domingo, 1 de janeiro de 2012

A outra face do ano novo: renovação da miséria humana.

       Após eu fazer o seguinte post no facebook “ Fui ali na praça da glória fazer minha última refeição de 2011.Sentado na cadeira me pus a observar, um bêbado aqui, um pedinte aculá, uma juventude 'brincante' e uns velhos à rezar” Frederico Cesarino me sugeriu e Antonio Luiz reiterou a sugestão para eu fazer um artigo a respeito. Não gosto de fazer artigos, mas não me impediu de elaborar um pequeno texto contextualizando a breve experiência.

       Ao sair de casa logo senti a vivacidade das pessoas, a efervescência da cidade; sorrisos, cheiros e abraços, me vi em meio a alegria e a esperança, esta vestia-se de branco e anulava a escuridão da noite. Contudo, após chegar a uma pracinha próximo de casa para comer, não demorou para o encanto inicial dissolver-se e minha atenção ser capturada por outras experiências, travestidas de cores nebulosas e de sentimentos incoerentes com a renovação que traz a passagem de ano. ( A praça em dias comuns apresenta-se sempre lotada; crianças brincando, jovens e famílias inteiras consumindo, se alimentando e assistindo as não sei quantas novelas que passam durante a noite ) Na praça, apenas um lugar disponível para minha última refeição de 2011 e, apenas a única luz de renovação aparente. Ao meu redor, a outra face de experiências humanas que geralmente passam despercebidas no cotidiano, me envolve e me ilumina outra passagem de ano. Experiência invisível se fez vida e presente, ainda que moribunda e deprimente.
        Eram espectros de pessoas que eram a contraposição absoluta da celebração do novo que mitiga as dores e sofrimentos e que renova as esperanças para um ano de paz, saúde e conquistas.
       Não, não era uma multidão deles, eram poucos comparados àqueles que corriam desesperadamente atrás de um taxi para celebrarem a passagem de ano na ponta negra. Alem desses havia alguns outros como grupos de jovens eufóricos com bebida na mão e alguns velhos que entravam na igreja em frente para orar.
      Eram poucos naquela praça, mas representam os milhares das milhares de praça espalhadas por Manaus e pelo Brasil.
      Um amigo me acompanhava na refeição e conversávamos sobre os sentidos da passagem que há poucos minutos estava para acontecer. De repente, um dos espectros que rondavam a praça se direciona cambaleante em direção a nós, cabisbaixo se pronuncia “ dá pra arrumar um trocado pra gente..somos da rua, moramos na rua,quebra essa”. Meu amigo lhe deu algum trocado e eu lhe 20% do dinheiro que tinha, meros 2 reais, o sujeito agradece com um sorriso pálido e retorna aos seus pares. Meros 2 reais que certamente se converteu em um valor para eles, valor que nunca vou saber.
         Depois de o presentearmos de bom grado com o trocado, após senti-lo, concluímos em conversa que será apenas mais um ano que passará para ele e seus pares, apenas ‘mais um’ que “passará” no sentido de repetição, pois as perspectivas de mudança, a possibilidade de alteração de sua condição social - miserável - não se insinuava em seu olhar, não transparecia em sua face suja e no tom de sua voz. É apenas mais uma passagem para dia seguinte, mais um dia novo. Renovam-se às humilhações e violências contra sua pessoa, projeta-se uma nova busca por alimentar-se e continuar vivo, rejuvenesce sua desesperança nas oportunidades e na solidariedade humana. É a renovação da sub-cidadania e da indignidade que eles comemoram.
      Terminada a refeição o trajeto de volta para casa anuncia a virada, começam os primeiros gritos e fogos. Chegando em casa, retorno ao mundo virtual para renovar minhas mensagens no facebook, trazendo o registro de uma experiência que é vivida por milhares de pessoas em meio a “ grande virada”. Uma experiência tão comum que ,como diria José Saramago “demanda tão pouco que tende a ser despercebida”. E assim foi meus últimos minutos de 2011 e os primeiros de 2012: foi o reconhecimento e desnaturalização de outras “viradas”, outras “passagens” com menos êxtase e fartura. Foi mais um irromper de consciência. Foi mais uma mudança de mundo, do meu mundo.

Um comentário:

  1. parabeeens alex, otimas observacoes meu caro. Se nao fosse tao tarde, e eu nao estivesse com tanto sono, eu arriscaria dialogar com seu texto. Queeeem sabe amanha, grandeee abraco, e que vc tenha um otimo ano novo!

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