A polêmica é
sempre oportunidade para dialéticas de esclarecimento, para alargamento de percepções
e consciências, para realização do debate democrático.
Vejo
pulular na rede tanto textos e vídeos contrários ao MPL ( Movimento Passe Livre
) quanto aqueles que o apoiam, voltados
a evidenciar a violência estatal através de seus aparelhos repressivos. O
movimento aparece ora representando todos, ora representando ninguém. A massa
ou o povo, segundo os textos e vídeos disponíveis, adquire contornos, dedos e
corpo da classe média, da mídia dominante, dos jovens delinquentes, burguesia
fascista, partidos da esquerda à direita . Essa pluralidade de referências ao
movimento e suas interpretações refletem a posição social, política e
existencial daqueles que “informam” suas versões, opiniões, críticas e
verdades. O fato é que o movimento não pode ser reduzido a nenhumas dessas interpretações,
na verdade, a maioria são, de um lado, desqualificações do movimento e, de
outro, petistas, esquerdistas e tucanos se acusando reciprocamente na busca dos
responsáveis pela situação.
Alguns afirmam que não teriam
trabalhadores no movimento, só jovens da
classe média,”playbois”, “rebeldes sem causa” que nem sentiriam “o peso das
passagens”, mas isso seria motivo para desqualificar a luta e suas atitudes? As pessoas só se engajariam em causas que
dizem respeito a sua classe?
Há
aqueles que insinuam que o movimento foi muito espontâneo, sem bandeiras, lideranças,
a partidário etc.Mas há igualmente aqueles que afirmam que o movimento seria
programático e não teria nada de espontaneidade; partidos políticos
esquerdistas e tucano estariam alí infiltrados, direcionando ações, manipulando as “massas” para atacar o governo
petista. Seria uma oportunidade ímpar para tal intento. Seriam simplesmente uma
massa de manobra usada pela direita e pela mídia hegemônica? Estariam apenas
depredando patrimônio público e deslocando policiais para atividades
improdutivas? São perguntas que expressam no mínimo uma pobreza analítica sobre
o movimento, não visualizando nele capacidade inventive, reconstrutiva,
possibilidades de realização democrática, controle e pressão social sobre as
instituições que governam este país.
Não
podemos negar os diferentes discursos, críticas e desqualificações revelam
facetas do tema em questão, qual seja; o transporte público enquanto “direito a
cidade” e a legitimidade ou não dos movimentos que almejam esse direito.
É
importante reconhecer que existe tudo isso junto e muito mais, são muitas intenções,
interesses, desejos, singularidades em jogo, mistura de ações programáticas com
espontaneísmos, oportunidades para se sentir útil etc... não podemos realizar
diagnósticos simplistas e unilaterais do tipo “isso é uma ação programática da
direita que manipula a massa”, “trata-se de ação da extrema esquerda com a
direita para desestabilizar o pt”, “ isso é um ato irracional de vândalos”, isso
é…..x, y,z. Pelo que li a coisa é muito mais complexa do que muitos imaginam, o
movimento envolveu para o bem ou para mau classe média, classe trabalhadora ou “nova”
classe média, movimentos ecológicos,
movimentos de habitação, movimentos de “direito a cidade” e outros.
O movimento é necessário, componente indispensável de mudança social, econômica
e política. Mas nunca esqueçamos que ele nunca é homogêneo, mas sempre plural,
contraditório, sujeito a muitas determinações e, igualmente, a desdobramentos
insuspeitados.
Tais situações, penso, permitem insurreição de consciências,
momento de politização sobre os problemas nacionais. Não, sem essa de que eles
são apenas “massa”, objeto de manobra, é
também multidão de singularidades que se reinventam no calor das lutas, que reorientam
energias e ideias para construção do comum! ( Passe livre!) O movimento é também
movimento de subjetividades; não se resume a contestar alguns centavos de
aumento mas representa um sintoma da insatisfação geracional com o modelo de
política e de desenvolvimento realizado pelo Brasil ( e pelo Mundo ) nas
últimas décadas neoliberais. Sim, está em causa os sentidos e ambivalências do
Lulismo, depois de alimentada a multidão quer mais! Em boa parte surgida no âmbito
do governo do PT, a “nova classe média” que ao contrário do que alguns
analistas pensam ( classe despolitizada
e consumista ) é também classe subjetivamente crítica e criativa; que uma hora
cessa de aguentar porretes e exploração e afirma-se, como diria Bruno Cava,
como força viva e produtiva de outro mundo.
Por fim, ao realizar diversas leituras pela
rede percebi como nostalgias e utopias também se apresentam igualmente no
horizonte de lutas, práticas ou ideológicas. A nostalgia se apresenta com a referências aos movimentos pretéritos, suas conquistas e uma pretensa autenticidade quando comparado aos atuais. A utopia aparece seja como fonte
de inspiração para mudança ( Pró-MPL ) ou ainda como fonte de resignação para manutenção
do “status quo” ( Contra-MPL ) supostamente desqualificando a idéia de Passe
Livre como uma realização impossível, utópica.
Ora, ser utópico atualmente é a maneira mais realista de existir em um
mundo com crises múltiplas que atentam contra a justiça e dignidade humana.
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