Recentemente fui a Canutama,
Municipio do sul do Amazonas, colaborar com uma equipe do NUSEC/UFAM e CEUC em
uma OPP ( Oficina de Planejamento Participativo ), momento especialmente
democrático para definição do plano de gestão de uma unidade de conservação.
A cultura política da resignação
e subordinação associadas ao clientelismo e mandonismo local com seus
"patrões" persiste, contudo, há indícios de que vem sendo aos poucos
e cada vez mais desafiada pela multidão
amazônica. Uma má notícia para os pessimistas ( autoproclamados realistas) que
acreditam que nada muda nessas plagas. Por aqui também existe resistência,
certamente imprecisa, “sem” objetivos bem definidos, difusa e aparentemente sem
sentido, não deixa, porém, de ser um sintoma de mudanças subterrâneas que estão
ocorrendo.
Minha afirmação é
contextualizada, não expressa uma movimento inexorável para toda Amazônia,
aliás, é sempre bom lembrar que para alem da biodiversidade, nós temos muitas
amazônias em termos sociológicos, a exemplo da sociodiversidade indígena,
cabocla, quilombola etc. Vou afirmar apenas o que minha experiência permite
sugerir e uma sociologia das emergências na amazônia pode confirmar: lutas e
resistências rurais, mas igualmente urbanas estão crescendo em vários lugares,
em várias amazônias, o caso de Tapauá no sul do Amazonas é apenas um indicativo
de lutas e resistências que geram novas práticas, sensibilidades e
institucionalidades que, se imediatamente não geram grandes mudanças,
permitem-nos vislumbrar mudanças sensíveis em um horizonte não distante.
Em Tapauá, apesar da
precariedade da organização social e da tão falada “consciência política” criou
um ação destituinte singular: uma revolta popular no mês passado realizou uma
sistemática destruição de estruturas físicas de representação da política,
prefeitura, câmara e a própria cada do prefeito foram depredados pelos
moradores locais que também deram um”basta” face os desmandos políticos
reinantes no Município.
Para muitos,
verdadeiros vândalos, black blocs amazônicos, contudo, o fogo da multidão
representou a força da política silenciado, a válvula de escape das repressões
perpetradas pelas elites locais, a potencia política negada ou capturada pelas
forças políticas conservadoras que fazem de tudo para manter o povo na
ignorância, na dependência e subordinação. O fogo não atingiu apenas as
estruturas físicas, atingiu também símbolos do mandonismo, da hierarquia
família, da coerção e medo reproduzidos tradicionalmente. A oficina de planejamento participativo, da
qual participei, ocorrera algumas semanas depois do evento que reuniu na praça principal da cidade cerca de 2 mil
moradores indignados com os desmandos da política local e a corrupção sistêmica
que perpassava o legislativo e o judiciário local.
A experiência da OPP certamente
significou um momento fundamental e singular de democratização, afinal, momento
de politização são raros em muitos municípios do Amazonas. Alí se
experiência igualmente um fogo, este
democrático, cujas chamas vinham de muitas singularidades expressas em
indivíduos vindos de suas localidades e comunidade situadas no interior da
Unidade de Conservação, em um tempo radicalmente outro, onde a experiência da
pobreza é potencia de vida , a relação com a natureza de respeito e não de
domínio/exploração, mais sustentável que qualquer “desenvolvimento
sustentável”. Nessas plagas as estatísticas oficiais ( que vê apenas desvalidos
e miseráveis) e as representações
intelectuais conservadores ( que vê uma massa amorfa que deve ser salva pela
solidariedade dos “conscientes” ) se requalificam desde baixo e por dentro,
evidenciando a riqueza de “viver bem”, para alem da renda medida pelo IBGE. Um
diagnóstico recente do “territórios da cidadania” indicou que apesar de tudo o
que as medidas oficiais mostram, grande
parte desses “caboclos-ribeirinhos” estão felizes e satisfeitos com aquilo que
possuem.
Por fim, vale sugerir
que o fogo na casa do prefeito ( sim!,
queimaram sua casa ) e a depredação de seu
novo gabinete indicam certamente um momento de efervescência política em
que novos atores, práticas e experiências
ganham espaço para se consolidarem, se constituírem enquanto alternativa
política. Onde antes se via apenas autodesvalia, hoje mesmo que precariamente
pode-se visualizar um devir revolucionário
amazônico, um devir de construção instituinte, de alargamento da
cidadania não tutelada, forjada continuamente em um processo de construção
coletiva negociada, no máximo mediada por agentes que acreditam na mudança
autopoiética ( que se forja autonomamente ). Como diria Paulo Freire "crer
no povo é a condição prévia, indispensável, à mudança revolucionária. Um
revolucionário se reconhece mais por esta crença no povo, que o engaja, do que
por mil ações sem ela.
Nessa
perspetiva, creio que o futuro das unidades de conservação, assim como da
reinvenção política das sociedades amazônicas está na organização social, no
emponderamento de suas comunidades, na qualificação política de seu conselhos,
na consolidação da politicidade humana, isto é, daquela riqueza política que coloca
em suspensão as limitações da pobreza material e rompe com os limites do
possível, inovando possibilidades de realização histórica.
É assim que essa
minúscula parte do Amazonas se apresenta
não como lugar do exótico, do inferno verde, do lugar isolado “fonte de
fantasia”. Surge também, para além da natureza, como cultura e fonte de
resistência. As “metamorforses” do povo em multidão que resiste também ocorre
entre os “bárbaros”, aliás, sobretudo neles.