiz dos problemas; que é preferível punir,  colocar no banco dos réus e pagar 3 mil reais por mês do que colocá-los no banco da escola; que é preferível – como indaga Freixo - entregá-los para o tráfico e para milícia do que enfraquecer as organizações criminosas;  que é preferível capitalizar politicamente em cima desse debate do que evidenciar o que ele traz à tona das contradições brasileiras. 

quinta-feira, 19 de março de 2015

Empresa "boa" é empresa privatizada! Eis o lema neoliberal.

Uma empresa só é bem vista e avaliada positivamente pelo "deus mercado" se ela é competitiva, produtiva, produz lucros fartos e  continuados, sem qualquer tipo de restrição 'negativa' por parte do Estado. Mas o “problema” que o mercado vê em relação ao Estado é bem relativo, só existe quando ele não cede latifúndios, quando não financia grandes projetos privados, quando não cria regulamentações para ampliação de mercados e lucros e, é claro, quando não socorre as grandes empresas e bancos em tempos de crise. Em outras palavras, o Estado só é terrível e maligno ocasionalmente, quando restringe um tipo de liberdade: a liberdade de lucrar indefinidamente sem restrições de qualquer natureza.

O Estado, nessa ótica,  agindo pela liberdade de mercado irrestrita, só estaria cumprindo sua razão de ser, sua natureza essencial, que seria nunca intervir nas mãos “invisíveis” e “autorreguladas” do mercado. O Estado “bom” e “ideal” para o mercado é sempre ocultado, naturalizado, oferecido como obviedade pelo discurso neoliberal, o Estado “perverso”e regulador (do lucro), por outro lado, é sempre visto, lembrado, publicizado, desqualificado, criminalizado, afinal, o Estado supostamente “terrível” o é, apenas única e exclusivamente para para um tipo de liberdade e quando a restringe: a liberdade de mercado.

O Estado para o discurso neoliberal e aqueles que tem suas atividades e lucros baseados em suas ideias é “Grande” apenas e na medida em que restringe sua “liberdade”. Havendo restrição nessa direção, imediatamente aciona-se a métrica (lucratividade, competitividade,”confiança” ) de avaliação do “deus mercado” e o mito do Estado gastador, improdutivo e cerceador da liberdade, adquirindo tais qualificações apenas nessas ocasiões especiais. Aqui aparece o complemento “remediador” do “Estado Grande” e Corrupto: O “Estado mínimo”. Mas o “mínimo” aqui é apenas em duas direções; de um lado, em termos de menos intervenção do Estado na liberdade econômica a qual deveria ser irrestrita e , de outro, de menos investimentos e recursos direcionados para classe de trabalhadores, direitos sociais, saúde e educação públicas. Fora desse horizonte, o mercado e seus agentes nunca desejaram um Estado mínimo, o desejam mínimo apenas na medida em que suas ações e gastos não beneficiem a valorização (centralização e concentração) do capital.

Percebe-se claramente que o problema não é um  Estado “grande”, o problema é um Estado “grande” para aqueles que dependem do Estado para ter acesso a educação, segurança e saúde públicas. Não desejam de fato um “Estado mínimo” ou só o desejam na medida em que os recursos do Estado não estão maximizando suas rendas, lucros, especulações. Investimentos e políticas sociais nesse enfoque seriam quase como desperdícios de dinheiro, afinal, cadê o “retorno” , “utilidade”, “custo-benefício” em tirar uma “barriga da miséria”,”em sustentar preguiçosos” e da “dar seguro vagabundagem”. Nessa visão unilateral e economicista os “recursos humanos” só são importantes quando dão retorno em termos de rentabilidade privada.

O Estado por esse viés, pode ser “grande” ou “mínimo”, não importa”!, o importante é não desperdiçar recursos em “lugares” que não induzam o crescimento..do capital, monopólios, oligopólios etc.. Tal perspectiva em âmbito privado significa: “se estou lucrando é em função do meu mérito, das minhas virtudes”. Pseudo-meritocracia e neoliberalismo andam sutilmente de mãos dadas, articulando ações individuais com implicações globais, independente do que isso possa causar. A meritocracia é uma falácia em uma sociedade capitalista, dividida de fio a pavio ao longo de séculos de produção de desigualdades e contradições.

Com tudo isto, quero dizer que, sob o enfoque neoliberal, a liberdade de ir e vir (locomover-se) não tão é tão importante se o capital está circulando livremente pelo mundo, entre países, entre os 1% super ricos e os 10% mais ricos, se o capital tem mobilidade pouco importa as limitações e precariedade do transporte dos trabalhadores, a locomoção destes se torna “problema” apenas na medida em que o lucro é interrompido por ocasião das manifestações populares e greves.

A  liberdade de se expressar e votar democraticamente também se torna um mero detalhe; se os lucros oligopólicos vão bem em um regime militar para quê liberdade de expressão? A liberdade e o direto de se transportar, de se alimentar com dignidade, a liberdade de ter atendimento médico decente e outras atividades são “problemas” para o neoliberalismo apenas enquanto são atendidas por instituições públicas, mas quando estas liberdades e direitos se tornam produtos e os cidadãos consumidores tudo se inverte, “o mundo fica melhor”, as “soluções” aparecem. Havendo essa inversão apenas os “virtuosos” que “trabalham”,”estudam” e “querem um Brasil melhor” teriam acesso aos serviços de qualidade oferecidos pelo mercado, por mais que o acesso seja permitido para 10% da população, os doentes sem dinheiro para pagar que se danem! 

Essa é a lógica podre e destruidora da lógica capitalista, ou você vê os grandes supermercados doando o que está prestes à vencer e as cadeias de restaurante oferecendo a comida que sobrou para os famélicos ou ainda uma empresa de qualquer natureza doar algum produto que teve algum problema na produção? Tudo vai para o lixo, inclusive a a dignidade humana. A principal corrupção é o próprio sistema capitalista estúpido!

A mercantilização/privatização do mundo, da vida e dos afetos é o objetivo não declarado do neoliberalismo, independente da desigualdade, miséria, fome, exploração humana, destruição da natureza ou regime político. Exatamente por isso, qualquer empresa que pública é vista “negativamente” (pois a desqualificação é apenas para diminuir seu valor para depois se apropriar) pelo perspectiva neoliberal. A empresa pública pode inovar, competir no mercado mundial e ter ótimos lucros, mas se seus lucros não são privados representaria um “problema”, sua “tendência” é falir e ser gerenciada por “quem entende do assunto”.

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Não importa o presidente no comando da nação, o partido na direção do governo, os políticos que configuram o congresso nacional, Sem uma reforma profunda no sistema produtivo/distributivo e no sistema político e, outra na sensibilidade de cada um (pois a corrupção ronda nossos pensamentos, sentimentos e ações) nenhuma distribuição/democratização do poder, da riqueza e da dignidade será possível. Sem esta revolução a justiça será apenas página do direito constituído; A dignidade e os direitos humanos, uma retórica; A liberdade, apenas a liberdade de mercado, do lucro, da dominação política e da expropriação econômica realizada por uma  minoria.


Depois dessa “viagem”, vale dizer que empresa boa é aquela que produz dignidade ao invés de desemprego; que produz solidariedade ao invés de competição; que deixa uma sociedade sadia ao invés de explorá-la ou envenená-la; que diz a verdade ao invés de produzir uma publicidade mentirosa; que não apenas pensa mas age em benefício das gerações futuras; que distribui e recicla ao invés de jogar no lixo etc.. Essa empresa não existe na realidade, a não ser como Tipo-ideal, mas pode ser um modelo para empresas que desejam outra economia e sociedade possível, onde a igualdade e a liberdade se darão as mãos para caminhar lado a lado.