quinta-feira, 15 de maio de 2014

A Chave explicativa Global-Local: um momento lógico de esclarecimento.



Desafiando-me ao participar de uma seleção para professor de Sociologia da UFAM fui movido, pelo sorteio temático realizado, a dar uma "aula" sobre o Global e o local: Amazônia no Século XXI. Transcrevo abaixo a introdução que fiz da aula, texto escrito na tensão de apresentá-lo menos de 14 horas depois como ponto de partida da minha exposição.


Sem essa dimensão lógica a Amazônia sofreria de um déficit explicativo; não se pode compreendê-la ou interpretá-la isoladamente, sem situarmos sua geografia no âmbito das relações, processos e estruturas que agenciam a globalização. Sem essa chave analítica a Amazônia e o mundo seriam representados analiticamente pela desordem e pelo caos. Seus processos culturais, econômicos e políticos que  lhes são constitutivos são melhor visualizados sob esse prisma: A dialética Global e Local , em suas acomodações e conflitos, é definidora da formação social amazônica. Se há um devir-Mundo na Amazônia, existe igualmente um devir-Amazônia que atua sobre o mundo. Muito do que foi local, a exemplo da cultura ocidental, tornou-se global.
 Nesse sentido, podemos afirmar que Amazônia globaliza-se não apenas como receptáculo de forças, relações e processos vindos do mundo. A amazônia nesse mesmo processo se afirma e se recria diante do mundo, se coloca como força e ator na dinâmica global. Se o global habita o local, por outro lado, o local não deixa-se capturar; rebela-se, insurge-se, reinventa-se “desde baixo” e “por dentro” das estruturas globais, de  forma antropofágica.
Trata-se, pois, de um momento lógico muito fecundo para entender a dinâmica da Amazônia contemporânea no âmbito da globalização.
Poderíamos dizer que a Amazônia é emblemática nesse sentido; é um laboratório empírico  de articulações entre o local e o global, permite pensar e esclarecer não apenas as formas de poder, dominação e sociabilidade contemporâneos, mas igualmente é fonte para pensar lutas, resistências e emancipações.
Entender as relações entre o local e o global pressupõe, antes de mais nada, o entendimento adequado sobre os processos de globalização.  Aspecto a ser desenvolvido no segundo momento da presente aula. Sim. As relações entre o local e global no mundo contemporâneo  correspondem em boa medida aos movimentos da globalização enquanto modo de produção e processo civilizatório. A verdade é que todo empreendimento intelectual sobre a Amazônia não pode prescindir dessa chave analítica. Como seria explicar impactos locais de demandas globais como a mineração, soja e outros commodities cuja produção alteram profundamente as dinâmicas locais
O movimento entre o local e o global na Amazônia se traduz na redefinição entre Região e Nação, Nação e mundo, capital e trabalho, subdesenvolvimento e desenvolvimento, exploração e conservação, conhecimento científicos e conhecimentos tradicionais, ilustrados no terceiro momento da presente aula.
Não se pode negar que a Amazônia já fora narrada e interpretada múltiplas vezes, desde os viajantes, missionários, ficcionistas até as aquelas invenções mais recentes Europeias,  Americanas e a realizada pela nação brasileira, mas é no âmbito da globalização e suas articulações com a nação e o mundo, que a Amazônia tem as melhores condições e possibilidades para se pensar e firmar no mundo, enquanto geográfia, história, política e cultura autodeterminada, inventada horizontal e autopoieticamente em suas dialética complexas e não lineares, em sua zona de contato com as forças e relações externas.
A amazônia já foi periferia, inventada como periferia. No século XXI ela explode potentíssima como centro do mundo; o centro habita nas suas entranhas e como registra Ianni, Corrêia da Silva e Cocco, a crise da relação entre o centro e a periferia acena para superação em potencial, das dimensões hierárquicas e deterministas que condicionam o habitar da Amazônia no Mundo, me refiro os “ismos” que capturam suas energias insurgentes, colonialismo, neocolonialismo, imperialismo, neoliberalismo.
Por fim, vale registrar que através dessa perspectiva, visualizamos não apenas o mundo na Amazônia através dos movimentos que  a sociologia clássica apanhou teoricamente; modo de produção de produção, processo civilizatório, divisão social do trabalho, ocidentalização, racionalização, burocratização. Visualizamos igualmente a Amazônia no mundo, através de lutas, resistências, epistemologias pós-coloniais, processos de indigenização, saberes insurgentes. Sim! No Âmbito da dialética Global-Local na Amazônia do século XXI, não apenas identidades, culturas e conflitos se redefinem como simultaneamente se realiza uma amazonização do mundo (Cocco,2009). Está em curso um devir-Amazônia do Brasil e um devir-Amazônia do mundo marcado pela hibridização, crioulização, pluralidade e  libertação de uma cosmologia ameríndia que requalifica as ideias de crescimento, desenvolvimento e progresso, expressões evolucionistas e lineares da  “máquina antropológica do ocidente”.
 Um exemplo dessa dialética antropofágica no âmbito da teoria pode ser vista em Marx Selvagem (Tible,2013) expressão de uma interlocução crítica e radical entre o local selvagem representado pelo pensamento revolucionário de Mariategui e o Global , representado pela tradição crítica elaborada por Marx. O diálogo de Marx com os “povos sem história” ou “América Indígena” , impacta de modo notável seus últimos escritos. Tal impacto se realizou como autocrítica ao seu pensamento, permitindo um “deslocamento de posições eurocêntricas, em direção a uma crescente abertura ao ‘outro’”. É assim que Marx indigeniza-se, coloca em xeque sua perspectiva linear de história e passa a vislumbrar possibilidades de rupturas emancipatórias através da potencialização dos comunismos primitivos, a exemplo da organização social dos Iroqueses estudadas por Morgan, cujo material etnológico Marx leu com fascínio. Eis um exemplo criativo e rebelde (Demo,2012) da dialética local-Global no plano teórico, cabe agora pensar possibilidades práticas dessa perspectiva.

Cumpri agora registrar o panorama lógico e histórico sobre o nexo explicativo Global-Local na Amazônia no século XXI, intenção primeira da presente aula. O objetivo é, pois, iniciar o debate e quiçá convertê-lo em uma disciplina acadêmica. 

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