domingo, 12 de outubro de 2014

PT e PSDB: Equilíbrio de contrários?





A dialética do poder entre PT e PSDB lembra a noção de equilíbrio de contrários de Gilberto Freire, uma dialética sem síntese, baseada em uma relação tensa, mas que sempre se harmoniza através da justaposição dos contrários, da anulação das diferenças. É a reformulação da Casa Grande & Senzala em outros termos, é a democracia eleitoral pacífica; democracia dos consensos, alianças, conchavos, governabilidade. Nesta democracia os conflitos, as resistências e dissensos seriam apenas aparentes, resultados imprevistos de um povo emotivo e apaixonado que gosta de brigar, mas logo em seguida se reconcilia e vai comer pizza com seu objeto de crítica ou de oposição.

Nessa narrativa ou "invenção! não seria importante a marcação de diferença, isso não existiria  aqui, seríamos  todos iguais, posto que brigaríamos pelos mesmos objetivos, as divergências seriam de "superfície!. Assim como a “democracia racial” afirmou a positividade da relação entre negros e brancos entre nós, da mesma forma a polarização PTXPSDB representaria a positividade das relações entre as classes sociais.

Ora, é preciso dizer que PT-PSDB parecem irmãos siameses, um não respira sem outro, a derrota absoluta de um automaticamente anularia as condições de vida do outro. A dependência é tanta que não revezam apenas o poder, o discurso, as críticas e as práticas também sofrem rotações e complementos, tanto é que seus governos vistos em perspectiva histórica se complementam. Um segue e potencializa a política econômica do outro. Este promete “aperfeiçoar “ as políticas sociais daquele. Bestas somos nós que  muitas vezes brigamos, xingamos e  nos desqualificamos reciprocamente para manutenção do mesmo sistema político e seus irmãos siameses. Assim como socialismo não faz sentido sem capitalismo, da mesma forma PT não faz  sentido sem PSDB, ambos se construíram como polos antagônicos, mas que com o passar do tempo se tornam complementares e quiçá poderão desaparecer juntos um dia. Por enquanto, ambos prosseguem inexoráveis, afastando ou incorporando qualquer alternativa ou brecha democrática que coloque em risco a confortável dicotomia.

Outrora,  a afirmação ideológica da democracia racial (síntese harmônica entre raças) contribuiu , de um lado,para naturalizar relações de dominação (relações de poder) e exploração (relações econômicas) e, de outro, permitiu uma  costura modernizante para construção de um Estado-Nação homogêneo em que todos se sentiriam pertencidos, procedimento que se fez capturando politicamente elementos de várias expressões culturais simultaneamente à anulação de  diferenças, diversidades, epistemes de grupos e coletividades. A nação fora “inventada”, o mito erigido, mas longe de um país  homogêneo e sem conflitos o que existe é uma diferenciação pelos quatros cantos do país e com elas lutas por direitos e reconhecimentos.

Hoje a afirmação ideológica da única dialética possível (PTXPSDB) igualmente naturaliza e legitima os vícios, desigualdades, hierarquias e consensos perversos que estruturam o sistema político  e sua democracia representativa com poucos partidos hegemônicos. Fazem, produzem, inventam um imaginário político  no qual  não há outra política possível para além dessa polarização, quando na realidade o devir-político é muito mais rico, potente e diversificado do que essa vã binaridade crê. Muitas reinvenções contra-hegemônicas estão ativas e resistentes, outros modos de pensar,  fazer e compor as diversidades nacionais são possíveis.
           
Sim! Essa polarização reflete também o modo como a identidade nacional fora construída, como a multiplicidade e a riqueza brasileira fora reduzida, silenciada e traduzida ideologicamente em pares binários: Casa grande & Senzala, Sobrados e Mucambos , Elite e povo, Café com leite, casa e rua, Estado e Mercado. Esta última polarização é a invenção-mor  que conduz e simplifica o debate político em todo o mundo, como se não fossem faces da mesma moeda. Se é pra de afirmar se esquerda, que seja se afirmando  através  lutas e resistência contra os privilégios e , portanto, contra as injustiças e desigualdades, esteja quem esteja no poder, inclusive eu.

         Não se trata de negar as conquistas do PT e tampouco evidenciar que ele é igual ao PSDB (este texto registra diferenças pertinentes:aqui). Trata-se apenas de enfatizar que ambos constituíram-se reciprocamente e que tal constituição tem conexão com lógicas e representações que "inventaram" a nação e o pertencimento ao Brasil.

















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