quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Oikopolítica para Amazônia: bases científicas para o desenvolvimento regional




“A Amazônia tem sido vítima de suas incógnitas e de sua própria grandeza. A enormidade e diversificação de sua massa crítica continental de terras, selvas e rios, compõem os autos de um processo contraditório, no qual perguntas ficam sem respostas, acusações sem defesa, oportunidades sem realizações, destruições sem usufrutos, e até custos sem benefícios”
  

Embora publicado na década de 70, o livro de Samuel Benchimol "Uma Oikopolítica para Amazônia" lança raízes em suas reflexões das duas décadas precedentes, duodécada que o oferece os desafios, problemas  e  a maturidade necessária para pensar a formulação de um modelo teórico e político para dar conta da complexidade amazônica em sua multidimensionalidade. 

Uma oikopolítica para Amazônia, enquanto publicação, é resultado de sua participação no Simpósio nacional da Amazônia promovido pela Comissão do interior da Câmara dos Deputados em 1979. Trata-se de uma oportunidade que Benchimol teve de apresentar os pressupostos de uma nascente ciência, a oikopolítica, “nova ciência interdisciplinar na fronteira da economia, da ecologia, da sociologia e da política” para lidar com o “estudo da complexa Amazônia. No entremeio da explicação de sua proposta apresenta a Amazônia em sua megatonagem geográfica, botânica e fluvial, registrando seu potencial econômico (“painel Oikopolítico”), a grandeza de suas riquezas e seus possíveis usos, considerando os erros e dilemas envolvendo o aproveitamento desses potenciais. Não deixa, como de costume, de sugerir opções estratégicas (política florestal, agrícola, pecuária) face as ameaças e desafios que se apresentavam. Opções ancoradas em sua Oikopolítica para Amazônia.
            Além de conceber uma Amazônia de múltiplas vocações (Varzeana, Fluvia/Lacustre, Mineral, Hidrelétrica, Florestal, e Industrial) Benchimol realiza críticas, faz alertas, registra aspectos negativos da conjuntura do desenvolvimento amazônico e, por fim, acena para possibilidade de uma “política sadia” para Amazônia, pois esta “tem finitude e fragilidade”.
Do mapeamento, prospecção e registro de descobertas cujo potencial pode garantir o pagamento da dívida externa brasileira, o autor realiza algumas críticas vinculadas ao uso desses recursos, uma delas se encaminha aos planejadores da Sudam relativos aos seus erros expressos na criação do “Mega boi” e “Mega selva”.[1] O primeiro de resultados econômicos duvidosos, “mas quase certos pela destruição do ambiente”, concebido longe dos mercados consumidores e desconsiderando a necessidade de pesquisa “agronômica, pedológica e florestal para se determinar até que ponto a agressão ecológica desequilibraria o meio ambiente”. O segundo se consolida como “mercantilização do processo do aproveitamento indiscriminado da floresta”, evidenciadas através do amplo interesse de realizar a “cubagem da floresta” para geração de estimativas de seu preço. Um e outro se constituíam em “ameaça e desafio” para o autor, devendo urgentemente ocorrer suas avaliações “antes que seja tarde demais, a fim de que o bom senso e a perspectiva histórica do desenvolvimento sejam considerados em todos os seus desdobramentos atuais e futuros” (BENCHIMOL, 1979,p.76)
O autor alerta (sem catastrofismos, combatidos em outras ocasiões) para o ritmo de devastação em curso na região decorrente da abertura de estradas para a integração amazônica, mas que despertou a cobiça das “capitanias empresariais bovinas”[2] e dos latifundiários e que oportunamente foram beneficiados rastros dos projetos do Mega-boi e Giga-Selva , “aqueles convertendo ricas florestas em pastos pobres e estes derrubando árvores nobres e de lei, vendidas a preços vis na origem, extinguindo a flora e a fauna” (BENCHIMOL, 1979,p.29).
Ao registrar que a Amazônia é “uma das grandes regiões piscosas do Brasil interior” (item 26 do seu “Painel Oikopolítico”, Cap. III) alerta para possibilidade de uma rápida chegada ao “limite de desfrute de auto-sustentação oikopolítica, além do qual poderíamos mergulhar no desastre da pesca ambiciosa e predatória”, a qual pode levar “à extinção das espécies, e observar a manutenção de uma taxa ótima para uma pesca auto-sustentada”. Prossegue afirmando que,

Com a abertura dessa nova frente comercial, poderemos causar um holocausto maior do que a destruição da floresta. É que o homem amazônida vive na beira do rio e depende do peixe para comer e viver. (BENCHIMOL,1979,p.29)

Neste item como na maioria dos outros Benchimol reclama a necessidade indispensável de se intensificar os estudos científicos na região, tendo em vista respaldar as ações políticas e os projetos de desenvolvimento sem “dar um salto no desconhecido”, o que poderia trazer sérios problemas para o ecossistema e populações amazônicas.
No item 1.12 “Barragens e uso florestal” de “Vocações Amazônicas” (Cap. V) fez uma alerta premonitória sobre a construção da hidrelétrica de Balbina, sugerindo na ocasião que se realizasse o desmatamento da área a ser alagada fazendo-se uso das árvores das florestas, inclusive para financiar o custo da hidrelétrica, caso contrário, “o afogamento da floresta e o seu apodrecimento poderá causar danos irreparáveis às turbinas, havendo o risco de agentes químicos da decomposição destruírem tudo sob às águas, tornando inúteis os investimentos”. O que de fato aconteceu. E na ocasião indagava:

“Por que então, ao invés de se dar um salto no desconhecido, não se concentram esforços de exploração madeireira nessas áreas de barragens, que terão de inundadas, ficando a floresta inteiramente devastada” (BENCHIMOL, 1979,p.56-57)

Além dessas alertas, o autor realça que muitas ações e processos em curso que pretendem desenvolver a região em âmbito urbano e rural , a despeito de seus aspectos positivos, tem gerados novos problemas e estão longe de equacionar os antigos, daí faz notar os problemas de urbanização, de mortalidade infantil, subnutrição, hanseníase, as parcas vagas oferecidas nas universidades
            Após esse preâmbulo que sintetiza parte das proposições que perpassam seu texto, cabe-nos apresentar as linhas gerais de sua Oikopolítica.
                Benchimol argumenta que  a herança indígena (cultura, visão de mundo, visão de Amazônia de mais justa) depois de desprezada pelos “conquistadores d’armas,” fora substituída por estudos e imagens que concebem a “Amazônia mais em termos de grandeza,” visualizando-a “em sua enormidade, sem pensar, ou pensando pouco, na sua fragilidade.” E mais, essas investidas interpretativas em geral “bastante fracionadas e segmentadas”, não possuem não “no sentido continental, os graus exigíveis de conexão, correlação e interdependência necessários ao estudo sistematizado do fascinante universo”. Terminam por rejeitar “a dúvida, a incerteza; prefere-se dar grandes saltos no desconhecido, perdendo-se o senso de distinção entre o verdadeiro e o falso, entre o fato e a ficção, entre a realidade e a fantasia” (BENCHIMOL,1979,p.3-4)
Oferecendo exemplos das implicações desses enfoques o autor argumenta que “a economia pode nos levar à cupidez; a ecologia pode nos conduzir ao imobilismo; a política pode nos forçar a aceitar valores e modelos perversos”. É diante desse cenário que, segundo autor, urge a necessidade, “ uma ciência deveras abrangente, multi e interdisciplinar, ciência que há uma década proponho – a OIKOPOLÍTICA, necessária ao estudo da complexa amazônica.” Acreditava que a falta de uma Oikopolítica era o motivo pelo qual a  poesia e o romance amazônico tenham se proliferado “em contraste com os poucos estudos científicos da gente amazônica, sem compromissos com o histórico, só com o verossímil”. Essa incapacidade de “percepção analítica” teria levado muito, inclusive o autor “como réu confesso, a visualizar a Amazônia através de sua megatonagem física, da sua grandeza continental. (BENCHIMOL,1979,p.6)
Referindo-se a esses enfoques enfatiza que,

alguns desses decorrentes conceitos são válidos, se os números em que se apóiam são verdadeiros. Muitos porém, devem ser considerados com a cautela e senso crítico, para que o infinito geográfico e a potencialidade econômica não conduzam a um modelo político perverso, muito embora construído com a melhor das intenções, porém deturpadas pela inocência útil, falta de vivência, pressa improvisada, sabedoria arrogante ou incompetência treinada, auto-suficiência ou simplesmente vontade de não ser omisso e tentativa de fazer algo para justificar as presença. (BENCHIMOL, 1979,p.6)

Para não se incorrer no risco de, através desses enfoques, se construir modelos políticos perversos para Amazônia Benchimol sugere que “somente um enfoque oikopolítico, de caráter interdisciplinar, abrangente da economia, da ecologia e da política, poderá permitir a construção de um modelo mais justo e adequado”. Acreditava que  somente a nova ciência, a Oikopolítica, por

“favorecer um estudo universal combinado do Homo Sapiens, de Lineu, que pertence ao ecólogo, com o Homo Oeconomicus, de Adam Smith, que se insere no setor produtivo, e com o Zoon politikon, de Aristóteles, que pertence ao domínio da boa política, seria capaz de repensar e reavaliar a nossa Amazônia.Enquanto isso não se realiza resta repetir conceitos faraônicos, apologéticos, ufanísticos, hiperbólicos, alguns até triunfalistas. (BENCHIMOL, 1979,p.7)


É essa visão ampla, holística, oikopolítica que inspirava o pensamento de Benchimol. Nela  se combinariam “os aspectos econômicos e os aspectos políticos, não apenas justapostos ou paralelos, mas interligados por dependência, cada aspecto com suas peculiaridades, processando-se a integração de todos os seus componentes”.(BENCHIMOL,1979,p.33)
Mais adiante reafirma sua perspectiva de integração de saberes necessárias para a o entendimento adequado da Amazônia:

A Oikopolítica reúne as fonte da economia, da ecologia e da política, interdisciplinarmente, promovendo uma visão multifocal e sugerindo uma compreensão globalizada. No caso amazônico, a Oikopolítica é abrangente. A Amazônia é vista como um complexo, e só assim podemos compreender, holísticamente, as suas peculiaridades e diferenciações, sem violentar e fragmentar a sua multivocacionalidade. (BENCHIMOL,1979,p.36)

Benchimol reconhece que se, por um lado, a metodologia oikopolítica, “do ponto de vista intercientífico”, não apresentaria grandes dificuldades teóricas e conceituais, sua operacionalização, por outra lado, encontraria, dificuldades diversas, “pois os diferentes aspecto muitas vezes entram em conflito  e se chocam, ao se defrontarem a realidade amazônica”. Sublinha que especialistas de distintos “níveis profissionais tendem a encarar essa realidade sob óticas próprias, unilaterais, para, para não dizer paroquiais”. Os ecólogos tenderiam a  “defender a preservação da Amazônia a qualquer custo”; os economistas perceberiam-na nas perspectiva de sua utilidade e rentabilidade; os políticos, “voltados para o compromisso histórico da nação”, teriam receio “que a sua exploração” descambasse “para a espoliação e alienação”. (BENCHIMOL,1979,p.43)
Diante desse impasse o autor finaliza seu texto registrando a dificuldade de conciliar os diversos enfoques e que a superação dessa dificuldade exigiria 

uma mudança de atitudes e de comportamento em cada especialista envolvido, para que adquiram uma visão mais ampla da multivocacionalidade, habilitando-se cada um à conciliação, embora admitindo riscos calculados, para elaboração de um projeto consensual e abrangente, que leve em conta, sobretudo, os interesses do homem amazônida como integrante da nacionalidade brasileira.(BENCHIMOL, 1979,p.43)

            Nesse registro e em outros argumentos de Benchimol fica evidente a defesa da centralidade dos interesses, visões e valores do homem amazônida como elementos  indispensáveis para balizarem  qualquer proposta científica, política ou econômica que se oriente para Amazônia.
Não há dúvidas de que além de ciência e metodologia empenhadas em interpretar e analisar a complexidade amazônica – combatendo simplificações e fragmentações - a Oikopolítica se constitui igualmente em instrumento de caráter político para orientar ações, programas e projetos para uma estratégia de desenvolvimento integral da Amazônia, estratégia que tenha como prioridade, de um lado, a valorização dos valores e conhecimentos acumulados pela indigenidade e pelos caboclos e,  de outro, considera a diversidade ou o mosaico de Amazônias em suas diferenças e particularidades. E, por fim, que sirva de instrumento de combate a pobreza, as disparidades inter-regionais, a concentração e desperdício de recursos, aos problemas de ocupação tematizados em seu painel Oikopolítico.
Esse é o panorama geral dessa publicação na qual o autor apresenta as linhas gerais de seu modelo, anota as dificuldades operacionais de pô-lo em funcionamento, mapeia e problematiza alguns enfoques (racionalista, utilitarista,empírico-tradicionalista,predatório radical que buscam explicar e procurar soluções para os problemas amazônicos, realiza um inventário de suas potencialidades (multivocacionalidades) ao mesmo tempo em que critica e alerta para as repercussões negativas dos projetos em curso, sempre sugerindo opções políticas para suas readequações. E, no mais, em suas reflexões o autor já inseria como variável de análise em suas problematizações as noções de incerteza, caos, entropia e complexidade, tão em voga nos dias que se seguem[3].

Referência
 
BENCHIMOL,Samuel. Uma Oikopolítica para Amazônia. Manaus, 1979.106 pg. Edição xerografada.
 


[1]O boi e a floresta, por implicarem agressão ecológica à tropicologia amazônica, têm que ser melhor estudados para se evitar a planetarização amazônica, não mais pela intocabilidade panteísta, mas pela desertificação substitutiva” (p.77)
[2] “ Como se fosse o paraíso terrestre dos grandes latinfúndios, a região foi loteada para 337 capitanias empresariais bovinas” (p.21)
[3] À título de informação importa registrar que a incorporação da noção de entropia emerge em um contexto no qual o autor refletia sobre as “necessidades e vantagens interdisciplinares; refletindo senti que brotava as primeiras idéias oikopolíticas, socorridas por um conceito do romeno Gerogescu, citado por Celso Furtado in O Mito do Desenvolvimento econômico (...) Daí  concluí-se que toda economia moderna é altamente entrópica, altamente desorganizada, altamente poluidora” (BENCHIMOL,1979,p.38)

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