Desafiando-me ao participar de uma seleção para professor de Sociologia da UFAM fui movido, pelo sorteio temático realizado, a dar uma "aula" sobre o Global e o local: Amazônia no Século XXI. Transcrevo abaixo a introdução que fiz da aula, texto escrito na tensão de apresentá-lo menos de 14 horas depois como ponto de partida da minha exposição.
Sem essa dimensão lógica a Amazônia
sofreria de um déficit explicativo; não se pode compreendê-la ou interpretá-la
isoladamente, sem situarmos sua geografia no âmbito das relações, processos e
estruturas que agenciam a globalização. Sem essa chave analítica a Amazônia e o
mundo seriam representados analiticamente pela desordem e pelo caos. Seus
processos culturais, econômicos e políticos que
lhes são constitutivos são melhor visualizados sob esse prisma: A
dialética Global e Local , em suas acomodações e conflitos, é definidora da
formação social amazônica. Se há um devir-Mundo na Amazônia, existe igualmente
um devir-Amazônia que atua sobre o mundo. Muito do que foi local, a exemplo da
cultura ocidental, tornou-se global.
Nesse sentido, podemos afirmar que Amazônia
globaliza-se não apenas como receptáculo de forças, relações e processos vindos
do mundo. A amazônia nesse mesmo processo se afirma e se recria diante do
mundo, se coloca como força e ator na dinâmica global. Se o global habita o
local, por outro lado, o local não deixa-se capturar; rebela-se, insurge-se,
reinventa-se “desde baixo” e “por dentro” das estruturas globais, de forma antropofágica.
Trata-se, pois, de um momento lógico muito fecundo para entender a
dinâmica da Amazônia contemporânea no âmbito da globalização.
Poderíamos
dizer que a Amazônia é emblemática nesse sentido; é um laboratório empírico de articulações entre o local e o global,
permite pensar e esclarecer não apenas as formas de poder, dominação e
sociabilidade contemporâneos, mas igualmente é fonte para pensar lutas,
resistências e emancipações.
Entender as
relações entre o local e o global pressupõe, antes de mais nada, o entendimento
adequado sobre os processos de globalização. Aspecto a ser desenvolvido no segundo momento
da presente aula. Sim. As relações entre o local e global no mundo
contemporâneo correspondem em boa medida
aos movimentos da globalização enquanto modo de produção e processo
civilizatório. A verdade é que todo empreendimento intelectual sobre a Amazônia
não pode prescindir dessa chave analítica. Como seria explicar impactos locais
de demandas globais como a mineração, soja e outros commodities cuja produção
alteram profundamente as dinâmicas locais
O movimento entre o local e o global na
Amazônia se traduz na redefinição entre Região e Nação, Nação e mundo, capital
e trabalho, subdesenvolvimento e desenvolvimento, exploração e conservação,
conhecimento científicos e conhecimentos tradicionais, ilustrados no terceiro
momento da presente aula.
Não se pode negar que a Amazônia já fora
narrada e interpretada múltiplas vezes, desde os viajantes, missionários,
ficcionistas até as aquelas invenções mais recentes Europeias, Americanas e a realizada pela nação
brasileira, mas é no âmbito da globalização e suas articulações com a nação e o
mundo, que a Amazônia tem as melhores condições e possibilidades para se pensar
e firmar no mundo, enquanto geográfia, história, política e cultura
autodeterminada, inventada horizontal e autopoieticamente em suas dialética
complexas e não lineares, em sua zona de contato com as forças e relações
externas.
A amazônia já foi periferia, inventada como
periferia. No século XXI ela explode potentíssima como centro do mundo; o
centro habita nas suas entranhas e como registra Ianni, Corrêia da Silva e
Cocco, a crise da relação entre o centro e a periferia acena para superação em
potencial, das dimensões hierárquicas e deterministas que condicionam o habitar
da Amazônia no Mundo, me refiro os “ismos” que capturam suas energias
insurgentes, colonialismo, neocolonialismo, imperialismo, neoliberalismo.
Por fim, vale registrar que através dessa
perspectiva, visualizamos não apenas o mundo na Amazônia através dos movimentos
que a sociologia clássica apanhou
teoricamente; modo de produção de produção, processo civilizatório, divisão
social do trabalho, ocidentalização, racionalização, burocratização.
Visualizamos igualmente a Amazônia no mundo, através de lutas, resistências,
epistemologias pós-coloniais, processos de indigenização, saberes insurgentes.
Sim! No Âmbito da dialética Global-Local na Amazônia do século XXI, não apenas
identidades, culturas e conflitos se redefinem como simultaneamente se realiza
uma amazonização do mundo (Cocco,2009). Está em curso um devir-Amazônia do Brasil
e um devir-Amazônia do mundo marcado pela hibridização, crioulização,
pluralidade e libertação de uma
cosmologia ameríndia que requalifica as ideias de crescimento, desenvolvimento
e progresso, expressões evolucionistas e lineares da “máquina antropológica do ocidente”.
Um
exemplo dessa dialética antropofágica no âmbito da teoria pode ser vista em Marx Selvagem (Tible,2013) expressão de
uma interlocução crítica e radical entre o local selvagem representado pelo pensamento revolucionário de Mariategui
e o Global , representado pela tradição crítica elaborada por Marx. O diálogo
de Marx com os “povos sem história” ou “América Indígena” , impacta de modo
notável seus últimos escritos. Tal impacto se realizou como autocrítica ao seu
pensamento, permitindo um “deslocamento de posições eurocêntricas, em direção a
uma crescente abertura ao ‘outro’”. É assim que Marx indigeniza-se, coloca em
xeque sua perspectiva linear de história e passa a vislumbrar possibilidades de
rupturas emancipatórias através da potencialização dos comunismos primitivos, a
exemplo da organização social dos Iroqueses estudadas por Morgan, cujo material
etnológico Marx leu com fascínio. Eis um exemplo criativo e rebelde (Demo,2012) da dialética
local-Global no plano teórico, cabe agora pensar possibilidades práticas dessa
perspectiva.
Cumpri agora registrar o panorama lógico e
histórico sobre o nexo explicativo Global-Local na Amazônia no século XXI,
intenção primeira da presente aula. O objetivo é, pois, iniciar o debate e
quiçá convertê-lo em uma disciplina acadêmica.
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